Título: Em dia de discursos, líderes criticam texto
Autor: Sarapu, Paula; Mascarenhas, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 22/06/2012, Brasil, p. 8

Rio de Janeiro — Enquanto as críticas ao documento elaborado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável — Rio+20 continuam a se multiplicar nos discursos de chefes de Estado no Riocentro, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, toma o caminho inverso. Ontem, ele voltou atrás e elogiou a versão final, um dia depois de afirmar que esperava um texto mais ambicioso. O recuo do secretário-geral, porém, não apaziguou as insatisfações. O presidente de Cuba, Raúl Castro, engrossou o clube dos inconformados e disse em seu discurso que os "negociantes falharam". A ONU já anunciou que não haverá alteração em nenhum dos 287 parágrafos acordados pelos representantes das 193 nações.

"Esse é um documento que contém medidas para o desenvolvimento sustentável muito amplas, ambiciosas e práticas. O texto é um grande sucesso. Uns podem ter visões diferentes, mas estamos muito agradecidos pela liderança da presidente Dilma Rousseff e sua equipe, que levou essas negociações a tamanho sucesso", analisou, aproveitando para fazer um agrado à delegação brasileira, que não tinha gostado das palavras de Ki-moon na véspera. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, também saiu em defesa do texto: "O documento não atende as ambições do Brasil nem a de todos que estão nesta sala, mas tenham certeza de que é o melhor a que podemos chegar".

Outros chefes de Estado voltaram a se pronunciar contrariamente ao que foi acordado. Depois do presidente da França, François Hollande, e do cubano Raúl Castro, José Pepe Mujica, do Uruguai, Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador, também criticaram o documento. Castro fez até referência ao discurso de seu irmão, Fidel Castro, na Eco-92, para expor seu desagrado. "Não tínhamos a opção de falhar, mas falhamos. Há 20 anos, o líder da revolução cubana, Fidel Castro, disse que uma espécie importante estava em risco de desaparecer por causa do desaparecimento de seu habitat, que é o homem. O que poderia ser considerado alarmista, constitui uma realidade irrefutável", defendeu.

O contra-ataque da delegação brasileira, que presidiu a conferência e ficou responsável pela mediação dos impasses, partiu do embaixador André Corrêa do Lago: "Não faz sentido um chefe de Estado reclamar. Todos participaram das negociações. O que deve haver é uma dimensão de entendimento de que há uma decisão global e outra que diz respeito a como cada país vai fazer individualmente".

Direito reprodutivo Embora não tenha discursado no plenário ontem, a presidente Dilma Rousseff participou da Cúpula de Mulheres Chefes de Estado. A presidente não citou o episódio que incomodou os negociadores do Brasil: a retirada do termo "direito reprodutivo" das mulheres do documento, que diz respeito à autonomia para se decidir o número de filhos. O próprio ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, havia admitido que a supressão do termo — pedida pelo Vaticano — o frustrou. Mas, na ONU Mulheres, Dilma foi aplaudida ao dizer que o Brasil investia para "superar dificuldades de acesso aos serviços de saúde", com pleno exercício desses direitos.

Ativistas na plateia levantaram-se com faixas como "Rio+20 traiu as mulheres". A secretária-geral e diretora executiva da ONU Mulheres, Michelle Bachelet, foi incisiva ao tratar do tema: "O documento deveria assegurar todos os direitos da mulher. Somos completinhas. Não dá para dividir a mulher por partes", afirmou a ex-presidente do Chile, ao fim da solenidade.

Investimentos O ministro da Economia, Guido Mantega, compareceu ontem ao Riocentro e afirmou que há disposição dos governos em investir mais na preservação do meio ambiente, apesar da criação de um fundo para financiar o desenvolvimento sustentável ter sido um dos principais impasses e não ter sido contemplado no texto final. Durante seminário de ministros de Finanças do G-20 e países convidados sobre economia verde, Mantega defendeu que os países deixem para trás formas atrasadas de crescimento, que depredam o meio ambiente, visando a lucratividade a curto prazo. Mais tarde, o ministro anunciou uma série de acordos firmados com a China.

Denúncia de agressão A estudante de Brasília Indira Barros, 23 anos, acusa a Polícia Militar do Rio de Janeiro de tê-la agredido com um cassetete em uma manifestação de participantes da Rio+20 na última quarta-feira. A passeata reunia movimentos sociais e tinha o objetivo de chamar a atenção de forma teatral às suas pautas. A estudante relata que estava bem à frente na passeata e, quando retornou para procurar as amigas, percebeu que a PM havia soltado bombas de gás lacrimogêneo. Enquanto tentava correr para se proteger, teria apanhado com o cassetete nas costelas. A estudante prestou queixa e, segundo ela, um exame de corpo de delito confirmou a agressão. A Polícia Militar do Rio de Janeiro nega qualquer agressão, e diz que a manifestação foi pacífica.

"O documento não atende as ambições do Brasil nem a de todos que estão nesta sala, mas tenham certeza de que é o melhor a que podemos chegar" Izabella Teixeira, ministra