Título: Chance de paz na Síria
Autor: Mello milliano, Max; Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 01/07/2012, Mundo, p. 22

Nos últimos 474 dias, mais de 16 mil pessoas morreram na Síria. À beira de uma guerra civil que ameaça afetar países vizinhos, a nação começa a vislumbrar uma chance de paz. O Grupo de Ação sobre a Síria conseguiu, na tarde de ontem, em Genebra, obter um acordo com os princípios e as diretrizes de uma transição política em Damasco. Segundo Kofi Annan, enviado especial da ONU e da Liga Árabe à Síria, o governo de transição poderá incluir membros do atual regime. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, anunciou que o plano "abrirá caminho para a era pós-Bashar Al-Assad" — em referência ao ditador sírio.

O otimismo da chefe da diplomacia dos Estados Unidos contrasta com o ceticismo de representantes da oposição na Síria. Em entrevista ao Correio, por telefone, Rami Abdelrahman — diretor do Observatório Sírio de Direitos Humanos — rejeitou a proposta aprovada na Suíça. "Nós recusamos qualquer tipo de governo transitório que conte com a presença de Al-Assad. Depois de 16 mil mortes, somente aceitaremos a deposição dele", avisou Abdelrahman. Segundo o ativista, Annan e (Serguei) Lavrov (chanceler russo) "não se importam com o sangue do povo sírio". Ele contou à reportagem que, na tarde de ontem, mais de 100 pessoas morreram na explosão de um carro-bomba, durante um funeral realizado na cidade de Zamalka. Horas depois, um disparo de morteiro matou 30 civis na região de Damasco.

A reunião em Genebra parecia fadada ao fracasso, mas uma reviravolta causou surpresa ao fim do dia. Annan explicou que o acordo prevê "as etapas e as medidas a serem tomadas pelas partes para garantir a aplicação completa do plano de seis pontos e das resoluções nº 2.042 e nº 2.043 do Conselho de Segurança da ONU". "O organismo de governo transitório exercerá os poderes executivos. Ele poderá incluir membros do atual governo, da oposição e de outros grupos, e deve ser formado com base em um consentimento mútuo", completou, sem dar mais detalhes sobre o documento. Por e-mail, Ausama Monajed — integrante do opositor Conselho Nacional Sírio (CNS) — assegurou ao Correio que o Acordo de Genebra não funcionará. "Esse regime não aceitará qualquer solução que dilua sua sanha pelo poder", alertou.

Após a divulgação do plano, os governos da Rússia e da China, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, pediram que o próprio povo sírio decida sobre a estratégia de transição no país. "Gente do exterior não pode tomar decisões pelo povo sírio", declarou o chanceler chinês, Yang Jiechi. "Não se pode excluir desse processo qualquer grupo, mas esse aspecto está presente em muitas das propostas de nossos interlocutores e estamos convencidos de que isso é inaceitável", completou Lavrov.

Hillary Clinton admitiu que os Estados Unidos convocarão o Conselho de Segurança da ONU, a fim de submeter o Acordo de Genebra à avaliação do organismo. "Al-Assad deve sair", reiterou ela, ao lembrar que o ditador "tem sangue nas mãos". "Se não houver uma ação, haverá ainda mais mortes, ainda mais refugiados, e um risco de instabilidade nos países vizinhos", disse.