Título: Não tenho nada a temer
Autor: Maria campos, Ana; Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 17/06/2012, Cidades, p. 32
Na última quarta-feira, o governador Agnelo Queiroz (PT) passou por um momento que ele próprio considera uma prova de fogo, com a força para dividir a sua atuação no comando do Distrito Federal em antes e depois da CPI do Cachoeira. Durante depoimento de 10 horas, o petista foi obrigado a destrinchar temas espinhosos que o desgastam desde a campanha eleitoral. O foco eram acusações de envolvimento no esquema do bicheiro e favorecimento à Delta Construções no DF. Denúncias sobre sua passagem pelo Ministério do Esporte, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a evolução patrimonial, no entanto, acabaram por tornarem-se o centro da participação do governador do DF na investigação do Congresso.
Agnelo considera que passou no teste. Em entrevista ao Correio na última sexta-feira, ele diz que sua participação na CPI foi movida por indignação. "Em vez de fazer uma defesa, fiz uma denúncia do que estava acontecendo aqui já havia algum tempo, uma articulação criminosa, cujo objetivo era derrubar um governador eleito que nunca cedeu às pressões", sustenta. "Não permitimos que essa organização fizesse negócio, indicasse gente. Tivemos uma postura de transparência, de auditar os contratos." Para Agnelo, a iniciativa lhe rendeu inimigos fortes. "Cada torneira dessas que fecho vou fazendo poderosos adversários", acredita.
Depois de exorcizar temas que lhe causavam desconforto, Agnelo promete um governo mais arrojado. Há um ano e meio no poder e sofrendo ataques sistemáticos na gestão, especialmente direcionadas aos serviços essenciais como saúde, educação e segurança, o governador faz uma autocrítica sobre os atendimentos nos hospitais e prontos-socorros: "Eu também estou insatisfeito. Sei que essa área precisa melhorar e muito".
Quem presta depoimento numa CPI sempre adota uma estratégia de comunicação para se colocar bem, passar uma boa impressão. O senhor se preparou neste sentido? Atribuo meu desempenho ao fato de ter falado com o coração, do fundo da alma, com muita indignação. Considerei a convocação injustiça. Não tinha motivo para ir à CPI. Percebi que aquilo foi fruto da luta política, uma retaliação ao PT, ao governo federal.
O senhor fez um desabafo? É. Meu estilo é mais calmo, mas minha atuação tinha que ser proporcional ao que estava ocorrendo. Em vez de fazer uma defesa, fiz uma denúncia do que estava acontecendo aqui já havia algum tempo, uma articulação criminosa, cujo objetivo era derrubar um governador eleito que nunca cedeu às pressões.
A convocação para a CPI pegou o senhor de surpresa. O PMDB teve parte nisso? Não. O PMDB votou contra a minha convocação. Acredito que não teve parte.
A quê ou a quem o senhor atribui então a aprovação do requerimento de sua convocação? A um momento de grande instabilidade, de acusações da própria CPI sobre acordos que tinham sido estabelecidos, a algumas insatisfações com relação a algumas bancadas e à questão de composição com a área federal. E a oposição votou segundo a obrigação de fazer o jogo contrário.
A convocação do senhor foi um recado de partidos aliados? Parecia. Mas hoje até agradeço à oposição. Foi uma oportunidade para que eu esclarecesse todas as questões. Não poderia deixar para a sociedade tantas insinuações sem resposta. Aproveitamos e deixamos claro que aqui não permitimos que essa organização fizesse negócio, indicasse gente. Tivemos uma postura de transparência, de auditar os contratos. Isso é que resultou no nosso enfrentamento e na reação desse grupo contra nós.
Na véspera do depoimento, o senhor esteve com o vice-presidente da República, Michel Temer. Foi pedir apoio ao PMDB? Quem foi que falou isso? (Risos).
É fato. Foi uma coisa absolutamente casual. Não foi nada especial, não. Conversei com várias lideranças. Isso é absolutamente normal. Ali é uma casa política. Imagina se a moda pega e os adversários começam a convocar governadores ou mesmo os cidadãos comuns sem motivo específico...Isso banaliza e desmoraliza instrumentos como o da CPI.
Desde o início do governo, o senhor divide o tempo entre a gestão e a administração das crises. O depoimento à CPI foi o ápice dessas turbulências. Agora, acha que o caminho está livre para uma administração mais tranquila? Acho que sim. Houve um enfrentamento que chegou a um ponto muito elevado não só de desgastar, mas de tentar me retirar do governo. Essa é a maior demonstração prática de que essa organização criminosa não conseguiu participar do meu governo. Prejudicamos seus negócios, que mantinham havia anos. Mas essas pessoas estão aí. Não acho que vão parar de atacar.
O senhor se dispôs a abrir o sigilo na CPI. Teme que, em 10 anos de sigilo quebrado, as informações sejam usadas politicamente contra o senhor? Tenho a disposição de abrir os sigilos durante toda a minha vida pública, mais de 20 anos. Não há problema nenhum. Ficou claro para todo mundo, inclusive para a população, que essa organização criminosa não entrou aqui. Todas as tentativas foram frustradas. O único negócio era o contrato com a Delta, assinado no governo anterior e mantido por meio de decisão judicial.
Todos vão saber com quem o senhor conversou nos últimos 10 anos. Vai se sentir constrangido se essa lista aparecer? Não poderia deixar nenhuma dúvida sobre essa acusação de relação com o esquema de Cachoeira e da Delta. Ficou claro que não tem. Também não poderia pairar nenhuma dúvida sobre a minha vida pública. Não tenho nada a temer. Não tenho pendência nenhuma com a Receita Federal, não tenho sequer aquelas retificações que existem com prazos normais. Nunca caí na malha fina.
A atitude do senhor acabou provocando a quebra de sigilo do governador de Goiás, Marconi Perillo. Como avalia essa consequência? Diante da minha atitude, ficou impossível ele não abrir o sigilo dele, que havia negado no dia anterior. Estava fazendo a minha parte, não para que ele colocasse o sigilo dele também à disposição. Eu não poderia deixar nenhuma dúvida sobre qualquer coisa na CPI.
Em algum momento, o senhor se sentiu ofendido pelas abordagens da oposição? Constatei que alguns daqueles parlamentares queriam fazer a luta política, tentando levantar e requentar um bocado de denúncias que foram feitas pelos setores do crime no DF. Estavam municiados por eles. Constatei, até com tristeza, que alguns parlamentares que tinha em conta como pessoas com grau de responsabilidade não corresponderam.
O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP)? Por exemplo. E o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). Fiquei muito tempo na Câmara dos Deputados e sempre tive boas relações. A política é isso. Tem horas que você discorda. Por isso, há variedade de partidos e pensamentos diferentes. É normal. Mas são pessoas que se respeitam, capazes de reconhecer quando erram, de cobrar de quem errou. E na verdade ali não percebi isso. Houve uma tentativa meio desesperada de atacar.
O foco da convocação eram as relações com o grupo de Cachoeira e com a Delta. Mas o senhor acabou tendo de fazer um briefing sobre vários temas, como a sua atuação no Ministério do Esporte, denúncias na passagem pela Anvisa, evolução patrimonial. Ficou constrangido? Não fiquei. Não era o motivo da audiência e, para mim, isso também fica claro, como ficou para a sociedade, que nem os opositores tiveram condições de perguntar sobre a ligação com essa organização, com Delta e Cachoeira.
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) disse que o senhor iria responder sobre qualquer assunto. Essa estratégia foi combinada? Não. Eu já vinha respondendo tudo. Não queria deixar nada sem responder porque, para mim, ali estava falando também com a sociedade. Era uma oportunidade de esclarecer acusações infundadas, armadas, que faziam parte justamente desses objetivos de insatisfeitos que não concordam com a forma de governo que adotamos desde o início, radical na transparência, fechando torneiras que irrigavam alguns segmentos do DF. Cada torneira dessas que fecho vou fazendo poderosos adversários. Na visão de muita gente, eles me dobrariam como fizeram com outros governantes.
O depoimento à CPI passou. Em que foco o senhor vai se concentrar? O centro é governar. Brasília precisa da nossa dedicação integral. Vamos entrar em uma fase de realizações importantes, em diversas áreas.
Durante depoimento na CPI do Cachoeira, o senhor falou que estava disposto até a apanhar para provar que não tinha relação com o esquema. No Twitter, um cidadão disse que se o senhor realmente estivesse disposto a apanhar deveria ir para uma porta de emergência de hospital no DF... Isso eu reconheço. Nós avançamos na saúde, mas muito precisa avançar ainda e a prioridade nossa, que orientei o secretário de Saúde e vou cobrar rigorosamente, é a melhoria dessas unidades de emergência, o que implica em uma série de ações. Também estou insatisfeito. Sei que essa área precisa melhorar muito. Tem muita gente que vem de fora e sobrecarrega nossos hospitais. Mas não podemos deixar de atender. Sei que precisa melhorar não só a saúde, mas outras áreas também. Ocorre que um ano e meio de governo é muito pouco. Os resultados só serão avaliados plenamente após a conclusão do mandato, ao fim de quatro anos.
O senhor foi abandonado por partidos como o PPS e PSB? Não. O PSB fez seu debate interno e tomou uma decisão coletiva de apoio, de permanecer no governo. O PPS foi tirado por uma posição nacional, com a aliança que tem com o DEM e o PSDB. Foi uma atitude política nacional. O PPS de Brasília tem excelentes nomes, está enfrentando o partido e permaneceu no governo.
Acredita que há um divisor entre antes e depois da CPI? Houve um simbolismo grande, uma prova de fogo. Não estava em jogo exclusivamente o envolvimento com o esquema Cachoeira. Por maior que fossem os ataques, jamais provariam fatos que não existiram. Mas de qualquer maneira foi um momento de ataque muito forte. A gente sente quem é mesmo aliado e quem não é, a dosagem das coisas. Não tem como não ser outra coisa depois. Na crise, a gente sabe com quem pode contar.
Houve decepções? Não posso dizer decepção. Na política, a gente espera o grau de comprometimento. As pessoas têm o direito também de ter dúvidas, a não ser quem é muito próximo. Mas nesses momentos se percebe a capacidade de análise das pessoas. Considero agora um novo momento, de maior arrojo. Nossa estrutura interna está mais azeitada. Mesmo nesse momento todo dessa crise, o governo não parou. Sei que um dos grandes objetivos dessa coisa toda era me acuar, não me deixar governar, mas na semana do depoimento, despachei.
A abertura de investigação pelo STJ a pedido do Procurador-Geral da República no momento da CPI não permanece como prova de fogo? Não tenho receio nenhum de investigação e tendo motivo para investigar deve investigar mesmo. O que não pode é fugir do critério técnico e do foco.
No depoimento, o senhor falou que acredita na idoneidade de Cláudio Monteiro, seu ex-chefe de gabinete, citado em conversas interceptadas pela Operação Monte Carlo. Ele vai voltar para o governo? Se ficar comprovado que não existiu nada, não tem por que não voltar. Ele abriu mão do sigilo, do foro e assegura que não houve nenhum tipo de envolvimento.