O globo, n. 31133, 02/11/2018. País, p. 5

 

Moro será colega de clientes em potencial

Bernardo Mello Franco

02/11/2018

 

 

Ao virar ministro de Jair Bolsonaro, Sergio Moro contraria suas próprias palavras como chefe da Lava-Jato. O juiz repetiu diversas vezes, nos últimos anos, que nunca aceitaria entrar na política.

“Não existe jamais esse risco”, ele garantiu ao jornal “O Estado de S. Paulo”, em 2016. “Não seria apropriado da minha parte postular qualquer espécie de cargo político, porque isso poderia, vamos dizer assim, colocar em dúvida a integridade do trabalho que eu fiz até o presente momento ”, reforçouàrev ista“Veja ”, em 2017.

O cargo de ministro da Justiça é político por natureza. Por lá passaram raposas como Nelson Jobim e Renan Calheiros. A pasta também projetou futuros presidentes, como Epitácio Pessoa e Tancredo Neves. Na equipe de Bolsonaro, Moro já é cotado como opção para 2022.

Fãs incondicionais do juiz aplaudiram a mudança de emprego. Não foi uma reação unânime. José Carlos Dias, ministro de FH, considerou a troca “lamentável”. “Mostra um partidarismo, uma posição política que é absolutamente contrária à índole do magistrado”, disse.

Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF, foi além. “Esse tipo demudança de camisa, tão rapidamente, projeta no inconsciente coletivo (...) uma imagem pouco favorável dos membros do Poder Judiciário”, afirmou.

Na nova função, Moro será colega de políticos com o mesmo perfil de sua clientela em Curitiba. O juiz já disse que a prática de caixa dois é pior que a corrupção. Agora se sentará ao lado de Onyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido R$ 100 mil “por fora” da JBS. Ontem o futuro chefe da Casa Civil estava eufórico com o “sim” do juiz.

O presidente eleito também festejou, e com razão. Símbolo dos feitos da Lava-Jato, Moro emprestará prestígio e popularidade ao chefe. Nu maces sode sinceridade, Bolsonaro reconheceu que a atuação do juiz o“ajud ou acrescerpo liticamente ”. Impossível discordar.

A médio prazo, a escolha embute alguns riscos. O que acontecerá se a PF prender aliados importantes do novo governo? O ex-prefeito Cesar Maia lembra outro detalhe que pode virar problema. Ao convidar Moro, o capitão ignorou uma máxima de políticos mais experientes: “Nunca nomeie quem você não pode demitir”.

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Pacote anticorrupção servirá de base a ministro

Thiago Herdy

02/11/2018

 

 

Propostas reunidas pela Transparência Internacional defendem maior rapidez na análise de recursos judiciais, melhorias nos mecanismos de recuperação de valores desviados e incentivos à colaboração em empresas

O pacote com 70 propostas legislativas para o combate à corrupção apresentado por duas centenas de especialistas liderados pela Transparência Internacional (TI), Fundação Getulio Vargas e organizações da sociedade civil é o principal ponto departida e base da futura gestão do juiz Sergio Moro à frente do superministério da Justiça e Segurança Pública.

A edição estendi dado documento—que traz minutas de projetos de lei para cada um dos temas, divididos em 12 eixos — foi, inclusive, a leitura do juiz durante o voo entre Curitiba e Rio, ontem.

Diversos procuradores da Lava-Jato participaram da construção da proposta. Um ponto central do pacote, já chancelado por Moro no passado, é a necessidade de mudanças no sistema judicial para reduzir a impunidade em crimes de colarinho branco.

Uma das medidas propõe o aperfeiçoamento da prescrição penal e o fim da necessidade de se aguardar até a sentença judicial para a pena poder ser aplicada ou não.

Atualmente, a prática é percebida como verdadeira “aberração” do sistema penal brasileiro, causadora de desperdício de recursos e da energia do Judiciário.

Imprimir maior celeridade ao sistema de recursos judiciais, sem eliminar garantias processuais e o direito à ampla defesa, também é tratada como prioritária dentro do pacote.

Do ponto de vista dos integrantes da Lava-Jato e especialistas consultados pelo projeto, há espaço para avanço também no que diz respeito à recuperação de valores de crime, medidas de transparência pública, criminalização do caixa 2, ficha limpa para servidores públicos, incentivo ao compliance nas empresas e proteção do delator.

Na condição de ministro, Moro não será o único agente a propor as mudanças, que dependem em grande parte do Congresso Nacional. No entanto, sua posição no governo é entendida como privilegiada para um papel de articulação das mudanças.

Estarão diretamente sob sua influência órgãos importantes de combate à corrupção, como Polícia Federal e o próprio Conselho de Atividades Financeiras (Coaf ), responsável por verificar movimentações financeiras atípicas.

Durante a Lava-Jato, por diversas vezes Moro registrou o descontentamento com o fato de que muitas das transações ilegais detectadas no âmbito do órgão não resultaram em providências em tempo devido. Alterar este quadro é uma das agendas do futuro ministro.

Moro também busca no pacote da Transparência Internacional inspiração para medidas que vão além do direito penal e são muito próximas de seus posicionamentos públicos, como iniciativas de prevenção à corrupção (em especial aquelas que buscam promover políticas de integridade do setor público e privado), o aperfeiçoamento da cooperação jurídica internacional (para dar mais celeridade às investigações) e o fortalecimento do controle interno na administração pública.

O pacote de dez medidas da corrupção, desfigurado pela Câmara, também deve ser retomado, mas em seu desenho original.