O Estado de São Paulo, n. 45676, 07/11/2018. Política, p. A6

 

A mitologia de Moro

Vera Magalhães

07/11/2018

 

 

Ao justificar sua saída da magistratura para assumir o Ministério da Justiça como uma maneira de evitar que se repita com a Lava Jato o que ocorreu com a Operação Mãos Limpas, da Itália, Sérgio Moro mostra apuro em técnica de roteiro e fecha o seu “arco narrativo” com maestria e coerência.

A congênere italiana da Lava Jato sempre foi uma obsessão de Moro, que a estudou com afinco e usou seus passos para nortear os da investigação brasileira e até se antecipar a tentativas do sistema político de se recompor diante da avalanche de investigações.

O risco de que as conquistas se perdessem também sempre esteve presente nas declarações de Moro. Evocar o exemplo da Mãos Limpas, portanto, confere o caráter de “jornada do herói” ao movimento – que foi visto por muitos como uma mundana concessão de Moro à política.

A mesma preocupação em manter o nexo narrativo aparece na estudada preocupação de Moro de pontuar uma a uma suas diferenças em relação a Jair Bolsonaro: respeito e reconhecimento à importância da imprensa, defesa de ações não letais da polícia e a declaração de que há que se governar para maiorias e minorias foram exemplos claros deste recurso.

Assim, o futuro ministro demonstra que vai se esforçar para manter acesa sua própria mitologia, que corre em trilho paralelo ao do futuro chefe. Se ambas serão conciliáveis ao longo e quatro longos anos, e se o epílogo da epopeia de Moro será a política ou o STF, ainda é cedo para dizer.

 

PGR

Hostilidade de Bolsonaro a Raquel Dodge deflagra sucessão

A hostilidade de Jair Bolsonaro em relação a Raquel Dodge, que ficou patente na solenidade dos 30 anos da Constituição, nesta terçafeira, deflagrou a bolsa de apostas da sucessão na Procuradoria-Geral da República, em 2019. No MPF, a polarização entre petistas e antipetistas foi exacerbada na campanha, com muitos procuradores mandando às favas o pudor institucional e fazendo campanha aberta. Como não existe exigência constitucional de que para o comando do órgão seja escolhido um subprocurador (só a praxe), há apostas de que Bolsonaro pode ousar e indicar um procurador como Aílton Benedito, de Goiás, defensor das pautas conservadoras, próximo ao grupo do presidente e atuante nas redes sociais. Na mesma linha, é citado o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, pela proximidade com Sérgio Moro. Entre os procuradores, aliás, a dúvida é sobre se o futuro ministro da Justiça defenderá que Bolsonaro acolha a lista tríplice da categoria.

 

SÃO PAULO

Doria pode ter mais ministros de Temer em seu secretariado

João Doria Jr. conversa com pelo menos mais dois auxiliares de Michel Temer para integrar seu secretariado no governo de São Paulo. Além de Eduardo Guardia, cujas conversas já estão em andamento, é cotado para a pasta da Habitação o atual ministro das Cidades, Alexandre Baldy, do PP. Baldy é muito próximo de Doria e conta com bom trânsito também com seu vice, Rodrigo Garcia e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ambos do DEM. Os próximos nomes do primeiro escalão paulista devem ser anunciados nesta quinta-feira.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Bolsonaro ouve 'recados' de PGR e STF

07/11/2018

 

 

 Recorte capturado

A procuradora-geral, Raquel Dodge, e o ministro Dias Toffoli cobraram o cumprimento da Carta; presidente eleito diz que ela é único ‘norte’

Em seu primeiro compromisso em Brasília como presidente eleito, Jair Bolsonaro ouviu discursos em defesa da democracia, das instituições e viu o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, segurar a Constituição e cobrá-lo: “Vossa Excelência estava exatamente com esta Constituição à mão e celebrando que, uma vez eleito, iria cumprir, como vai cumprir, a Constituição e as leis do Brasil”.

Pouco antes, a procuradorageral da República, Raquel Dodge, em seu discurso, frisou que “não basta reverenciar” a Constituição “em atitude contemplativa, mas é preciso cumpri-la”.

Bolsonaro participou de sessão solene no Congresso para comemorar os 30 anos da Constituição ao lado dos presidentes dos três Poderes. Sentado à ponta da mesa do plenário, o presidente eleito fez um rápido pronunciamento às autoridades e parlamentares. Disse que a Constituição é “o único norte”.

“Na topografia, existem três nortes, o da quadrícula, o verdadeiro e o magnético. Na democracia há só um norte, é o da nossa Constituição”, afirmou.

Também estavam à mesa os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), além de Michel Temer e do ex-presidente José Sarney (MDB). Na lista dos convidados havia cerca de mil pessoas, mas o plenário não ficou lotado – correligionários de Bolsonaro estavam em peso no local .

O discurso da procuradorageral, Raquel Dodge, pontuou direitos fundamentais previstos na Carta Magna e trouxe referências a temas sobre os quais Bolsonaro já fez declarações polêmicas. Ela enfatizou a defesa dos direitos humanos, das minorias e do meio ambiente, previstos na Constituição, reputando-os como objetivos fundamentais da República. Bolsonaro já relativizou esses temas em diversas declarações ao longo de anos na Câmara dos Deputados e durante a campanha presidencial.

A procuradora-geral também frisou a pluralidade étnica e mencionou os povos nativos. “O Ministério Público é o defensor da sociedade, do interesse público, combate o crime e defende direitos fundamentais”, afirmou Raquel Dodge.

Em seu discurso, ela assinalou ainda a necessidade de liberdade de imprensa e de cátedra. “Muito se avançou desde a Constituição de 1988 e, por isso, é importante celebrá-la, para que se mantenha viva, aderente aos fatos, fazendo justiça e correspondendo à vida real da Nação. Para tanto é preciso guardá-la. Não basta reverenciá-la, em uma atitude contemplativa: é preciso cumpri-la, à luz da crença de que os países que custodiaram escrupulosamente suas Constituições identificam-se como aqueles à frente do processo civilizador”, disse a procuradora-geral.

Nas últimas semanas, os coordenadores de alguns órgãos do Ministério Público Federal da área de direitos humanos e das áreas criminal e prisional têm criticado e apontado dificuldade legal de implementação de algumas propostas de Bolsonaro, como a redução da maioridade penal, o fim da progressão de pena e a instituição do excludente de ilicitude (que poupa de investigação policiais que alegarem legítima defesa ao matar alguém).

União. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, defendeu o cumprimento da Constituição e a liberdade de atuação do Judiciário. Repetiu também a necessidade de união entre os três Poderes. Afirmou que, apesar de “momentos turbulentos” no País nos últimos anos, como operações a exemplo da Lava Jato, impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “todos os impasses foram resolvidos de maneira institucional, democrática, com respeito à Constituição e às leis”.

Para Michel Temer, que também falou no evento, a Constituição de 1988 trouxe “inegáveis avanços” à democracia brasileira. O presidente destacou que “não há caminho” fora dela.

Cerca de uma hora antes do início da sessão, o presidente do Senado liberou a entrada de jornalistas no plenário do Congresso, que na véspera havia sido vetada por questão de segurança pela equipe de Jair Bolsonaro.

 

Constituição

“Muito se avançou desde a Constituição de 1988 (...). É preciso guardá-la. Não basta reverenciá-la, em uma atitude contemplativa, é preciso cumpri-la.”

Raquel Dodge​, PROCURADORA-GERAL

 

“Vossa Excelência estava com esta Constituição à mão e celebrando que, uma vez eleito, iria cumprir, como vai cumprir, a Constituição e as leis do Brasil.”

Dias Toffoli​, PRESIDENTE DO STF