O globo, n. 31133, 02/11/2018. Economia, p. 16

 

Luna: militar terá plano de reforma da Previdência

Jailton de Carvalho

02/11/2018

 

 

Ministro da Defesa afirma que Forças Armadas vão apresentar proposta própria de mudanças na aposentadoria para o próximo governo. Ideia é ampliar o tempo de permanência na ativa de 30 para 35 anos

O ministro da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, afirmou que as Forças Armadas terão uma proposta de reforma da Previdência para oferecer ao próximo governo. A ideia é ampliar o prazo de permanência dos militares na ativa. O limite, que hoje é de 30 anos, seria ampliado para 35 anos. Seria uma forma de reduzir despesas sem fazer corte direto nos benefícios.

— Sabe-se que existe a necessidade de aumentar a permanência nas Forças Armadas. Este estudo está pronto para ser discutido com o próximo governo — disse Luna, em entrevista ao GLOBO.

Já o presidente eleito, Jair Bolsonaro, defendeu mudanças no regime de aposentadorias, mas sinalizou que as Forças Armadas não devem entrar em sua proposta de reforma. O capitão da reserva afirmou que não é corporativista, masque incluir os militares poderia fazê-lo perdera capacidade de governar:

— Não sou corporativista. Só que aí você não governa, você perde as Forças Armadas. Os militares, ao longo de 35 anos de serviço, na verdade trabalham 45. É diferente. Assim como o trabalhador comum que trabalha na construção civil, que você não pode botar 65 anos porque a partir dos 60 ele não consegue carregar mais um saco de cimento —afirmou.

A ideia de prorrogar por mais cinco anos o tempo de permanência de militares em serviço circulou logo que o governo Michel Temer tentou aprova ruma reformada Previdência no Congresso. Mas acabou ficando em segundo plano, diante das dificuldades políticas em avançar coma proposta no Legislativo.

Não há, no entanto, disposição no meio militar para assimilar mudanças mais significativas, além das propostas já anunciadas. Luna lembrou que os militares já fizeram uma reforma em 2001, e, desde então, as Forças Armadas passaram por uma série de mudanças, com o objetivo de economizar recursos públicos. O país tem hoje 350 mil militares. Deste total, 58% são temporários, ou seja, não demandam despesas previdenciárias. P orisso, não seria necessário mais cortes no setor.

—Não temos direito a hora extra, adicional noturno ou adicional de periculosidade —argumenta o ministro.

Luna disse ver com naturalidade o retorno dos militares à linha de frente do poder político. Além do presidente eleito e do vice, general Hamilton Mourão, outros militares deverão ocupar postos estratégicos.

— Não há nenhum risco à nossa democracia. O povo escolheu o presidente (um militar). Imagino que os valores que as pessoas queriam manifestar estão sendo colocados para fora agora — afirmou o ministro.

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Bolsonaro: proposta atual pode ser aproveitada

Geralda Doca

Marcello Corrêa

02/11/2018

 

 

Equipe econômica do futuro governo acredita que ‘fator Moro’ pode ajudar em acordo no Congresso

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, reconheceu ontem, em entrevista coletiva após acertara nomeação do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, que é difícil os parlamentares aprovarem até o fim do anoa reformada Previdência, mas disseque“dá para aproveitar alguma coisa” da proposta que está em tramitação no Congresso.

—Ninguém quer fazer maldade com ninguém, mas algumas reformas, nós temos que, obviamente, tentar fazê-las, a da P revi dênciaéu ma. Enãoéa proposta inicial como o Temer quis, mas dá para aproveitar alguma coisa dela—disse .— Apoio a reforma( da Previdência) que pode ser aprovada pelaCâ mara. Nãoéa proposta que eu quero, que o Paulo Guedes quer, ou quem quer que seja quer, é aquela que pode ser aprovada pela Câmara.

Integrantes da equipe econômica de Bolsonaro avaliam que o cenário é difícil, mas ainda há chance de aprovar este ano o texto de reforma da Previdência parado no Congresso. A leitura é que é possível chegar a um entendimento. Na definição de um parlamentar, que pediu para não ser identificado, a equipe conta agora com o “fator Moro”, em referência ao anúncio do juiz como futuro ministro:

— É difícil, mas esse fato novo pode mudar a cabeça das pessoas.

Chance maior no 1º ano

Na avaliação de parlamentares, a estratégia mais acertada seri atentar aprovar uma única reforma, preferencialmente no começo do mandato. Aavaliaçãoéquedi vi diro tema em duas etapas — uma com mudanças mais leves, outra mais ampla, com regime de capitalização (no qual cada um poupa para sua própria aposentadoria) —seria menos eficaz.

— Aprovar uma reforma é uma operação de guerra, porque mexe com a vida de muita gente e mobiliza diversos grupos de interesse na Casa — afirmou o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro. —Há risco político em fatiar a reforma. É recomendável aprovar logo uma proposta que tenha efeitos nas contas públicas e, ao mesmo tempo, viabilidade de aprovação.

O deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) também observou que a chance de aprovar uma reforma é maior no primeiro ano de governo. Ele ressaltou que, nesse caso, deve ser uma proposta que “tape o buraco” da Previdência.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira, por sua vez, já disse, de forma reservada, que não tem interesse em incluir a matéria na pauta porque não há clima para isso. Ele destacou que os senadores não estão dispostos a aprovar a reforma para evitar desgaste para quem vai assumir em 2019:

—Muitos perderam a eleição por causa da reforma trabalhista. Você acha que eles vão querer aprovar a da Previdência e carregar mais esse ônus nas costas?

Procurado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que não tratará disso agora.

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Para economistas, projeto de Arminio é mais completo

Rennan Setti

Geralda Doca

02/11/2018

 

 

Especialistas avaliam que novo governo deveria usar início de mandato para aprovar mudança

A proposta de reforma da Previdência elaborada pelos economistas Arminio Fraga e Paulo Tafner é considerada por especialistas como mais completa do que a tentada pelo governo de Michel Temer. Por isso, se aceitar defendê-la, o presidente eleito Jair Bolsonaro deveria aproveitar o capital político do começo de mandato para tentar aprová-la.

— Um presidente recémeleito sempre tem um capital político e ele vai usá-lo. Já que vai gastá-lo, talvez seja melhor fazê-lo em prol de uma reforma mais completa do que por uma reforma que não convença os investidores plenamente — disse Gustavo Rangel, do ING Financial Markets.

A proposta prevê a fixação de uma idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, a desvinculação do benefício previdenciário do salário mínimo e a criação de um benefício universal do idoso, equivalente a 70% do salário mínimo e que seria pago a todos que completarem 65 anos. O período de transição para cumprir a idade mínima é de 12 anos para o setor privado.

Mudança necessária

Para Solange Srour, economista da ARX Investimentos, a proposta seria “a reforma dos sonhos”, por ser mais abrangente e de longo prazo, introduzindo um regime de capitalização. Mas enfrentaria maior resistência por “mexer com privilégios de grupos específicos.” Um exemplo é o dos militares, que teriam um regime próprio, sem idade mínima, mas com alíquotas de contribuição maiores.

Para Luís Eduardo Afonso, da FEA-USP, o período de transição mais curto (12 anos) do que o do texto na Câmara, de 18 anos, teria impacto fiscal mais rápido, mas poderia gerar reação maior de setores da sociedade. Ele considera positiva a intenção de desvincular o benefício do salário mínimo:

— Pode ser controverso, mas é necessário. Caso contrário, qualquer política de valorização do salário mínimo continuará tendo impacto muito maior na Previdência do que no mercado de trabalho.

Segundo o secretário de Previdência do atual governo, Marcelo Caetano, a desvinculação do salário mínimo tem risco de judicialização e pode ser derrubada na Justiça. Essa ideia chegou a ser cogitada na elaboração da reforma do presidente Michel Temer, mas foi abandonada ao ser considerada cláusula pétrea pela área jurídica da Casa Civil e, portanto, não poderia ser alterada na Constituição.

Para Caetano, o risco de enviar uma proposta mais dura é que, durante a negociação política, o texto final acabe semelhante ao texto final da reforma de Temer, aprovado na comissão especial. Ele avalia que, ao reabrir as negociações, os grupos afetados vão se mobilizar para barganhar a fim de manter seus interesses.