O globo, n. 31159, 28/11/2018. Mundo, p. 24

 

Embaixada vai para Jerusalém

Henrique Gomes Batista

28/11/2018

 

 

País pode apoiar políticas contra Irã para tentar evitar retaliação árabe, diz filho do presidente eleito

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito, JairBol sonar o, confirmou ontem em Washington que a embaixada brasileira em Israel será transferida de Tel Aviv para Jerusalém. O tema é controverso e foi objeto de idas e vindas de JairBol sonar o antese depois das eleições. A decisão contraria resoluções da ONU segundo as quais o status final da cidade deve ser decidido em negociações com os palestinos.

—A questão não é perguntar se vai, a questão é perguntar quando será—afirmouEduardo Bolsonaro sobre o assunto.

O deputado se encontrou pela manhã com Jared Kushner, conselheiro-sênior da Casa Branca e genro do presidente Donald Trump. O assunto foi tratado na reunião. Os EUA mudaram sua embaixada para Jerusalém em maio, numa decisão que despertou críticas internacionais e que até agora fora seguida apenas pela Guatemala. Os demais países com representação diplomática em Israel mantêm suas missões em Tel Aviv.

Boné de apoio a Trump

Eduardo Bolsonaro —que no fim de um evento sobre economia recebeu de dois brasileiros um boné de Trump com o lema “Faça a América grande de novo” e o colocou —minimizou eventuais retaliações dos países árabes à transferência da embaixada. Disse que, se isso ocorrer, as empresas vão precisar se adaptar. Os países árabes estão entre os maiores clientes do agronegócio brasileiro. Até setembro, o Brasil exportou US$ 13,4 bilhões para o bloco em 2018, com um superávit de US$ 2,98 bilhões.

Ao comentar as possíveis consequências da transferência da embaixada, o deputado também mencionou a disputa entre o Irã, país persa de maioria xiita, e países árabes em que a maioria da população pertence à vertente sunita do Islã, em especial a Arábia Saudita, forte aliada de Washington.

—Olha, todo mundo conhece Jair Bolsonar o, ele falou bastante isso( a transferência) na campanha. Se isso pode interferir alguma coisa no comércio, agente tem que ter alguma maneira de tentar suprir caso venha a ocorrer esse tipo de retaliação. E eu acredito que a política no Oriente Médio já mudou bastante também. A maioria ali é sunita. E eles veem com grande perigo o Irã. Quem sabe apoiando políticas para frear o Irã, que quer dominar aquela região, agente não consiga um apoio desses países árabes —especulou.

Na declaração sobre o Irã, Eduardo Bolsonaro de novo seguiu alinha preconizada pela Casa Branca deTrump, que busca isolar o país persa, numa política que tem apoio de sauditas e israelenses. Em maio, Washington deixou o acordo nuclear com Teerã assinado por Barack Obama em 2015, apesar das críticas dos outros signatários — França, Alemanha, Reino Unido, Rússia e China. Com isso, retomou as sanções econômicas ao país.

O deputado, representando o futuro governo do pai em reuniões com autoridades americanas, também afirmou não ter havido problemas com o Egito, que cancelou no início do mês a visita oficial que o atual chanceler, Aloysio Nunes, faria ao país. Um grupo de 20 empresários brasileiros já estava no Egito para um fórum de investimentos, que foi adiado.

A informação divulgada oficialmente foi de que o cancelamento ocorreu devido a problemas de agenda das autoridades egípcias, mas ele foi interpretado como uma represália a declarações de Bolsonaro indicando que a embaixada seria transferida para Jerusalém. O setor oriental (árabe) da cidade, ocupado pelos israelenses na Guerra dos Seis, em 1967, é reivindicado pelos palestinos como capital de um futuro Estado independente.

—Quem não foi para o Egito foi só o chanceler Aloysio Nunes. Todo o corpo empresarial que estava previsto para ir para o Egito foi, inclusive apedido das autoridades egípcias. Então, eu não vejo crise nenhuma — alegou o deputado. — Tanto que não cancelaram o evento, apenas adiaram a ida do chanceler (brasileiro) para o próximo ano, o que é até natural, já que o Aloysio Nunes está de saída. Então, o embaixador Ernesto Araújo, que será o próximo chanceler, provavelmente irá ao Egito e com certeza fará bons negócios lá.

O deputado ainda afirmou que discutiu a situação humanitária da Venezuela com Jared Kushner e ambos os governos creem ser necessária uma integração maior na ação dos dois países. Segundo ele, a região deve atuar em conjunto para ajudar os venezuelanos.

Cuba e Venezuela

Na véspera, no seu primeiro dia em Washington, o deputado afirmou que estuda parcerias como sEU Apara pesquisar crimes financeiros das “ditaduras venezuelana e cubana” e falou em “congelar” ativos venezuelanos e cubanos. Citou como um dos instrumentos possíveis para essa ação a Convenção de Palermo contra o crime organizado transnacional. Eduardo Bolsonaro disse que, no Brasil, a ação poderia ser coordenada pelo Itamaraty e o Ministério da Justiça, que será comandado por Sergio Moro no futuro governo.

Ontem, questionado pelo GLOBO se seria possível para o Brasil congelar ativos venezuelanos e cubanos, o Itamaraty informou que o Brasil adota medidas do tipo quando implementa resoluções da ONU eque atualmente não há sanções da ONU contra países da América Latina.

“O principal parâmetro para o congelamento de ativos de autoridade sou grupo sé a aprovação no Comitê de Sanções do Conselho de Segurança. O Itamaraty acompanha o assunto e participa das deliberações quando é membro não permanente. Atualmente, não existe regime de sanções da ONU direcionado a qualquer país na América Latina”, afirmou o ministério.

No caso do congelamento de bens de venezuelanos ou cubanos no Brasil, isso seria possível mediante decisão judicial, segundo o Itamaraty.

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Embaixadores teriam de cumprir metas comerciais

28/11/2018

 

 

Proposta de deputado, segundo relatos sobre palestra dada por ele, é que diplomatas sem resultado positivo poderiam perder o posto

Numa palestra ontem na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro defendeu um nebuloso “programa de metas” dos embaixadores na área comercial. Segundo relatos de presentes — o evento foi fechado à imprensa —, Eduardo Bolsonaro disse que “embaixadores que não trouxerem resultado” perderão seus postos. Para um executivo que estava no local e pediu para não ser identificado, isso demonstra um desconhecimento da diplomacia e das relações comerciais.

A plateia saiu com a sensação que há boas intenções do novo governo, porém não está claro o caminho para obter todos os resultados.

—Vemos uma promessa de renovação muito grande, projetos e expectativas realmente ambiciosas. A questão é: quem fará isso? Como? — disse, sob sigilo, um executivo presente no evento. —Vemos um grupo muito novo, com um Congresso renovado e, ao que parece, um novo Itamaraty. Não havia um diplomata no grupo. Uma mudança assim tão radical pode dar muito certo ou muito errado, mas ficamos céticos sobre a operação dessa mudança.

A promessa de relações fortes com os EUA gerou entusiasmo dos empresários americanos no evento. Mas, para não desagradar a representantes de empresas brasileiras com negócios no país, Eduardo Bolsonaro defendeu que isso não significa automaticamente um afastamento da China. Assim, para o deputado, o Brasil “equilibraria” o jogo, mas isso não significa fechar a porta para investimentos e negócios chineses.

Questionado se terá algum cargo no novo governo, Eduardo Bolsonaro negou. Mas disse que manterá a influência sobre o pai.

— Falarei sempre com ele nos churrascos de família.