O globo, n. 31161, 30/11/2018. País, p. 9

 

Mais Médicos: só 3% já estão trabalhando

Renata Mariz

30/11/2018

 

 

Prazo para que os profissionais selecionados iniciem atividades vai até o dia 14, e governo vai reforçar a chamada. Pelo menos um terço dos aprovados abandonará outro posto na rede pública de saúde

Menos de 3% dos 8,3 mil selecionados para o Mais Médicos já começaram a trabalhar. São 230 médicos já “homologados”, ou seja, que estão atuando nas cidades onde escolheram entre os 940 “validados”, que se apresentaram no local ou fizeram contato com a prefeitura para acertar detalhes, segundo balanço apresentado nesta quinta-feira pelo governo.

Para evitar desistências, o Ministério da Saúde decidiu disparar ligações telefônicas para os profissionais aprovados pedindo que antecipem a ida aos municípios ou que desistam de imediato caso não queiram o emprego naquele local. O “início das atividades”, segundo o edital, tem data-limite em 14 de dezembro, mas, de acordo com a pasta, o profissional pode negociar com o gestor local.

Além do risco de não comparecimento, gestores municipais de Saúde alertaram o governo sobre uma onda migratória de profissionais que já atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) e que estão deixando seus postos para trabalhar pelo Mais Médicos, em busca de melhores salários e outras vantagens.

Levantamento do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) apontou que ao menos 2.844 médicos inscritos no programa estão saindo de equipes de Saúde da Família. O número de profissionais “migrando” representa 34% dos 8,3 mil médicos já selecionados, mas foi calculado em uma base de 7.271 nomes disponibilizados, o que elevaria a proporção para 39,1%.

"Acomodação"

Mauro Junqueira, presidente do Conasems, estima que a quantidade de profissionais que já atendiam pelo SUS pode chegar à metade dos selecionados. Isso porque, segundo ele, não só profissionais de Saúde da Família estão se deslocando para o Mais Médicos, mas também de Unidades de Pronto de Atendimento (UPAs) e hospitais. Uma pesquisa preliminar feita por alguns estados já mostrou um quadro preocupante. Em Roraima, por exemplo, das 43 vagas ofertadas, 36 (83,7% do total) foram ocupadas por médicos que trabalhavam na rede pública, sendo sete de equipes de Saúde da Família.

— Só estão transferindo o problema de lugar. Os municípios de onde os médicos estão saindo ficarão descobertos —disse Junqueira.

Adeilson Cavalcante, secretário-executivo do Ministério da Saúde, afirmou aos gestores em reunião ontem que será preciso um “processo de acomodação” e anunciou as medidas para acelerar o início dos trabalhos:

— Vamos ligar para cada médico para pedir que antecipem a ida aos municípios.

Junqueira explicou que muitos profissionais se viram atraídos pelo salário, carga horária, possibilidade de ter pontuação extra nas seleções para residência, entre outras vantagens oferecidas pelo Mais Médicos. Os municípios, segundo ele, não têm condições financeiras de reter os médicos devido à diferença do financiamento entre o programa que está com edital aberto e a Estratégia Saúde da Família, também fomentado pelo governo federal.

As desistências são outro problema que começa a surgir. Em Santarém (PA), 15 das 17 vagas ofertadas foram preenchidas, mas dois profissionais desistiram, segundo a secretaria municipal. Em outro município paraense, Cametá, três médicos foram embora após perceberem que era preciso percorrer 200km de estrada de terra ou horas de barco da capital até o local.

Embora o governo venha apresentando a adesão ao Mais Médicos como um grande sucesso, com preenchimento de mais de 97% das 8,5 mil abertas, prefeitos e secretários têm dúvidas quanto à efetiva ocupação dos postos por conta da resistência dos profissionais a irem para locais de difícil acesso.