O globo, n. 31132, 01/11/2018. País, p. 7

 

Mudanças na estrutura do governo provocam reações prós e contras

Bernardo Mello

Paula Ferreira

Raphael Kapa

01/11/2018

 

 

Enxugamento da máquina é apontado como ponto favorável; eventual esvaziamento de pastas recebe críticas de especialistas

A nova estrutura do governo federal a partir de janeiro, que inclui a extinção de pastas, foi vista com cautela por especialistas e ministros da atual administração. Parte entende que o enxugamento da máquina é positiva, mas há também um temor pelo esvaziamento de pastas que serão fundidas.

Uma das mudanças passa pela pasta da Integração Nacional, que vai assumir os ministérios de Cidades e Turismo.

Oded Grajew, ex-assessor do presidente Lula e ex-coordenadorgeraldo programa Cidades Su stent áveis,é“ced opara saber se essa integração será boa ou ruim”:

—A ideia de reduzir o número de ministros para otimiz aramá q ui naé positiva, mas isso vai depender do que vier pela frente, do tipo das pessoas que serão colocadas — disse. —É preciso que o ministro tenha conhecimento de questões territoriais, capacidade de gestão e implementação, e também que tenha essa visão social, humanista, de que os recursos devem ser destinados para reduzir desigualdades.

Já Kátia Dr agerMaia,di retora-executiva da OxfamBr asil, organização que desenvolve ações contra desigualdades sociais, afirma que afusão não garante maior eficiência.

— É meio assustador ver propostas de tantas fusões sem ter o desenho claro do que isso significa. O Ministério das Cidades tem um papel social fundamental para os centros urbanos. Misturá-loa outras pastas não garante maior eficiência, tampouco atende necessidades de programas tão importantes como o Minha Casa, Minha Vida —disse.

Educadores reagem

As mudanças na área de educação também provocaram reações. Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe/FGV), vê pontos positivos e negativos:

— O primeiro, positivo, é que o debate sobre a universidade estar com Ciência eTec no logiaé antigo e pode fortalecer a pesquisa e produção de conhecimento no ensino superior. Pode-se ter um MEC voltado para o ensino infantil, fundamental e médio—explica.—Com relação a extinguir o MinC e a pasta de Esportes e colocar com o MEC, não acho adequado. São áreas que fazem sentido com educação, mas não são só isso. Esporte não é só educação física .

Na opinião de Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, além da junção de pastas influenciar na redução da importância dessas áreas, a saída do ensino superior para a Ciência e Tecnologia pode acabar tendo reflexos na própria educação básica.

— O ensino superior tem um papel primordial na formação dos profissionais da educação básica. À medida ques e diminui aforçado ensino superior enquanto departamento do M EC, a própria formação do magistério fica completamente prejudicada —analisa Pellanda.

Em viagem aos Emirados Árabes, onde participa de uma feira agrícola, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, lamentou uma eventual união de Agricultura e Meio Ambiente. Para o ministro, a fusão trará prejuízos ao agronegócio brasileiro, muito cobrado pela Europa em relação à preservação do meio ambiente.

— Como um ministro da Agricultura vai opinar sobre um campo de petróleo ou exploração de minérios?

Já o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, em nota, disse que vê com “surpresa e preocupação” a possível mudança: “O novo ministério teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas. A economia nacional sofreria, especialmente o agronegócio, diante de uma possível retaliação comercial por parte dos países importadores.”

O atual ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, se manifestou favorável, mas fez uma ressalva: o ideal seria afusão com o turismo, e não educação. Em nota, disseque esteéo“modelo institucional mais avançado ”, adotado em vários países

“O modelo institucional mais avançado existente hoje no mundo para a gestão de uma política cultural contemporânea —que deve combinara preservação do patrimônio material e imaterial, o desenvolvimento da economia criativa, a afirmação simbólica do país, a proteção dos direitos autorais e da propriedade intelectual, a profissionalização setorial, o fomento às artes e a integração com áreas afins —é oque integra cultura, esporte e turismo; e, não raro, mídia”.

Ao analisar afusão do Min Ccoma Educação, oex-ministro da Cultura e deputado federal eleito Marcelo Calero (PPS) não critica as mudanças, mas alerta para o risco do uso ideológico da Cultura:

— A área passou por um processo de demonização por uma série de meias-verdades, é hora de estabelecer mais diálogo. Acultura não pode ser vista como setor ideológico.

Já o cineasta Cacá Diegues teme pelo esvaziamento.

— Não entendo onde pode estar a eficácia de juntar essas três atividades tão distintas num só ministério. Só temo que, dentro desse novo esquema de administração, acultura seja relegada a segundo plano—questionou.