O globo, n. 31160, 29/11/2018. Sociedade, p. 26

 

Bolsonaro diz que pediu cancelamento da COP-25 no Brasil em 2019

André de Souza

Eduardo Bresciani

Mateus Coutinho

Renato Grandelle

29/11/2018

 

 

Ao comentar a decisão sobre a Conferência do Clima, presidente eleito citou perda de soberania por causa do ‘Triplo A’

O presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou ontem que pediu para que o Brasil não sediasse a Conferência do Clima da ONU em 2019, a COP-25. Bolsonaro declarou que participou da decisão segundos após o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, dizer que o governo eleito não tinha “nada a ver” com a retirada da candidatura, atribuindo a medida ao Itamaraty.

— Houve participação minha nessa decisão. Ao nosso futuro ministro (Ernesto Araújo, das Relações Exteriores) eu recomendei que evitasse a realização desse evento aqui no Brasil. Até porque está em jogo o Triplo A nesse acordo. O que é o Triplo A? É uma grande faixa que pega do Andes, a Amazônia e Atlântico, de 136 milhões de hectares, que poderá fazer com que percamos a nossa soberania nessa área —advertiu.

O presidente eleito deu a entender que o projeto poderia levar à retirada brasileira do Acordo de Paris, tratado que tem como objetivo reduzir a emissão de gases do efeito estufa:

—Se isso (o Triplo A) for um contrapeso, nós teremos uma posição que pode contrariar muita gente, mas que vai estar de acordo com o pensamento nacional. Então não quero anunciar uma possível ruptura dentro do Brasil, além dos custos que seriam, no meu entender, bastante exagerados.

Idealizado pela fundação colombiana Gaia Amazonas, o Triplo A seria um corredor ecológico ligando AndesAmazônia-Atlântico, que abrangeria mais de 300 áreas protegidas e mil territórios indígenas. Um de seus promotores, o antropólogo Martin von Hildebrand apresentou o plano em 2015 ao então presidente colombiano, Juan Manuel Santos, que, segundo ele, teria se interessado pela iniciativa. O projeto, no entanto, não deslanchou.

Em dezembro daquele ano, Bolsonaro usou sua conta no Twitter para definir o Triplo A como uma “ameaça à soberania brasileira na Amazônia”, acrescentando um link para um texto que informava que “sob o pretexto de ‘deter as mudanças climáticas’, escondem-se interesses na mais rica região do mundo”.

Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Thelma Krug se surpreendeu com as ressalvas apresentadas pelo presidente eleito:

—O Triplo A nunca foi discutido no Acordo de Paris. A soberania brasileira não está em questão — assegurou. — Sair do tratado é a pior coisa que poderia acontecer ao país, pois significa que não estamos reconhecendo um esforço global contra as mudanças climáticas. Somos uma liderança internacional neste tema, não podemos correr o risco de retrocesso.

Para Thelma, o novo governo prefere esconder as motivações que o levam a negar o aquecimento global:

— A visão de agora é a mesma de 30 anos atrás, quando se acreditava que os recursos naturais seriam um empecilho para o crescimento do país.

Ontem, Bolsonaro assegurou que é favorável à proteção ambiental, mas destacou que as políticas do setor não podem atrapalhar o desenvolvimento do Brasil. Segundo o presidente eleito, o titular do Ministério do Meio Ambiente será anunciado na semana que vem. Entre os possíveis nomes cotados estão Xico Graziano, Ricardo Soavinski e Ricardo Salles.