O globo, n. 31161, 30/11/2018. País, p. 4

 

Maioria dá carta branca a Temer

Carolina Brígido

André de Souza

30/11/2018

 

 

Decisão sobre indulto, no entanto, ainda não vale porque Fux pediu vista

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem não impor limites ao decreto de indulto assinado pelo presidente Michel Temer em 2017, que abriria a possibilidade de perdão judicial apolíticos condenados na Lava-Jato. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux e não tem data para recomeçar.

Seis magistrados apresentaram voto defendendo a prerrogativa exclusiva do presidente em estabelecer os parâmetros do perdão judicial a criminosos. Apenas Luís Roberto Barroso, relator, e Edson Fachin votaram para restringir o indulto.

O decreto assinado por Temer concedeu perdão judicial a criminosos que tivessem cumprido um quinto da pena em qualquer caso de crime praticado sem violência. Autoridades enxergaram no texto — o mais abrangente dos últimos 30 anos — uma tentativa de livrar da cadeia condenados pela Lava-Jato.

Ontem, diante do resultado parcial do julgamento, o procurador Deltan Dallagnol lembrou que o indulto de Temer poderá perdoar pelo menos 21 condenados por corrupção pela Lava-Jato que, nas palavras dele ,“sairão pela portada frente da cadeia sem pagarem o preço devido por seus graves crimes”.

Enquanto os investigadores da Lava-Jato lamentavam, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, comemorou o resultado parcial do julgamento.

— A votação representa uma vitória do Estado de Direito, já que não existe nada no nosso ordenamento jurídico que autorize ministros do STF a definir as regras de decretos de indulto natalino. Ministros podem até não concordar com o decreto, mas não podem reescrevê-lo —disse Marun.

Embora o pedido de vista tenha adiado a decisão da Corte, o recado da maioria dos ministros é que, se o presidente Michel Temer quiser editar um decreto com os mesmos parâmetros neste ano, não encontrará barreiras jurídicas. Até o julgamento ser retomado, ainda tem validade a liminar dada em março pelo ministro Barroso, que restringiu o alcance do decreto, tirando o benefício de condenados por corrupção. Além de Fux, Cármen Lúcia e o presidente, Dias Toffoli, ainda não votaram.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, já afirmou que não irá decretar indultos em seu governo.

Lewandowski sai

Para a maioria dos ministros, o presidente tem total liberdade para definir os parâmetros do indulto de Natal. Votaram dessa forma os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

— O ato político, que é o caso, é de amplíssima discricionariedade e, portanto, imune ao controle jurisdicional. A impugnação só está autorizada se houver clara ofensa a regras constitucionais —disse Lewandowski.

Mesmo depois do pedido de vista, Gilmar sugeriu que, com a maioria, seria possível revogar a liminar de Barroso, mas não houve votos suficientes para isso. Isso porque Lewandowski já havia deixado o plenário, e Rosa Weber não concordou com a medida antes do fim do julgamento.

Há expectativa de que Toffoli volte a pautar o caso na próxima semana. Barroso demonstrou contrariedade com a votação da proposta de Gilmar, mesmo depois do pedido de vista de Fux, embora o presidente tenha dito que isso já aconteceu outras vezes na Corte.

— Todo mundo sabe o que está acontecendo aqui e sabe o que eu penso — disse Barroso.

Cadeias lotadas

Como a liminar de Barroso ainda não foi revogada, condenados que cumpriam os requisitos para o indulto em dezembro passado ainda não poderão ser libertados.

Para Marco Aurélio, o texto do decreto caracteriza-se pela razoabilidade:

— O relator, recebendo o processo, acabou por fazer corte no próprio indulto. E aí, a meu ver, findou por substituir-se ao presidente da República, estabelecendo condições para ter-se o implemento do indulto.

Celso de Mello, o mais antigo do STF, destacou que o Estado é inerte em resolver as falhas do sistema carcerário brasileiro. Assim, a medida é, na verdade, uma forma de atenuar o problema.

Ele também afirmou que votar a favor do indulto não significa ser leniente com o crime, e destacou que há no país a separação de poderes, não cabendo ao Judiciário interferir nesse tema.

Do outro lado, Barroso e Fachin sustentaram que a regra colabora para aumentar a sensação de impunidade.

— Não há na Constituição expressa regulamentação sobre o alcance desse poder presidencial. Isso não leva a compreender que esse poder seja ilimitado. Parece-me ser próprio de uma Constituição republicana que os poderes públicos sejam limitados — ponderou Edson Fachin.

Qual é o limite das decisões?

Poder do Presidente não é ilimitado

Vera Chemim

Advogada Constitucionalista e Mestre em Administração Pública

Embora a Constituição preveja que o poder do indulto é privativo do presidente da República, esse limite não é absoluto, o poder não é ilimitado. O limite está no próprio Código de Processo Penal, que estabelece um mínimo de cumprimento da pena para que o condenado tenha direito a progressão de regime, que é o cumprimento de um terço da sentença. No meu entendimento, no caso do indulto de 2017, a legislação foi extrapolada.

O presidente da República baixou esse limite para um quinto da pena. Ou seja, pela decisão do presidente é preciso cumprir apenas um quinto da pena para ser beneficiado.

O problema é que existe uma lacuna do Legislativo, que deveria regulamentar o poder constitucional dado ao presidente. Isso não foi feito. Por isso, acredito que o presidente pode conceder perdão, mas obedecendo aos limites do próprio Código de Processo Penal. Já existe hoje um outro limite, que exclui do indulto crimes hediondos, mas não fala em crimes de corrupção. Por isso, o Supremo Tribunal Federal deveria limitar e excluir os agentes políticos, que afrontaram a moralidade administrativa.

Constituição dá poder ao Presidente

David Teixeira de Azevedo

Professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP)

A Constituição é clara: a decisão compete ao presidente, e o indulto deve ser concedido de acordo com critérios que ele estabelece, como tipo de crime, tempo de pena e regime de cumprimento. Já há uma limitação imposta pelo Congresso, que impede o presidente de conceder indulto a condenados por crimes hediondos, como terrorismo, tráfico de drogas e tortura.

O indulto é uma clemência que existe desde Roma. É um ato soberano, que, por critérios próprios, resolve perdoar ou comutar as penas de um grupo de infratores. Ele age por razões humanitárias, e o indulto não é direcionado a um indivíduo, mas a um contingente de condenados.

Se alguém quiser estabelecer limites para o indulto concedido pelos presidentes, deve fazer isso propondo mudança na legislação. Além disso, pela Constituição, o presidente pode inclusive conceder a graça, o perdão, a um único indivíduo, na forma de favor individual. O Supremo é o poder máximo e não pode desrespeitar a Constituição. A Corte não pode decidir no lugar do presidente. Neste caso, seria uma evidente invasão entre os Poderes.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Pedido de habeas corpus para Lula será julgado na próxima terça-feira

André de Souza

30/11/2018

 

 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar na terça-feira da próxima semana um habeas corpus em que a defesa pede a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na terça-feira, o relator do processo, ministro Edson Fachin, tinha liberado o caso para a pauta da Corte. No mesmo dia, o presidente da Segunda Turma, ministro Ricardo Lewandowski, disse que deveria agendar o julgamento para o começo de dezembro.

Além de Fachin e Lewandowski, integram o colegiado os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O resultado será definido por maioria de votos. Entre ministros do Supremo Tribunal Federal, a expectativa é a de que Lula não seja libertado nesse julgamento. Em votações penais, Cármen, Fachin e Celso de Mello costumam se alinhar no sentido de manter as prisões determinadas pelos magistrados da primeira instância.

No pedido, os advogados disseram que o ex-juiz federal Sergio Moro “revelou clara parcialidade e motivação política” nos processos contra o ex-presidente Lula. Um dos elementos apontados pela defesa é o fato de Moro ter aceitado o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para ser ministro da Justiça e Segurança Pública a partir de janeiro.

A defesa do petista considera que o magistrado atuou para impedir o expresidente de ser candidato, o que teria beneficiado Bolsonaro. Depois que aceitou o convite, Moro anunciou que não conduziria mais a Operação Lava-Jato. O juiz tirou férias e depois pediu exoneração do cargo que exerceu em Curitiba.

O ex-presidente Lula foi condenado por Sergio Moro, em julho do ano passado, a nove anos e meio de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso que envolveu o tríplex do Guarujá (SP). Em janeiro, a sentença foi confirmada pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que aumentaram a pena para 12 anos e um mês. O ex-presidente foi preso em abril.