O globo, n. 31133, 02/11/2018. País, p. 6

 

Indicação de Moro provoca críticas e elogios

02/11/2018

 

 

Para Luiz Fux, do STF, a escolha atende aos anseios da população, enquanto o ex-ministro Ayres Britto diz que a ida do juiz para o governo põe em dúvida a independência do Judiciário; o meio político também se divide

“A sua escolha é a que a sociedade faria, se consultada. É um juiz símbolo da probidade e da competência"

_ Luiz Fux, ministro do STF
“Homem sério. A corrupção arruína a política e o país. Se Moro a combater, ajudará”
_ Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente
“Desejo sucesso ao juiz Sergio Moro e que se amplie o combate à corrupção"
_ João Amoêdo, candidato derrotado do Novo à Presidência
“Os magistrados devem manter o máximo de distância dos outros dois poderes”
_ Ayres Britto, ex-ministro do STF
“Moro largará a magistratura para ser ministro do governo que viabilizou com suas decisões. O rei está nu” _ Dilma Rousseff, ex-presidente
“Mais do que nunca, suas decisões estão colocadas sob suspeição”
_ Guilherme Boulos, candidato derrotado do PSOL à Presidência

A indicação do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça e Segurança Pública foi elogiada pelo ministro Luiz Fux , do Supremo Tribunal Federal (STF), por entidades de magistrados e de delegados da Polícia Federal, além de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Eles destacaram, sobretudo, o trabalho de Moro no combate à corrupção. O ex-ministro do STF Ayres Britto foi voz dissonante. Para ele, a migração do juiz para o governo compromete a imagem do Judiciário, que deve zelar pela separação e independência dos Poderes.

Nomeio político, a decisão de Mo rode integrara equipe de Jair Bolsonaro (PSL) foi criticada por opositores do presidente eleito. Para eles, o novo cargo coloca em xeque a isenção do juiz à frente da Lava-Jato. Já apoiadores do capitão da reserva comemoraram, dizendo que Moro “estenderá seu rigor” ao Executivo.

O ministro Luiz Fux afirmou que a escolha atende aos anseios da população:

— Excelente nome. Imprimirá no Ministério da Justiça asu amar caindeléveln oc om bateà corrupção ena manutenção das nossas instituições democráticas, prestigiando a independência da PF (Polícia Federal ), MP( Ministério Público) e Judiciário. A sua escolhaéaque a sociedade faria, se consultada. É um juiz símbolo da probidade e da competência. Escolha por genuína meritocracia.

Já Ayres Britto afirmou que a decisão de Moro coloca em suspeição a independência da Justiça:

— O Judiciário se define pelo desfrute de uma independência que não pode ser colocada em xeque. Os magistrados devem manter o máximo de distância dos outros dois poderes. Isso não parece rimar com o espírito da coisa de um membro do Judiciário pedir exoneração ejás e transportar, com mala e bagagens, para um cargo do Poder Executivo.

Pelo Twitter, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou a indicação: “Moro na Justiça. Homem sério. Preferia vê-lo no STF, talvez (seja) uma etapa ”, escreveu, também em uma rede social .“A corrupção arruína apolítica e o país. Se Moro a combater, ajudará”, completou.

A ex-presidente Dilma Rousseff, por sua vez, criticou Moro por divulgar o áudio de uma conversa telefônica entre ela e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por condenar Lula “sem provas” e por liberar trechos da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci a seis dias do primeiro turno da eleição presidencial deste ano.

“Agora, o juiz Moro anuncia que largará a magistratura para ser ministro do governo que viabilizou a eleição com suas decisões. O rei está nu”, escreveu Dilma nas redes sociais.

Lava-jato defende

O candidato derrotado à Presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos, fez coro. “Não há problema algum em um juiz deixar a magistratura para fazer política. O problema é ter passado alguns anos fazendo isso vestido de toga. Mais do que nunca, suas decisões estão colocadas sob suspeição”, registrou, pelo Twitter.

Pela mesma rede social, o candidato derrotado à Presidência pelo Novo, João Amoêdo, parabenizou Bolsonaro pelo convite a Moro. “Desejo sucesso ao juiz Sergio Moro nesta nova fase e que se amplie o combate à corrupção e ao crime organizado. Espero também que a Lava-Jato continue seu trabalho atuante que tanto tem feito pelo Brasil nos últimos anos”, escreveu.

Procuradores da força-tarefa da Lava-Jato defenderam a indicação de Moro. Deltan Dallagnol usou o Twitter para criticar quem diz que o juiz tinha aspirações políticas, enquanto Januário Paludo afirmou que as organizações criminosas têm mais a temer com Moro na pasta do que como juiz.

Para Paludo, a Lava-Jato é um “microcosmo” se comparada ao poder do Ministério da Justiça e, ainda assim, conseguiu produzir uma “gigantesca revolução”.

— Ao aceitar o encargo de ministro de Estado da Justiça, Moro não irá servir ao governante de plantão, senão à Nação brasileira, como aliás vem servindo há mais de 20 anos no exercício da magistratura —disse Paludo.

Já Dallagnol afirmou que, se tivesse pretensões políticas, Moro poderia ter disputado as eleições. “Se o juiz Moro tivesse aspiração política, ele poderia ter se tornado presidente ou senador nas últimas eleições com alta probabilidade de êxito. Mentiras como essa serão repetidas, mas não vão abalar a Lava-Jato, em que atuam não só um juiz, mas 14 da primeira à última instância”, escreveu.

Também pelo Twitter, Marcelo Bretas, juiz responsável pela Lava-Jato no Rio de Janeiro, parabenizou e desejou sucesso ao colega de Curitiba .

Entidades de magistrados, por sua vez, também elogiaram a escolha. Fernando Mendes, presidente de Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), afimou, em nota, que Moro “sempre foi um juiz federal exemplar e que muito contribuiu para o fortalecimento da Justiça Federal”.

Jayme de Oliveira, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), ressaltou, também em nota, que o juiz “tem todas as credenciais para assumir o encargo e enaltecerá o Ministério da Justiça” e que a escolha “é também um reconhecimento à magistratura brasileira”.

Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva destacou que “Moro demonstrou ter conhecimento e capacidade substanciais para ocupar o cargo”.

Reação do PT

Em nota, o PT reagiu. Afirmou que a indicação de Moro “é mais um sinal de que o futuro governo pretende instalar um estado policial no Brasil”. O partido disse ainda que a ida do juiz para o ministério comprovaria sua parcialidade. “Moro foi um dos mais destacados agentes do processo político e eleitoral. Desde o começo da Operação Lava-Jato agiu não para combater a corrupção, mas para destruir a esquerda, o Partido dos Trabalhadores e o governo que dirigia o país. Todas as suas ações foram meticulosamente pensadas para influenciar nesse sentido”, diz trecho da nota.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ironizou a escolha do magistrado. “Moro será ministro de Bolsonaro depois de ser decisivo para sua eleição, ao impedir Lula de concorrer. Denunciamos sua politização quando grampeou a presidenta da República (Dilma Rousseff ) e vazou pra imprensa; quando vazou a delação de (Antonio) Palocci antes das eleições. Ajudou a eleger, vai ajudar a governar”, escreveu ela, em uma rede social. A defesa do ex-presidente Lula pretende entrar com um pedido de habeas corpus para rever a prisão do petista. Segundo os advogados, a futura nomeação de Moro sustentaria o argumento de que o magistrado teria sido parcial na condução do processo.

“A formalização do ingresso do juiz Sergio Moro na política e a revelação de conversas por ele mantidas durante a campanha presidencial coma cúpula da campanha do presidente eleito provam definitivamente o que sempre afirmamos em recursos apresentados aos tribunais brasileiros e também ao Comitê de Direitos Humanos da ONU: Lula foi processado, condenado e encarcerado sem que tenha cometido crime, com o claro objetivo de interditá-lo politicamente” diz trecho da nota divulgada pelo advogado Cristiano Zanin Martins.

Para o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), o juiz “criou e matou a Lava-Jato” e, ao aceitar o convite, fortalece o discurso dos que pedem a libertação de Lula.

— Não basta ser um juiz isento. É preciso parecer isento. O Moro deixou de parecer que foi isento durante as suas atividades de juiz da Lava-Jato. Para o governo, pode ser uma jogada de mestre — diz o senador, completando :— Para alutado c om bateàcorrupção,f oi um desastre. Desmoralizou o processo. Mesmo que se mostre que tudo foi feito legalmente, não passa mais ideia de isenção.

Parlamentares de outros partidos elogiaram a indicação. Presidente do DEM, o prefeito de Salvador, ACM Neto, disse que “não poderia haver melhor nome para o Ministério da Justiça”. Ele destacou o trabalho de Moro no combate à corrupção e “na aplicação da lei para todos”.

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da bancada evangélica, elogiou a escolha de Moro:

— É um nome popular, que agrada, e tem todas as condições para fazer um bom trabalho. Logicamente, tem o mimimi do PT, para fazer um enredo de que foi golpe, e agora eles acabam tendo um pouco mais de justificativa. Fica bom para o enredo do PT, mas fica melhoraindap rogo vernoBol sonar o, que agrada a população. S efica bom para ambas as partes, fica bom para o Brasil —afirmou o deputado.

Já o pastor Marcos Feliciano (PODE-SP), aliado de Bolsonaro, disse que é “um gol de placa do nosso presidente”, que veremos “dois mitos num mesmo governo” eque“Moro tem moral e competência”.

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Juíza linha dura assumirá Lava-Jato em Curitiba

Cleide Carvalho

02/11/2018

 

 

Em maio passado, Gabriela Hardt mandou prender o ex-ministro José Dirceu, após condenação em segunda instância

A juíza substituta Gabriela Hardt, que assumirá a 13ª Vara Federal de Curitiba no lugar de Sergio Moro até que seja indicado o juiz titular, já foi corregedora do presídio federal de Catanduvas (PR), que reúne chefes do crime organizado no país. É considerada “linha dura” por colegas do Judiciário.

À frente do Tribunal do Júri da Justiça Federal do Paraná, Gabriela não tem hesitado, no caso de crimes graves, de determinar a prisão imediata. Em fevereiro passado, decretou a prisão preventiva de três acusados de tentativa de homicídio de policiais federais: “Todos são reincidentes e possuem maus antecedentes”, justificou.

Nas redes sociais, defende o feminismo, assim como revela um de seus hobbies: maratona aquática. A partir de segunda-feira, ela retorna de férias e conduzirá as audiências e interrogatórios do processo que envolve o sítio de Atibaia — o interrogatório do ex-presidente Lula está marcado para o próximo dia 14.

Gabriela se tornou juíza aos 34 anos, depois de uma carreira de cerca de nove anos como assistente jurídica na Justiça Federal do Paraná. Hoje tem 42 anos.

Em maio passado, mandou prender o ex-ministro José Dirceu, após condenação em segunda instância — decisão depois revertida pelo Supremo Tribunal Federal. Mas Gabriela também já decidiu favoravelmente a um petista: reduziu de R$ 1 milhão para R$ 200 mil a fiança do ex-tesoureiro do partido Paulo Ferreira.