O globo, n. 31157, 26/11/2018. País, p. 4
Segurança pública emperrada
Juliana Dal Piva
Igor Mello
26/11/2018
Plataforma de Bolsonaro, ações de combate à violência não são prioridade na Câmara
Um dos principais anseios do brasileiro nos últimos anos e principal plataforma da campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro, a segurança pública não tem recebido um tratamento prioritário da Câmara dos Deputados. Desde 2003, apenas 112 dos 1.834 projetos propostos para lidar com o aumento da violência no país foram aprovados — pouco mais de 6% do total.
O total está abaixo da média geral de propostas bem sucedidas da Câmara, que foi de 21,95%( no período ,10.258 de 46.734 viraram leis). Os dados foram compilados apedido do GLOBO pelo cientista político Fábio Vasconcellos, do recémcriado Projeto Curió.
Durante a campanha, Bolsonaro apresentou uma série de ideias na área da segurança, entre elas a mudança na legislação sobre a legítima defesa de policiais (excludente de ilicitude) e a facilitação do acesso às armas em propriedades rurais. Todas as propostas terão que tramitar na Câmara.
O tema que motivou mais aprovações entre os deputados desde 2003 foi a homologação de acordos internacionais. No período, os parlamentares aprovaram 20 acordos de cooperação jurídica, ações de contro lede aeronaves, combate ao narcotráfico e tráfico de armas e cooperação de segurança pública com países de América Latina, Europa, África, Ásia e Oriente Médio.
Segundo especialistas, os acordos servem apenas como um primeiro passo diplomático para aproximar países, mas de forma meramente protocolar. Um exame mais atento das leis permite perceber que elas possuem textos bastante semelhantes e não preveem ações concretas.
— É uma pactuação de intenções — explica Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé. —O detalhamento e a efetiva implementação exige que prioridades sejam estabelecidas depois. Na questão do tráfico de armas, por exemplo, temos questões fundamentais associadas à marcação, fiscalização de produção, integração de sistemas de dados, além de fluxos de informação entre agências de inteligência e investigação desses países.
Salários e anistia
Os interesses corporativos também aparecem com força na pauta aprovada na segurança pública nos últimos 15 anos. Nesse período, foram dez projetos que atendem diretamente a pleitos de agentes das principais corporações da segurança pública, como delegados e agentes das polícias Federale Civil,praças e oficiais das Polícias Militares, além de policiais rodoviários federais e bombeiros. As propostas vão desde questões remuneratórias até anistias a movimentos grevistas no Corpo de Bombeiros e nas PMs de 19 estados.
Em alguns casos, o impacto fiscal foi relevante. Em 2018, a greve dos caminhoneiros motivou uma medida provisória que concedeu uma indenização temporária para os agentes da PRF, por terem trabalhado durante sua folga. Segundo a Câmara, a despesa prevista com a medida foi de R$ 16,8 milhões.
Segundo Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Legislativo tem dificuldades de produzir algum nível de consenso sobre o combate à violência, embora todos os parlamentares —independentemente de suas posições partidárias ou ideológicas — reconheçam que o atual modelo de segurança pública brasileiro não funciona.
Durante os últimos anos, casos de grande repercussão pública também motivaram mobilizações por mudanças na lei penal. Fábio Vasconcellos, responsável pelo estudo, afirma que o ativismo dos parlamentares acaba criando um gargalo que atrapalha a tramitação das matérias, que precisam seguir os ritos, como passarem pelas comissões temáticas antes de irem para o plenário.
—Toda vez os deputados reagem apresentando muitas propostas de endurecimento de pena, que é uma característica de quem acha que a segurança pública é meramentere ativa. Passou o crime de repercussão nacional, esse debate tende a diminuir —avalia.
As principais medidas estruturantes que tiveram aval da Câmara na última década e meia foram a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, em 2007, e do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), no ano passado. No mesmo período, segundo dados do Ministério da Saúde, o número de mortes violentas no país cresceu 21%, atingindo o recorde negativo de 62.517, enquanto a população carcerária aumentou 150%. A repressão policial também não surtiu efeito: entre 2012 e 2017, as mortes em confronto com a polícia aumentaram 120%, chegando a 5.144 em 2017, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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Moro prepara pacote de medidas para o Legislativo
26/11/2018
Futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, o ex-juiz da Lava-Jato Sergio Moro apresentará ao Congresso, após assumir o cargo, projetos de lei com ações de combate ao crime organizado.
Entre os pontos que deverão ser analisados pelo Legislativo está a proibição da progressão de regime —a passagem de fechado para semiaberto e aberto —a presos que mantêm vínculos com organizações criminosas.
—Isso vai servir como desestímulo ao ingresso desses presos em organizações criminosas —afirmou o futuro ministro durante o Simpósio Nacional de Combate à Corrupção, promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), na última sextafeira, no Rio.
Os discursos recentes de Moro também apontam para mudanças pontuais nas regras de prescrição de crimes no país.
—Passamos a ver como normal um processo penal que termina em nulidade ou prescrição. Algumas alterações específicas podem fazer uma grande diferença —justificou.
Outra medida a ser incluída em projeto de lei seria uma maior regulação na comunicação dos presos de dentro de penitenciárias.
O futuro ministro tem defendido em agendas públicas que o foco de sua gestão no ministério da Justiça e Segurança Pública será “uma agenda anticorrupção, anticrime organizado e anticrimes violentos com medidas no Legislativo e medidas executivas a serem apresentadas em fevereiro”.
Sergio Moro também promete articular o controle mais rigoroso de fronteiras para inibir o tráfico de drogas e a entrada de armas no país.