O globo, n. 31160, 29/11/2018. Rio, p. 10

 

Passo rumo a Pezão

Antônio Werneck

29/11/2018

 

 

Deputado Paulo Melo envolve governador no loteamento de cargos do Detran

Inicialmente fora do radar de investigadores que deflagraram, no último dia 8, a Operação Furna da Onça, o governador Luiz Fernando Pezão (MDB) foi parar no olho do furacão: em depoimento prestado anteontem a policiais e procuradores federais, o deputado estadual Paulo Melo (do mesmo partido) o citou como um dos participantes de um esquema de loteamento de cargos públicos montado dentro da Assembleia Legislativa (Alerj).

Melo disse que Pezão procurou deputados para que indicassem nomes para a presidência do Detran. De acordo com a investigação que deu origem à Furna da Onça, o órgão era usado como moeda de troca: depois de votarem projetos favoráveis ao governo e a empresas, parlamentares conseguiam lotear cargos no departamento de trânsito.

Em seu depoimento, Melo, que já foi presidente da Alerj, admitiu que fez indicações para o Detran. Um dos nomes que teria emplacado no órgão foi o de Carla Adriana Pereira, diretora de registros. Suspeita de ser uma das operadoras do esquema de loteamento de cargos, ela foi uma das 22 pessoas que tiveram prisão decretada pelo Tribunal Regional Federal a pedido de policiais e promotores da Operação Furna da Onça.

Além de Melo, Jorge Picciani e Edson Albertassi (ambos também do MDB) prestaram depoimentos a policiais e procuradores federais. Os três estão presos desde o ano passado, quando se tornaram alvos da chamada Operação Cadeia Velha, que teve como objetivo desbaratar um outro esquema de corrupção, mantido por empresários dos setores de construção civil e transportes. O conteúdo dos depoimentos de Picciani e Albertassi não foi revelado.

'Prática antiga'

Levado do complexo penitenciário de Gericinó para a superintendência da Polícia Federal, na Praça Mauá, Melo disse ainda que indicar nomes para o Detran e outros órgãos públicos é uma prática antiga de deputados, que também estariam loteando cargos em empresas que prestam serviços ao estado. Apesar disso, afirmou que não havia uma “obrigação” de contratação dos apadrinhados.

Melo foi questionado se empresas pagavam propina a integrantes do Executivo quando conseguiam contratos com o estado. “Não sei o que o governo pedia para as terceirizadas”, respondeu. Além disso, o deputado deixou a entender que as indicações de nomes faziam parte de um jogo político, mas rebateu a denúncia, do Ministério Público Federal, de que integrantes da Alerj faziam loteamento de cargos de acordo com seus redutos eleitorais: “É fanfarronice, um exagero de quem não conhece como funciona”.

Procurado para comentar o depoimento de Melo, Pezão disse, em nota, que “a eficiência de um governo democrático depende também da sua estabilidade política, sem que, no entanto, essa estabilidade se ampare em fisiologismos ou benefício pessoal”.

A assessoria de imprensa do Palácio Guanabara destacou que “o governador jamais tomou a atitude citada e sempre agiu sem fisiologismos ou benefício próprio, tendo como premissa o diálogo, sem cometer, ao priorizar o diálogo, qualquer crime, sempre na busca da melhoria de qualidade do atendimento à população”. O texto termina informando que “todos os servidores que cometem crimes devem ser punidos na forma da lei”.

Desdobramento da Operação Lava-Jato, a Furna da Onça começou a tomar forma após a apreensão, em um computador de Edson Albertassi, de uma planilha com os nomes de 290 pessoas supostamente indicadas por 64 políticos para cargos no governo fluminense. Dez deputados estaduais tiveram prisão decretada. Entre os detidos também está Affonso Monerat, secretário de Governo e homem de confiança de Pezão.

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Furna da Onça: indícios de vazamento e malotes de dinheiro jogados pela janela

29/11/2018

 

 

O dia ainda estava escuro quando centenas de agentes saíram da sede da superintendência da Polícia Federal no Rio, na Praça Mauá, para cumprir 22 mandados de prisão e 47 de busca e apreensão. Estavam dando início à Operação Furna da Onça, cujo nome é uma alusão à sala de reuniões da Alerj na qual deputados falam, sob sigilo absoluto, tudo que não querem dizer em plenário. Já o planejamento para o que aconteceria naquela madrugada parece não ter sido um segredo bem guardado.

Policiais estranharam quando entraram na casa do secretário estadual de Governo, Affonso Monnerat, e o encontraram arrumado, com um diploma de curso superior nas mãos (o que lhe garantiria prisão especial). Além disso, integrantes do Ministério Público Federal que participaram da operação apreenderam na casa de Andreia Cardoso do Nascimento, chefe de gabinete do deputado Paulo Melo, anotações que indicam um vazamento de dados da Furna da Onça. De acordo com promotores, ele a orientou, por escrito, a “destruir elementos de convicção, apagando registros de conversas, emails, fotos em redes sociais, dentre outras ações.”

Para completar, o deputado Coronel Jairo (Solidariedade) se internou em um hospital na véspera da chegada de policiais federais à sua casa, alegando problemas cardíacos. Em sua residência, agentes acharam um único computador, que estava sem arquivos e histórico de navegação pela internet.

Buscas nas casas e nos gabinetes de outros alvos da operação também se mostraram infrutíferas, mas, entre os procurados, teve gente pega de surpresa. Quando a Polícia Federal cercou a casa do deputado estadual Marcos Abrahão (Avante), em Rio Bonito, houve uma tentativa “tragicômica’’ de se evitar que dois malotes de dinheiro fossem encontrados no imóvel: uma pessoa jogou pacotes de cédulas pela janela. Mesmo assim, as notas foram apreendidas.

Apesar dos indícios de vazamento, a Furna da Onça é considerada uma operação bem-sucedida por policiais e promotores federais. Eles afirmam que vários segredos dos investigados começam a ser revelados.