O globo, n. 31161, 30/11/2018. Rio, p. 10

 

Pezão sai de palácio e vai para a cadeira

Chico Otavio

Daniel Biasetto

30/11/2018

 

 

 Recorte capturado

Governador é acusado de ‘herdar’ de Cabral comando de esquema de corrupção

‘Antes de ir com vocês, posso tomar um banho e um café?”. A pergunta foi feita por Luiz Fernando Pezão a um grupo de policiais federais que chegou por volta das seis da manhã de ontem ao Palácio Laranjeiras. Pela primeira vez na história do estado, um governador foi preso durante o exercício do mandato. Segundo o inquérito que deu origem à Operação Boca de Lobo, eleé acusado de herdardes eu antecessor, Sérgio Cabral, o comando deu mesque made corrupção que, entre 2007 e 2014 (quando era vice), teria lhe rendido um montante de quase R$ 40 milhões, em valores atualizados. Provas materiais de pagamentos de propina, no entanto, não chegaram a ser apresentadas durante uma coletiva sobre a investigação.

Batizada em alusão à tampa de bueiro (o objetivo, de acordo com agentes, era impedir que dinheiro público escorresse pelo ralo), a Operação Boca de Lobo, um desdobramento da Lava-Jato, contou com o apoio da Procuradoria Geral da República. Após analisar o inquérito, o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça, expediu nove mandados de prisão preventiva e 31 de busca e apreensão.

Também foram expedidos mandados de prisão para dois secretários estaduais — José Iran, de Obras; e Affonso Monneratt, de Governo, que está na cadeia desde o início do mês por suposto envolvimento emu mesquem ade corrupção de deputados. Ainda foram detidos quatro empresários, um servidor e Marcelo Santos Amorim, subsecretário de Comunicação que é casado com uma sobrinha de Pezão.

Mesada e bônus

A força-tarefa responsável pela operação entendeu que era fundamental prender Pezão e bloquear seus bens um mês antes do término do mandato para impedir uma dispersão de documentos e garantir recuperação de valores. Além disso, havia o temor que, sem foro privilegiado, ele pedisse que a investigação recomeçasse do zero. O trabalho policial que o levou à cadeia partiu de uma delação premiada de Carlos Miranda, o “homem da mala” de Cabral. Ele acusou Pezão de receber uma mesada de R$ 150 mil entre 2007 a 2014, além de 13º salário no mesmo valore dois“bônus ”, de R$ 1 milhão cada. Mas, de acordo com o procurador federal Leonardo Cardoso de Frei tas, há provas de que Pezão continuou recebendo propina após assumir o governo. Porém, ele não as divulgou.

—A organização criminosa se reinventou. Cabral foi sucedido por Pezão; Wilson Carlos (ex-secretário de Governo), por Affonso Monneratt; Hudson Braga( de Obras ), por José Iran —disse Cardoso de Freitas.

O inquérito ganhou volume com novas delações, planilhas apreendidas e escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. O suposto esquema de corrupção seria alimentado com dinheiro de empresasp restadoras de serviços para o estado, da Fetranspor e de caixa 2 da campanha eleitoral de 2014.

Após a prisão de Pezão, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, convocou a imprensa para um raro pronunciamento público — até ontem, ela nunca havia se manifestado sobre uma investigação. Justificou a medida dizendo que a gravidade do caso demandava explicações à sociedade, e afirmou que a operação obteve “informações de práticas criminosas muito graves que estavam em curso e que precisavam ser obstadas”.

— A lavagem de dinheiro consiste em ocultar ou dissimular onde o montante desviado está. Isso, pelas informações reunidas na investigação, continua a ser feito — afirmou Dodge. — Descobrir o paradeiro desse dinheiro, se ele está em espécie, depositado em contas no país ou no exterior, é algo que, com as medidas cautelares, vamos aprofundar.

O que levou Pezão à prisão

Em delação premiada, Carlos Miranda, “o homem da mala” de Sérgio Cabral, sustentou que o governador participava de um esquema de cobrança de propina de empresas que prestam serviços ao estado. Pezão teria recebido R$ 39 milhões ao longo de sete anos. A Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República não chegaram a apresentar provas: afirmaram que ele pode ter “laranjas”