O globo, n. 31135, 04/11/2018. Economia, p. 31

 

Um ano

Pollyana Brêtas

Daiane Costa

Marcello Corrêa

04/11/2018

 

 

Em vigor há um ano, a reforma trabalhista ajudou a reduzir disputas judiciais entre empregadores e empregados, mas frustrou as expectativas de que turbinaria a geração de vagas formais. Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), novas ações caíram 36,5%, quando comparado o volume de casos apresentados de janeiro a agosto de 2018 com o mesmo período do ano passado. Já o número de empregos com carteira encolheu 1%, para 32,9 milhões, enquanto o de trabalhadores informais chegou a 35 milhões em setembro, de acordo com o IBGE. Incertezas em relação à nova legislação e uma retomada da economia mais lenta do que se imaginava são alguns dos fatores por trás desse desempenho do mercado de trabalho.

Luciana Freire, diretora executiva jurídica da Fiesp, elogia o alívio na judicialização,mas reconhece abaixa geração de vagas, lembrando a crise econômica:

— A reforma era necessária, mas foi feita ainda em um ambiente de crise econômica. Além disso, outras reformas precisavam ocorrer para que pudéssemos sair deste buraco econômico. Sempre defendemos que a da Previdência fosse feita até prioritariamente em relação à trabalhista. O diretor da CNCevice-presidente da Fecomércio-SP, Ivo Dall’Acqua Junior, não acredita em resultados a curto prazo: — Vamos precisar de mais tempo para ver os efeitos. Novas modalidades de contratação regulamentadas pela reforma contribuíram muito pouco para aquecer o mercado. Levantamento da consultoria IDados mostra que os contratos intermitente e parcial responderam por apenas 0,7% das admissões.

De janeiro a setembro, apenas cem mil trabalhadores foram admitidos nessas duas modalidades, de um total de 13,5 milhões de contratações em todo o Brasil, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. O saldo de criação de vagas no país até setembro — considerando admissões e demissões — ficou positivo em 719 mil postos de trabalho. — Quando a reforma foi proposta, o Ministério do Trabalho falava em gerar dois milhões de postos em dois anos. Estamos muito longe disso. Tem a questão do tempo necessário de adaptação às novas regras e da insegurança jurídica em relação aos novos contratos — diz Bruno Ottoni, autor do levantamento.

'Contaminados pela crise’

Na avaliação do economista Fernando de Hollanda Barbosa Filho, do Ibre/ FGV, a legislação é insuficiente para recuperar o mercado de trabalho num cenário de baixo crescimento econômico. No fim do ano passado, analistas chegaram a prever alta de 3% para o PIB de 2018. Hoje, as projeções estão na casa de 1,5%. — Ainda estamos contaminados pela crise. Se tivesse melhora, seria pela economia, não pela reforma. Os frutos devem ser esperados nos próximos três, quatro anos —avalia.

Se o emprego não melhorou com a nova lei, a redução na judicialização é a pontada como principal efeito positivo. Parte da redução é atribuída às mudanças nas normas para o acesso do trabalhador à Justiça gratuita. Com a nova lei, se perder, o empregado tem de arcar com os honorários do advogado da parte vencedora. São os chamados honorários de sucumbência.

— Houve diminuição do número de descumprimento dos direitos trabalhistas? Acredito que não. Empresários que descumpriam permanecem descumprindo. O que ocorre é que as ações têm mais qualidade e consistência, até pelo risco de sucumbência — diz Paulo Sérgio João, professor de Direito do Trabalho da FGV Direito SP. Maria Lúcia Benhame, do escritório Benhame Sociedade de Advogados, ressalta que a queda do número de ações também está ligada ao ritmo mais lento de demissões. Alguns tribunais do Trabalho também identificaram aumento dos acordos extrajudiciais — quando empregados e empregadores assinam termo de conciliação para evitar litigância. Em São Paulo, por exemplo, o crescimento foi de 26%, entre janeiro e setembro de 2018, em relação ao mesmo período do ano passado. Ottoni, do IDados, vê relação entre queda na judicialização e geração de empregos no futuro. Para ele, a redução do número de ações pode impulsionara criação de vagas mais à frente, pois o custo com ações vai diminuir, e o empregador tende a direcionar a verba para novas contratações.

O problema é que as idas e vindas da legislação atrapalham o processo de contratação. Uma das incertezas, lembra Ottoni, afeta justamente a modalidade do intermitente. Ainda em novembro passado, uma medida provisória alterou a reforma, mas perdeu a validade sem ser votada. A MP previa que o trabalhador intermitente deveria contribuir para a Previdência de acordo com o salário recebido em cada emprego. Se fosse inferior ao salário mínimo, já que sua carga de trabalho é reduzida, teria de recolher sobre o que faltasse para completar o piso do benefício pago pelo INSS. Agora, há incertezas de como proceder. A advogada Andréa Rossi, sócia do escritório Machado Meyer, lembra que muitos pontos da reforma ainda são questionados no Supremo Tribunal Federal (STF).

Aposentadoria em risco

Diante desse quadro, profissionais que estão fora do mercado de trabalho sentem dificuldade de encontrar uma vaga formal. Fernanda Gonçalves, de 29 anos, perdeu o emprego como secretária há pouco mais de um ano. Desde então, só voltou a obter renda na informalidade, como vendedora de meias no Centro do Rio. — É bem complicado. O movimento na rua está muito fraco. Às vezes, só tiro R$ 500 no mês — conta. José Humberto Alves Moreira, de 56 anos, é garçom há 35 anos. Há dois não consegue emprego com carteira. Não reclama de seus rendimentos — que giram entre R$ 3 mil e R$ 3.500 mensais —, mas se preocupa com o fato de não estar contribuindo para o INSS, o que coloca a aposentadoria em risco. Faz trabalhos esporádico sem casas particulares e para bufês. Fica de prontidão, perto do celular, pois nunca sabe quando será chamado. Sabe que poderia se enquadrar no contrato intermitente, mas diz que o mercado está muito ruim, e os empregadores não assinam carteira.

O vaivém das regras deve continuar, coma possibilidade de novas mudanças no futuro governo. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, defende, por exemplo, a criação de um novo regime voltado apenas para jovens que ingressam no mercado. Uma proposta prevê que quem tiver entre 20 e 25 anos poderá optar pela chamada carteira verde e amarela, com direitos reduzidos. Se aprovada, seria a terceira mudança de regras em pouco mais de um ano. Para Andréa Rossi, do Machado Meyer, as mudanças constantes são preocupantes: —Isso é terrível para o mercado. O empresário precisa saber onde vai investir recursos para contratar e demitir.

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Aviso prévio é tema mais reclamado nos tribunais 

04/11/2018

 

 

Diante da possibilidade de arcar com honorários do processo, trabalhador passa a solicitar reparações de fácil comprovação

As mudanças na legislação trabalhista também alteraram os temas mais reclamados à Justiça do Trabalho. Entre janeiro e agosto, mais de 50% das ações trabalhistas, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), se referiam a verbas rescisórias e aviso prévio. Um ano antes, o pagamento de horas extras era o item mais citado nos questionamentos. Márcio Meira Vasconcellos, sócio do grupo CMA na área Trabalhista, acredita que os novos critérios de formulação dos processos levaram os trabalhadores a solicitarem reparações com comprovação mais objetiva: —A hora extra é um exemplo de pedido que nem sempre é possível comprovar. Agora, com a possibilidade de perda e de condenação em sucumbência (quando a parte perdedora no processo é obrigada a arcar com os honorários do advogado), a diminuição foi muito grande. Verbas rescisórias, por exemplo, são de mais fácil comprovação. Tenho um cliente do varejo que, em 2016, teve mais de quatro mil ações ajuizadas contra a empresa. Da reforma para cá, foram só mil.

As lacunas deixadas pela Medida Provisória (MP) 808, que regulamentou pontos controversos da reforma trabalhista, e que perdeu a validade após não ter sido apreciada no Congresso, deixou algumas questões em suspenso. Além disso, há cerca de 20 ações de inconstitucionalidade contra pontos da reforma. A regra do pagamento de horas extras, a diminuição da hora do almoço e o cálculo de indenizações por dano moral são alguns temas em aberto. A reforma trabalhista alterou o valor do dano moral, que passaria a ser vinculado ao salário do trabalhador prejudicado, de acordo com o grau do dano sofrido, o que contraria a Constituição, segundo especialistas, por criar distinções e categorias de trabalhadores.