Título: A maioridade do Real
Autor: Nunes, Vicente; Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 01/07/2012, Economia, p. 14
O Plano Real completa hoje 18 anos, com muitas conquistas, mas desafios enormes pela frente. No mais longevo período de estabilidade econômica desde a redemocratização, o Brasil derrotou a hiperinflação, arrumou as contas públicas, retomou o processo de crescimento — ainda que abaixo de suas necessidades — e reduziu as taxas de juros ao menor nível da história. Com os preços sob controle, o país ostenta o quase pleno emprego, a renda cresce sem parar e uma classe média poderosa passou a ser o motor da atividade. O Brasil ganhou ares de potência, tornou-se um porto seguro para os investimentos e voz ativa nos debates mundiais. O futuro tanto ansiado ficou mais próximo. Mas jovens que mal sabem o que é inflação, como os estudantes Alexandra Magalhães e Micael Venâncio, ambos nascidos em 1º de julho de 1994, quando foi lançado o Real, não se contentam com tamanho avanço. Embora reconheçam que têm uma vida melhor que a de seus pais, deixam claro que o país precisa fazer mais para lhes garantir a realização de todos os sonhos: formarem-se na universidade, ocuparem importante espaço no mercado de trabalho, comprarem a casa própria, darem boa educação aos filhos e, claro, satisfazerem todas as necessidades de consumo e terem uma velhice digna. Ao alcançarem a maioridade hoje, com o Real, Alexandra e Micael se despem de ideologias e cobram ações efetivas para que seus desejos — legítimos — não se transformem em frustrações.
A partir de hoje, o Correio passa a contar as transformações do país nessas quase duas décadas por meio de jovens de diferentes classes sociais que nasceram no mesmo dia do Real. As histórias, todas de sucesso, não escondem, porém, os pés que o Brasil ainda mantém no atraso e o quanto ainda precisa ser feito para que quase 15% da população que vive na miséria possa usufruir dos benefícios da estabilidade. "Para um país no qual, há 18 anos, sequer podíamos fazer as contas, sequer podíamos planejar o dia seguinte, avançamos muito. O controle da inflação é um legado do qual a sociedade jamais aceitará abrir mão. Mas é preciso olhar para frente. O trabalho ainda está no meio do caminho", diz a economista Zeina Latif. O problema é que um horizonte turvo começa a tomar forma no país. Por mais que o diagnóstico do que precisa ser feito seja de conhecimento de todos, o governo de Dilma Rousseff, que deveria liderar as transformações, uma espécie de Plano Real 2, mostra-se arredio. Recorre à medidas de curto prazo, cujos resultados podem até ajudar nas urnas, mas condenam o Brasil à mediocridade, a taxas pífias de crescimento, próximas de 2%, como se viu em 2011 e se verá neste ano. "As fragilidades do Brasil são muitas. O sistema tributário é cruel para o setor produtivo, a infraestrutura deficiente, os custos trabalhistas inviáveis ante a quantidade de pessoas que vão entrar no mercado nos próximos anos e décadas", afirma o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal.
Problemas estruturais
Aos 18 anos, com o país alternando o poder entre tucanos e petistas, o tripé câmbio flutuante, metas de inflação e ajuste fiscal continua firme. Nem as crises do passado nem o terremoto atual vindo da Zona do Euro conseguiram minar os compromissos com a estabilidade. Mas, na avaliação do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, o Brasil, sexta economia do planeta, integrante do time dos emergentes que mudaram a ordem global, deve encarar seus problemas estruturais para enfrentar um mundo cada vez mais competitivo. "A economia brasileira não depende de estímulos ao consumo, mas da retirada dos pesos colocados nas suas costas, como juros, câmbio e impostos. É inútil brigar com os números, por mais desagradáveis que sejam. Problemas estruturais se resolvem com reformas estruturais", resume.
Na visão do economista Eduardo Gianetti da Fonseca, a economia brasileira pós-real ficou mais ágil, aberta e diversificada, mas jamais conseguiu atingir um nível ideal de crescimento. Pior: um dos pilares da atividade, a indústria está à míngua. "Só nos últimos quatro anos o setor perdeu US$ 100 bilhões para competidores do exterior", ilustra. "Precisamos voltar a ter foco em comércio exterior e em produtividade e investir pesado na inovação tecnológica", acrescenta Júlio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Para muitos, tal debate pode parecer conversa de economista empedernido. Mas, na avaliação do executivo de vendas Luiz Antônio Cardoso, 54 anos, é o retrato fiel da revolução vivida pelo Brasil nos últimos 18 anos. A seu ver, seria inconcebível, nos tempos atuais, a população ainda estar discutindo desabastecimento, planos econômicos fracassados, inflação de 80% ao mês, desemprego. Ele e a mulher, Heloísa Helena, 42, trocaram os três carrinhos de alimentos e produtos de limpeza que compravam mensalmente para estocar por idas semanais aos supermercados. A casa, mobiliada de forma espartana nos tempos de desordem econômica, hoje ostenta um certo luxo. Na verdade, o mínimo que se espera em um país mais justo.