O globo, n. 31157, 26/11/2018. País, p. 6

 

Bolsonaro veta plano de certificar médicos

Igor Mello

Catarina Alencastro

26/11/2018

 

 

Proposta do futuro ministro da Saúde de criar exame como o da OAB para atuação de médicos foi vetada pelo presidente eleito; após rejeição, Mandetta muda o tom e fala em monitorar o desenvolvimento de profissionais

O presidente eleito Jair Bolsonaro rejeitou a proposta de criar uma espécie de Revalida para médicos formados no Brasil. A ideia veio de seu futuro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), em entrevista ao GLOBO neste domingo.

Segundo Bolsonaro, a proposta de Mandetta pode ter consequências parecidas com as do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): a prova obrigatória para que bacharéis em Direito possam atuar como advogados tem índices altos de reprovação.

—Sou contra Revalida para médicos brasileiros, está ok? Ele (Mandetta) está sugerindo um Revalida até com uma certa periodicidade. Sou contra porque vai desaguar na mesma situação que acontece com a OAB. Nós não podemos formar jovens no Brasil, cinco anos no caso da advocacia, e depois submetêlos a serem boys de luxo nos escritórios de advocacia — disse o presidente eleito.

Em entrevista ao GLOBO, Mandetta defendeu a avaliação de médicos brasileiros e disse que o governo deveria encaminhar uma proposta ao Congresso sobre o tema

—Dizem:“Mas a OAB faz isso para reserva de mercado, porque forma 1 milhão de advogados e só dá para 10%“.Precisa haver no Congresso esse debate. A gente tem que ir para a certificação das faculdades e ter um nível mínimo de formação dos nossos profissionais. Se o médico brasileiro é formado nos EUA, na Bolívia, na Argentina ou na Coreia do Sul, ele faz a mesma prova. Eu não tenho por que cobrar conhecimento diferente do médico brasileiro e do de fora — declarou o futuro ministro.

Ontem, após a declaração de Bolsonaro rejeitando a ideia, Mandetta mudou o tom. Ao jornal “Estado de S. Paulo”, afirmou que realmente seria “absurdo” fazer uma prova de admissão para os profissionais da saúde nos mesmos moldes do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) — ainda que o próprio Mandetta tenha citado a entidade em sua fala.

Embora tenha dito que não é favorável a um exame de certificação para recém formados, o futuro ministro citou entre as propostas um texto que está no Senado com exame de proficiência obrigatório.

— O tempo de vida útil de um profissional é 41 anos. Nesses 41 anos, a única coisa que ele fez foi a inscrição no conselho quando tinha 25 anos, não precisa mais nada ao longo desses anos. Precisa ter monitoramento de como estão se desenvolvendo, como estão especializando— disse Mandetta ontem.

Ao GLOBO no domingo, Mandetta afirmou que o Brasil quer “mais médicos qualificados”. Ele apontou que há cinco anos havia 148 faculdades de medicina no país e no ano retrasado o número havia saltado para 323. O deputado citou que nos EUA, no Canadá e na Europa os profissionais de medicina passam por algum tipo de certificação, o que, na opinião dele, deveria ser replicado no Brasil.

— No Brasil não existe nada. Vale o seguinte: “Toma o diploma e vá ao mundo. Pode abrir cabeça, operar coração”. Temos hoje um dos modelos de fiscalização do exercício profissional mais frágeis do mundo —completou.

Novos ministros

A OAB reagiu ao comentário de Bolsonaro, e, em nota, disse que o exame da Ordem é um importante meio para medir a qualidade do ensino do direito e que é uma prática comum em vários países. Para a OAB esta é uma forma de garantir o “o resguardo de direitos fundamentais”.

A Ordem aproveitou para cobrar que o novo governo se comprometa “contra o uso político do MEC (Ministério da Educação), que tem patrocinado ao longo dos anos um verdadeiro estelionato educacional ao autorizar o funcionamento de faculdades de direito sem qualificação”.

Ontem, Bolsonaro ainda projetou anunciar todo o ministério do futuro governo nos próximos dias. Nomes para pastas importantes, como as da área de infraestrutura, ainda não foram anunciados.

— Os nomes que aparecem têm que estudar. Espero até o final do mês estar resolvida essa questão dos ministérios —disse.

Bolsonaro também mandou recado para o Congresso ao abordar votações importantes de sua futura gestão.

— As votações importantes não são para o presidente, nem para o Parlamento. São para o Brasil. Vai da consciência de cada um. O que nós decidimos desde que comecei minha campanha, há quatro anos, é que faria uma política diferente. Se vai dar certo, espero que sim. Mas fazer a mesma política vai dar errado —disse.

O presidente comentou o adiamento da cirurgia que retirará a bolsa de colostomia usada por ele desde que sofreu um atentado a faca durante um ato de campanha em Juiz de Fora, em setembro. O procedimento só deve ocorrer no dia 20 de janeiro.

— Estou chateado, mas não posso forçar a barra. Se fizer a cirurgia hoje poderia ter que refazer a colostomia.