O globo, n. 31160, 29/11/2018. País, p. 4

 

O 'último' indulto

André de Souza

Carolina Brígido

Bela Megale

29/11/2018

 

 

 Recorte capturado

 

 

STF julga, e Bolsonaro anuncia fim do benefício

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, usou as redes sociais ontem para atacar a concessão de indulto natalino a presos. Prerrogativa do presidente da República, o perdão judicial é um instrumento utilizado pelos governos para amenizar o problema da superlotação nas prisões. Crítico da prática, o presidente eleito disse que, se houver “indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”.

A fala de Bolsonaro foi uma espécie de mensagem aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que começaram a julgar ontem a extensão dos poderes do presidente para conceder o indulto a criminosos de todo o país. O julgamento continua hoje.

“Fui escolhido presidente do Brasil para atender aos anseios do povo brasileiro. Pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos nossos principais compromissos de campanha. Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”, escreveu Bolsonaro nas redes sociais.

A questão carcerária divide opiniões no futuro governo. O presidente eleito disse, durante a campanha, que a superlotação do sistema era um “problema de quem cometeu o crime”, não uma preocupação do Estado. Já o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, reconheceu a necessidade de o governo lidar melhor com a questão e ampliar as vagas.

No ano passado, o presidente Michel Temer assinou um decreto concedendo indulto a criminosos que tivessem cumprido um quinto da pena em qualquer caso de crime praticado sem violência. O texto foi bastante criticado por possibilitar o perdão de políticos condenados por corrupção. Por liminar, o ministro Luís Roberto Barroso restringiu a quantidade de beneficiados e vetou o indulto para criminosos do colarinho branco. Se o STF decidir derrubar a liminar, será uma espécie de liberação para Temer editar em dezembro um decreto igualmente permissivo.

Cálculo da lava-jato

Um levantamento da força-tarefa da Lava-Jato mostrou que, se isso ocorrer, ao menos 21 dos 39 condenados no Paraná poderão ser beneficiados pela medida, como o ex-ministro Antonio Palocci, o ex-deputado federal André Vargas, o pecuarista José Carlos Bumlai e o operador Adir Assad.

Ontem, o relator, ministro Barroso, votou para diminuir a extensão do indulto de Temer. Alexandre de Moraes discordou. Para ele, a Constituição dá ao chefe do Executivo poderes para definir as regras do indulto. Nove ministros ainda não votaram. Ainda assim, nas discussões que permearam a sessão de ontem, já foi possível identificar o lado que vários deles tendem a tomar. Na maior parte do tempo, ministros contestaram os argumentos de Barroso.

Fizeram isso Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. De forma mais tímida, Edson Fachin, relator da Lava-Jato, e Luiz Fux fizeram comentários alinhados com o voto de Barroso. Seja qual for o resultado da votação, o placar será apertado. Nos bastidores, ministros apostam na derrota da tese de Barroso, o que possibilitaria a libertação de presos em todo o país.

—A corrupção é um crime violento, praticado por gente perigosa. É um equívoco supor que não seja assim. Corrupção mata. O fato de um corrupto não ver nos olhos a vítima que ele produz não o torna menos perigoso —declarou o relator.

Para Alexandre de Moraes, o presidente da República tem a prerrogativa de conceder indulto a presos.

—Se nós fixarmos requisitos para esse decreto, estaremos fixando requisitos para todos os decretos subsequentes. Estaremos legislando —disse Moraes.

Raio de ação

Fachin ponderou que, se o STF não tem poderes para fazer liminar sobre um decreto presidencial, não teria também para anular a nomeação de ministro de Estado. Embora o ministro não tenha mencionado, o tribunal suspendeu a escolha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff. Moraes rebateu o argumento.

— Se comprovado ficar que há desvio de finalidade, seja em relação a indulto, graça ou perdão, seja em relação a nomeação, existe a possibilidade de análise do Judiciário. Não há comprovação de que ele (Temer) quis favorecer a, b ou c com o indulto — afirmou Alexandre de Moraes.

Que medida é essa?

> O que é indulto?

O ato presidencial está previsto na Constituição e significa o perdão da pena. É válido para todos os condenados por crimes sem grave ameaça ou violência e é concedido todo ano perto do Natal pelo presidente via decreto. Não podem ser beneficiados os condenados que cumprem pena pelos crimes de tortura, terrorismo, tráfico de drogas e os condenados por crime hediondo.

> Quem pode ser beneficiado?

Os critérios de quem pode e quem não pode ser beneficiado são definidos pelo chefe do Executivo. O decreto assinado por Michel Temer em 2017, e em discussão no Supremo, autoriza a concessão de indulto a quem cumpriu um quinto da pena por condenações de crimes sem grave ameaça, incluindo corrupção e lavagem de dinheiro.

> Como o indulto funciona em outros países?

O indulto é um recurso existente em diversos países — de ricos a pobres como Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, Peru e Nigéria. Os moldes variam. Há países em que é concedido pelo presidente (EUA) e outros onde a decisão cabe a um órgão do Executivo (Reino Unido).

> Como não confundir indulto presidencial e indulto em datas comemorativas?

O indulto mais comum concedido a presos ganhou o nome popular de “saidinha”. É um benefício previsto na Lei de Execução Penal e ocorre em datas comemorativas como Natal e Dia das Mães, para visita aos familiares. A medida é determinada pelo Juiz da Vara de Execuções Penais e prevê o retorno à prisão após alguns dias em liberdade.

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Congresso ainda tem projetos que enfraquecem investigações

Bruno Góes

29/11/2018

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi pressionado por parlamentares a colocar em votação uma proposta que altera as regras de execução penal

Com o fim da legislatura e a posse dos novos parlamentares eleitos para o Congresso , projetos em tramitação que podem enfraquecer investigações contra políticos ou beneficiar condenados terão diferentes destinos. No início da semana, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi pressionado por parlamentares a colocar em votação uma proposta que altera as regras de execução penal. A iniciativa afrouxa a punição a diversos crimes, incluindo os de colarinho branco.

Líderes partidários avaliam que não há consenso nem tempo para votação do assunto este ano. Mas, como o projeto, de autoria de Renan Calheiros (MDB-AL), foi aprovado pelo Senado, continuará na mesma fase de tramitação na Câmara e poderá ser resgatado pelos deputados em 2019. Outros projetos polêmicos, por outro lado, serão arquivados.

Redigido para contra-atacar a Lava-Jato, o projeto de lei 4.372, de 2016, do deputado Wadih Damous (PT-RJ), por exemplo, será engavetado. A proposta proíbe a delação de réus presos e a divulgação de depoimentos colhidos a partir de uma colaboração premiada.

Segundo a legislação, após a eleição do novo Congresso, as proposições que ainda necessitam de qualquer apreciação em comissões são arquivadas. Na Câmara, não são arquivadas as propostas que sejam originárias do Senado, de iniciativa popular, de outro Poder ou do procurador-geral da República.

Quando um projeto é arquivado após o fim de uma legislatura, apenas os deputados que foram reeleitos podem pedir o desarquivamento dos seus próprios projetos. Como Damous não foi reeleito, um outro deputado só poderá desengavetar seu projeto para iniciar a tramitação do zero.

No mês passado, outro projeto que previa mudanças na aplicação da Lei da Ficha Limpa foi arquivado definitivamente, após ser retirado de pauta no Senado. Já no fim de 2016 e início de 2017, parlamentares se mobilizaram para inserir em projetos uma anistia ao caixa 2, mas o assunto não foi adiante.