O globo, n. 31135, 04/11/2018. País, p. 5

 

Da agressividade aos juramentos, os muitos tons do presidente

Marco Grillo

Jussara Soares

04/11/2018

 

 

Mais incisivo ou comedido, a depender do meio, Bolsonaro modula discursos; atuação do filho Carlos preocupa aliados

“O juiz federal Sergio Moro aceitou nosso convite para o Ministério da Justiça e Segurança Pública”, anunciou o presidente eleito, Jair Bolsonaro, na quinta-feira, via Twitter. Há uma semana, logo após ser eleito, o capitão da reserva foi ao Facebook para uma transmissão ao vivo, em seu primeiro pronunciamento.

Do início da campanha eleitoral até o domingo da vitória, foram 1.267 publicações nas duas redes sociais, média de 17 por dia, além de 15 entradas ao vivo. No entorno do presidente eleito, aliados defendem a manutenção do estilo de comunicação direta no governo, especialmente nas mensagens via Twitter — as lives ainda dividem opiniões, pois há quem defenda que falar de improviso pode embutir riscos desnecessários.

Na primeira semana como presidente eleito, Bolsonaro também se dedicou a entrevistas para emissoras de televisão. O tom adotado, muitas vezes, é diferente daquele das redes sociais, meio pelo qual conversa majoritariamente com apoiadores. Na TV, em mais de uma oportunidade, pregou o respeito à democracia. No discurso lido para a imprensa, fez um “juramento a Deus” sobre a defesa da Constituição. Na internet, houve oportunidades em que o discurso ganhou contornos mais agressivos: no dia do primeiro turno, questionou o resultado das urnas e levantou a suspeita de fraude, o que gerou reação imediata do TSE. Em outro momento, reagiu à associação que havia sido feita entre o assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê com uma discussão política a respeito de sua candidatura — “Imprensa lixo”, escreveu.

O contato direto com o eleitorado, sem intermediação, ganhou corpo ao longo da campanha. O que de início era uma forma de escapar das amarras do ínfimo tempo de propaganda na televisão — só nove segundos por bloco, contra os mais de cinco minutos de Geraldo Alckmin (PSDB) —virou uma estratégia que se intensificou na mesma proporção em que os resultados foram aparecendo. Os números são superlativos: 8 milhões de seguidores no Facebook; 5,4 milhões no Instagram; 1,9 milhão no Twitter e 2 milhões de inscritos no YouTube.

Cautela

O conteúdo dos posts publicados por Bolsonaro nas redes sociais ficava a cargo dele mesmo e de um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro. Se, por um lado, é ele o herdeiro mais avesso ao contato com a mídia, por outro é quem tem mais familiaridade com o mundo digital, onde age com desenvoltura. Carlos pretende continuar comandando os perfis do pai nas redes sociais, o que já provoca preocupação de conselheiros do presidente eleito.

Apontado como o mais radical do clã, o vereador causou desconforto ao longo da campanha ao subir o tomem postagens com a assinatura do pai. — Bolsonaro não será mais um candidato. Será um presidente, e qualquer fala atribuída a ele pode gerar repercussão imediata dentro e fora do Brasil — pondera um interlocutor do presidente eleito.

Nos bastidores da equipe de Bolsonaro, circulam alguns nomes para o comando da Secretaria de Comunicação. Quatro jornalistas que mantiveram bom relacionamento com a campanha, alguns deles conhecidos do grande público, estão cotados. Todos já foram sondados, mas nenhum deles teria demonstrado inclinação para aceitar o convite.

No campo das transmissões ao vivo, todas aconteceram no período posterior ao ataque a faca, em 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG). As lives foram usadas para mobilizar apoiadores, já que Bolsonaro, por razões médicas, não pôde mais participar de atos na rua, e também para atenuar ruídos de comunicação, especialmente aqueles provocados pelo vice, general Hamilton Mourão, e pelo economista Paulo Guedes, futuro ministro da Economia.

Nos momentos de crise, por ordem do próprio capitão da reserva, os aliados adotaram a “lei do silêncio” — os exemplos mais claros aconteceram quando Mourão criticou o 13º salário e Guedes citou a possibilidade de um novo imposto nos moldes da CPMF. O “toque de recolher” também foi adotado na última semana, conforme as pesquisas de intenção de voto iam mostrando a queda da diferença para Haddad. Nesses casos, só um dos aliados continuou autorizado a ter contato com a imprensa: Gustavo Bebianno, então presidente do PSL.

Nas redes sociais, o dia mais ativo foi 21 de outubro, uma semana antes do segundo turno: 54 tuítes e sete posts no Facebook foram publicados, segundo o levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP), a pedido do GLOBO.

— Esse é o novo normal. O Bolsonaro vai levar esse modelo para a gestão e buscar não ficar encurralado por nenhum veículo de mídia e nenhuma pauta específica —avalia o diretor da FGV/DAPP, Marco Aurelio Ruediger.

Foi justamente do espaço do contraditório que Bolsonaro tentou escapar, especialmente no segundo turno, quando não participou de debates e sabatinas organizados pela imprensa. Na semana anterior ao segundo turno, quando havia a expectativa de uma entrevista coletiva após a divulgação dos resultados, um aliado próximo logo refutou a hipótese: “Para quê? Para ele responder às mesmas perguntas de sempre?”.