O globo, n. 31135, 04/11/2018. Colunas, p. 10

 

Moro no governo dos ‘humanos direitos’

Elio Gaspari

04/11/2018

 

 

Sergio Moro lustrou a biografia de Jair Bolsonaro e de seu futuro governo ao aceitar o superministério da Justiça. Foi um tiro na mosca, pois seu trabalho à frente da Lava-Jato tornou-se um marco na História da política nacional, faxinando a corrupção do andar de cima.

Ao se sentar na cadeira, será apresentado a outro tipo de corrupção sistêmica, aquela que ofende os direitos dos cidadãos. Ele entrará num governo em que o futuro ministro da Defesa, general da reserva Augusto Heleno, disse que “direitos humanos são basicamente para humanos direitos”. Desfolhando as mazelas da criminalidade nacional, acrescentou: “É um absurdo tratar isso como uma situação normal. É situação de exceção que merece tratamento de exceção”.

Quais tratamentos de exceção Moro sancionará, ninguém sabe.

O futuro governador do Rio de Janeiro, oficial da reserva da Marinha, singra um discurso apocalíptico e anuncia que “não vai faltar lugar para colocar bandido, cova a gente cava e presídio, se precisar, a gente bota em navio em alto-mar.” Pura demagogia, e Witzel conhece a história dessas cadeias flutuantes. Elas se chamavam “presigangas” e eram usadas na Colônia e no Império. A última “presiganga” de que se tem notícia funcionou no navio Raul Soares, onde puseram presos políticos em 1964. Os discursos repressivos de hoje têm amplo apoio popular, o que os torna mais perigosos, pois quando ficar demonstrada a vacuidade do palavrório, os demagogos mudarão de assunto.

Sergio Moro diz que a sua prioridade será o combate à corrupção e ao crime organizado. Por falta de experiência na área criminal do andar de baixo, descobrirá isso quando cair sobre sua mesa o caso de alguma roubalheira que usava um posto de gasolina da Baixada Fluminense para lavar dinheiro da corrupção e do tráfico. Puxando os fios, como ele fez em Curitiba, será fácil descobrir poderes que se instalaram no século passado, sobreviveram à ditadura, aninhados nos desvãos dos DOI e ressurgiram com a redemocratização, sambando na avenida e negociando nos palácios.

Hoje, como sempre, os ferrabrás ganham desenvoltura quando sentem-se amparados pela opinião pública. Alguns ministros da Justiça, como Seabra Fagundes e Milton Campos, sentiram o cheiro de queimado e foram-se embora. Outros, como o professor Luís Antônio da Gama e Silva, redator do AI-5, inebriaram-se. Cada um escolhe seu caminho, e Moro escolherá o seu.

Pode-lhe ser útil a lembrança do que ocorreu com Carlos Medeiros Silva quando se sentou naquela cadeira, em 1966. Um coronel que servia no gabinete apresentou-se:

—Ministro, vim conhecê-lo. Sou o representante da linha dura aqui no ministério. Medeiros era um mineiro miúdo e discreto. Cioso da autoridade, sobretudo da sua, respondeu:

— Coronel, agradeço muito seus relevantes serviços, mas o senhor está dispensado. Agora, o representante da linha dura aqui sou eu.

O ‘Posto Ipiranga’ contatou Moro

“Isso já faz tempo, durante a campanha foi feito um contato”, disse o general da reserva Hamilton Mourão na última quarta-feira. O vice-presidente eleito referia-se à primeira sondagem da equipe do candidato Jair Bolsonaro para atrair o juiz Sergio Moro. O intermediário, segundo o general, foi Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” do capitão.

Segundo Moro, “isso não tem uma semana”. Portanto, teria acontecido depois do dia 27 de outubro. Mourão falou em “semanas”. Quantas?

Moro e Guedes prestariam um grande serviço à moralidade pública se esclarecessem a data precisa desse contato, até porque o próprio presidente eleito mostrou-se confuso ao tratar do episódio. O esclarecimento seria desnecessário para qualquer outra pessoa, mas Moro interferiu no processo eleitoral no dia 1º de outubro, quando liberou um trecho da colaboração do ex-ministro petista Antonio Palocci. Foram 11 páginas de parolagem que ganharam a previsível repercussão, pois faltavam seis dias para o primeiro turno.

O “contato” teria ocorrido “durante a campanha”, o que é esquisito, mas seria jogo limpo. Se ele aconteceu antes da liberação do depoimento de Palocci, teriam sujado o jogo, e a conduta de Moro deveria ser analisada pelo Ministério Público e pelo Conselho Nacional de Justiça.

A ação do Judiciário está contaminada pela onipotência. Felizmente o Supremo Tribunal Federal derrubou todos os atos relacionados com o arrastão realizado em 17 universidades de nove estados nas últimas semanas. Todas as ações foram determinadas por juízes.

No início de outubro completou-se um ano do suicídio de Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina mandado para a cadeia por uma magistrada e proibido de entrar na instituição.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota, pretendia votar em Bolsonaro, mas digitou 13. Resolveu fazer uma assinatura da “Folha de S. Paulo”, para entender como o presidente eleito acabará com o jornal de Octávio Frias de Oliveira e de seus filhos.

Lendo o que disseram Jair Bolsonaro e seus oráculos, o governo pretende cortar a publicidade oficial de jornais e emissoras que mentem. Por cretino, Eremildo teme que acabem aqueles que recebem publicidade oficial para mentir.

Mercado e 'Mercado'

Paul Volcker acaba de publicar nos Estados Unidos um livro de memórias. Nele conta a sua épica batalha para derrubar a inflação de dois dígitos no final do século passado. É uma ode ao serviço público, escrita por um funcionário que, aos 91 anos, ainda usa o roupão que comprou em 1953.

Com 2,01 metros, Volcker foi para a direção do Fed em 1979. Ganhava US$ 110 mil anuais e mudou-se para Washington com US$ 57.500. Alugou uma quitinete de estudante e, uma vez por semana, levava para a casa da filha suas roupas sujas. A mulher do homem mais poderoso da finança mundial, diabética e sofrendo de artrite reumática, ficou em Nova York, teve que arrumar um emprego e alugou um dos quartos do apartamento do casal. Para a turma do papelório: Volcker refere-se dezenas de vezes ao mercado. Num trecho, lidando com o que seria a credibilidade do presidente do Fed na praça, escreveu “mercado”, entre aspas. Quem vive no Brasil sabe como são diferentes o mercado e o “mercado”. Para quem está de olho em um cargo na ekipekonômica de Bolsonaro:

Um dia Volcker foi chamado à Casa Branca e levado para a biblioteca (onde não haveria grampo, acredita). Lá, diante de um silencioso presidente Ronald Reagan, o chefe da Casa Civil, James Baker, disse-lhe: “O presidente ordena que você não suba os juros antes da eleição”. Volcker conta: “O que fazer? O que dizer? Fui-me embora, sem abrir a boca.” Reagan já morreu, mas o chefe da Casa Civil, Baker, que está vivo, contestou apenas o fraseado e a palavra “ordena”. De qualquer forma, os juros ficaram onde estavam.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Acuado sob PT, DEM quer ser ‘fiador’ de Bolsonaro 

Eduardo Bresciani

04/11/2018

 

 

Partido busca aproximação com nomes do PSL e acredita que poderá fornecer quadros e moderação para o presidente eleito

Partido que quase acabou durante a gestão petista, o DEM deseja ser um fiador do governo Jair Bolsonaro. Se o PSL levou ao Congresso uma bancada significativa, mas inexperiente, o DEM tem políticos que embarcaram cedo no projeto e agora tentam obter os lucros da aposta política. O principal deles é o gaúcho Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, que estava no ostracismo no partido. Depois da eleição, correligionários de peso se aproximaram do capitão da reserva.

Integrantes do DEM acreditam que o partido terá a responsabilidade de moderar o discurso do presidente eleito. Alguns fizeram chegar ao grupo mais próximo de Bolsonaro críticas à manutenção de ataques à imprensa e a líderes partidários após a vitória. Um deles comparou as primeiras declarações a falas do ex-presidente Fernando Collor, num alerta da necessidade de “descer do palanque”.

Presidente do DEM, o prefeito de Salvador, ACM Neto, afirma que o partido não fará negociação de cargos e que o apoio ao governo se dará por afinidade em pautas, principalmente na área econômica.

— Já dissemos para a equipe do governo que a disposição é dialogar em cima da agenda que em muitos pontos, principalmente na economia, é convergente. Não vamos entrar na prática de indicar cargos, fazer pressão—diz ACM Neto.

Alguns integrantes do partido que foram derrotados nas urnas, como Alberto Fraga, Pauderney Avelino e Mendonça Filho, se aproximaram de Bolsonaro e sua equipe em busca de ocupar funções no novo governo. A avaliação é que, diante da falta de quadros no PSL, a sigla poderá emplacar indicações importantes. Além de Onyx, um nome que passou a ser ventilado como possível ministra foi o de Tereza Cristina (DEMMS), coordenadora da bancada ruralista na Câmara.

O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também busca pontes para tentar o apoio do Planalto à sua reeleição. Ele sinalizou a intenção de votar pautas de interesse dos bolsonaristas ainda este ano, como o Estatuto do Desarmamento. ACM Neto diz, porém, que é cedo para falar de apoio do governo a Maia, porque o presidente eleito ainda não deu o tom da relação com o Congresso.

O avanço do DEM causa ciúmes. O partido elegeu 29 deputados, sendo apenas a nona maior bancada da Câmara. Como o PSL de Bolsonaro não deve disputar a presidência da Casa, há a expectativa nos outros partidos do centrão de contar com apoio do Planalto. O presidente eleito não descartou Maia, mas já citou os nomes de João Campos (PRB-GO), Fernando Giacobo (PR-PR) e Alceu Moreira (MDB-RS) como aliados que podem disputar o comando da Casa.