Título: Transparência meia boca
Autor: D'angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 29/06/2012, Política, p. 2

O sistema de divulgação de salários dos servidores federais do Executivo é cheio de falhas e não oferece um panorama geral das remunerações pagas pelo governo ao funcionalismo. Desde ontem, os valores estão disponíveis no Portal da Transparência, da Controladoria-Geral da União (CGU), em atendimento à Lei de Acesso à Informação. A pesquisa está basicamente centrada no nome do servidor e, por isso, é preciso saber a identidade completa de cada um. Para chegar até os montantes recebidos, são vários módulos e páginas de informação, o que torna a pesquisa demorada, dificultando a comparação e limita o levantamento a fulano ou beltrano.

A opção de consulta por órgão ou por função que está disponível também não leva a informações globais, mas remete de novo a nomes específicos e a pesquisa de um por um. "Essa forma de divulgação está servindo mais para satisfazer a curiosidade alheia sobre esse ou aquele servidor e muito pouco para análise e crítica do perfil da folha de pessoal", criticou um técnico do governo. Ele destacou que não há opções de pesquisa que permitam obter a informação de dados agregados, organizados todos numa tabela. "É um trabalho de garimpo", resumiu.

O Executivo está informando a remuneração cheia — o vencimento básico somado às vantagens pessoais (que os mais antigos de algumas carreiras mantêm) e às gratificações pelos cargos de chefia. Da forma que a consulta está disponível no Portal da Transparência, não dá para quantificar quantos e quais cargos e funções estão em cada faixa salarial.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, também considerou o sistema de divulgação insuficiente para saber o mais importante: quantos ganham quanto. Ele destaca ainda a necessidade da publicação de forma separada das parcelas que compõem cada remuneração, até para facilitar a identificação das distorções salariais entre as carreiras e funções. "Ou o governo abre para valer as informações para atender à finalidade de conhecer o perfil da folha de pessoal, ou será falsa a colocação de transparência", observou.

O Ministério do Planejamento afirmou que "a divulgação dos salários teve o objetivo de estabelecer transparência quanto aos valores de remuneração dos servidores e não necessariamente oferecer parâmetros de comparação entre as formas remuneratórias". O ministério deu a seguinte orientação a quem quiser mais informações: "Pode reunir as informações salariais e os dados cadastrais dos servidores disponíveis no Portal da Transparência e consultar a Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos no Portal do Servidor (www.servidor.gov.br )".

Já CGU informou que está trabalhando para "disponibilizar as informações, em formato que permita baixar os dados e trabalhar com eles, organizando da forma que se quiser, inclusive, pelo valor de cada remuneração". O órgão acrescentou que agregará novas possibilidades de consulta brevemente.

Jetons O Executivo está informando somente os jetons recebidos por autoridades e servidores pela participação em conselhos de empresas em que a União detém o controle, ficando de fora aqueles pagos pelas empresas privadas em que o governo federal tem menos de 50% do capital. Com isso, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, aparece com remuneração total bruta de R$ 43,2 mil — R$ 26,7 mil de salário mais R$ 16,4 mil de dois jetons pagos pela Petrobras e pela BR Distribuidora. Já seu colega, Celso Amorim, da Defesa, recebe, oficialmente, apenas R$ 26,7 mil (R$ 19,9 mil líquidos). O jeton que ele embolsa da hidrelétrica Furnas, de R$ 20 mil, não é informado.

O mesmo ocorre com o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Luis Inácio Adams, que tem salário total divulgado de R$ 26,7 mil e não os mais de R$ 40 mil, com os dois extras pela participação no Conselho Administrativo da Brasilprev e da BrasilCap, das quais o Banco do Brasil é acionista. O secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Marcus Pereira Aucélio, que embolsa mais de R$ 50 mil por mês graças a três jetons, também aparece na lista com salário de R$ 23,7 mil, menor que o do seu colega, Paulo Valle, que tem remuneração total de R$ 38,1 mil, com os extras da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES). Os jetons ficam de fora do teto constitucional. A CGU garantiu que todos os valores serão disponibilizados, pois ainda estão sendo enviados ao órgão.

As principais falhas » Para descobrir quanto ganha os servidores, é preciso saber o nome completo de cada um. Fora isso, é trabalho de formiguinha, para identificar um em meio a tantos com partes do nome iguais. O sistema nem sequer permite a pesquisa informando apenas o prenome e último sobrenome, como normalmente o servidor é conhecido, quando o nome é maior

» Por enquanto, o sistema só informa os jetons recebidos por autoridades e servidores de empresas controladas pela União. Aqueles de empresas privadas em que a União detém até 49% do capital não são divulgados

» O Portal da Transparência também não informa os vencimentos dos órgãos de origem dos servidores cedidos ao Executivo

» A remuneração informada não é desagregada, conforme as rubricas que a integram. Vantagens pessoais e retribuição pelo cargo comissionado estão somadas na remuneração total

» Para chegar à remuneração do servidor, é preciso clicar em vários módulos de informação (a remuneração não está com suas informações funcionais)

» Por enquanto, não há informação sobre outras verbas indenizatórias, como o auxílio-moradia. O governo promete divulgá-las a partir de agosto