O globo, n. 31160, 29/11/2018. Mundo, p. 22

 

Visita exploratória

Henrique Gomes Batista

29/11/2018

 

 

Bolton sondará uma maior aproximação com Bolsonaro sobre China, Venezuela e comércio

As poucas horas que Jair Bolsonaro e John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional de Donald Trump, terão na reunião no Rio de Janeiro na manhã de hoje serão cruciais para o futuro das relações entre EUA e o novo governo brasileiro. A viagem pode dar o tom e confirmar se a proposta de “namoro” entre os dois governos pode prosperar, envolvendo comércio, Venezuela, relações com a China e segurança, entre outros pontos.

Bolsonaro — chamado por parte da imprensa internacional de “Trump dos trópicos” —nunca escondeu admiração pelo presidente americano. Seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), chegou a usar um boné com o slogan do republicano em alusão à sua campanha pela reeleição em 2020 em viagem a Washington, onde se reuniu com autoridades. Por sua vez, a Casa Branca elogiou a eleição do brasileiro, considerada “uma boa notícia” para a região.

"Relacionamento pessoal"

Com tal boa vontade de ambos os lados, o primeiro encontro pode confirmar se a aparente empatia poderá se transformar em medidas práticas.

— O encontro surgiu como resultado da ligação do presidente Trump na noite da eleição no Brasil para parabenizar o presidente eleito Bolsonaro. Eles tiveram uma ligação realmente excelente, acredito que desenvolveram um relacionamento pessoal, mesmo remotamente. O presidente Trump foi o primeiro líder estrangeiro aligar para o presidente eleito Bolsonaro — disse Bolton, na terça-feira, ao comentara viagem ao Brasil, numa escala para a cúpula do G -20 em Buenos Aires.—Vemos isso como uma oportunidade histórica para o Brasil e os EUA trabalharem juntos.

O debate sob reuma estratégia única para acrise humanitária venezuelana e a tentativa de ampliar o comércio entre os dois países são partes da agenda comum. Os americanos ainda querem tentar reduzira crescente influência chinesa na América Latina, enquanto o futuro governo quer atrair investimentos para o Brasil. E a reunião servirá para partilhar experiências. Bolsonaro está indicando que pode seguir algumas das medidas mais polêmicas de Trump, como mudara embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e abandonar o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.

Fontes da Casa Branca afirmam que, apesar do manifesto interesse mútuo entre os dois países de ampliar laços —motivados por identificação ideológica —, há um ceticismo no lado americano. Em outros momentos, Washington chegou a acreditar numa relação especial com o Brasil, mas, por diversos motivos, isso não prosperou. Assim, a visita de Bolton terá um caráter exploratório e pode definir o futuro do relacionamento bilateral.

Embora o Brasil seja uma grande economia e a segunda maior democracia do continente, os EUA nunca tiveram com o país uma relação especial. O Brasil está longe de ser prioridade em Washington, mas fontes oficiais admitem que, pelo posicionamento ideológico, pela crise da Venezuela e pela guinada à esquerda do México como novo presidente, o Brasil pode ter uma importância maior. Comercialmente, Bolsonaro indicou querer os EUA como parceiros prioritários. Hoje, a superpotência absorve 15% das exportações brasileiras, enquanto o comércio com o Brasil não chega a 2% do seu total. Os EUA querem um acordo de livre comércio bilateral, mas hoje o Brasil negocia como parte do Mercosul.

— Três fatores dificultam a ampliação do comércio: o Brasil é muito fechado; Brasil e EUA têm perfis semelhantes, ou seja, exportam produtos agrícolas para terceiros mercados;e há desconfiança, os EUA são o país mais demandado pelos brasileiros na Organização Mundial de Comércio — explicou o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue.

Já a Venezuela tende a unir os dois países. Embora a equipe de Bolsonaro e Washington descartem por ora uma ação militar, cresce o entendimento de que podem ser adotadas novas sanções internacionais contra Caracas. Venezuela, Nicarágua e Cuba estão no alvo de Bolsonaro e de Bolton, que chamou o grupo de países de “troica da tirania”.

Opinião do Globo - Protocolo

A passagem do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito, por Washington, em que deu declarações de alinhamento automático à diplomacia do presidente Trump no Oriente Médio, reforçou a necessidade de alguns cuidados a partir de 1º de janeiro.

O presidente eleito já fez o mesmo, quando defendeu a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, com implicações negativas para o comércio com países árabes.

O importante é sempre haver um aconselhamento de especialistas do Itamaraty e da área econômica. E a consciência de que filho de presidente, que não é autoridade, precisa se autodisciplinar.