O globo, n. 31132, 01/11/2018. País, p. 9

 

STF: Ministros exaltam liberdade de manifestação

André de Souza

Carolina Brígido

01/11/2018

 

 

Por unanimidade, tribunal manteve decisão provisória de Cármen Lúcia, que havia suspendido operações policiais em universidades, determinadas por juízes eleitorais. Para relatora, medida é ‘inaceitável’

Por unanimidade, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a decisão liminar da ministra Cármen Lúcia suspendendo os efeitos de atos de fiscais eleitorais que entra ramem várias universidades e impediram manifestações políticas.

Os fiscais cumpriam ordem de juízes eleitorais que entenderam se tratar de propaganda eleitoral irregular. Também estão suspensas decisões determinando o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de professores e alunos universitários.

Na sessão, Cármen Lúcia disse que atos limitando a liberdade de ensinar, aprender e se expressar em ambiente acadêmico são mais graves ainda quando partem da Justiça. E afirmou que impedir ou dificultara manifestação de diferentes pensamento séc ontrárioà democracia.

— Não há direito democrático sem respeito às liberdades, não há pluralismo na unanimidade, pelo que contrapor-se ao diferente eà livre manifestação de todas as formas de pensar, de aprender, aprender e manifestar uma compreensão do mundo é algemar liberdades, destruir o direito e exterminara democracia.

—Impor-se a unanimidade universitária, impedindo ou dificultando a manifestação plural de pensamento, é trancara universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores. A única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana, e tirania é o exato contrário da democracia —disse Cármen Lúcia.

Limites da lei

Segundo a ministra, “sendo práticas determinadas por agentes estatais, juízes ou policiais, são mais inaceitáveis”.

— Porque o principio da legalidade também foi confrontado aqui. Diferentemente do espaço de liberdade individual, que somente esbarra nos limites da lei, o Estado e seus agentes só podem atuar de acordo com o que é legalmente deferido.

—E não há lei válida a autorizar o garrote das liberdades, menos ainda a de pensar, de se expressar, seja ela em qualquer fora, de ensinar e aprender, de criar, porque sem isso o ser humano não teria todo o espaço para que ele pudesse se transformar e crescer —completou a ministra.

Acompanharam Cármen Lúcia os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Não participaram do julgamento os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio Mello.

— Se um professor, o expositor quer falar sobre o fascismo, o comunismo, o nazismo, ele tem o direito de falar. E os alunos, as pessoas têm direito de escutar e realizar um juízo crítico e eventualmente repudiar aquilo que está sendo dito —argumentou de Moraes.

Para o ministro, “não é a autoridade pública que vai fazer um filtro paternalista e antidemocrático”.

— As decisões judiciais exorbitaram a constitucionalidade, feriram a liberdade de expressão que garante o pluralismo político, a troca de ideias, o exercício dos direitos políticos. Mais grave isso ter sido feito nas universidades. Em qualquer outro lugar feriria a liberdade de reunião, direitos políticos. Mas na universidade feriu local de ensino, troca de ideias, liberdade de cátedra. Nós, professores, sabemos a importância da liberdade de cátedra. Não há ensino se o professor não puder expor suas ideias — completou Moraes.

Celso e Lewandowski chegaram a citar uma frase de Karl Marx, principal pensador do socialismo: “A história se repete. A primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

Censura

Celso também mencionou o caso de um reitor espanhol que, durante a Guerra Civil em seu país, se posicionou contra o fascismo. Ele destacou ainda que a Constituição está acima de todas as autoridades do país, e disse não ser possível voltar aos tempos sombrios da censura.

— Regimes democráticos não convivem com prática de intolerância ou comportamentos de ódio. Grupos minoritários têm legítimo direito de oposição, uma vez que os grupos vencidos no processo eleitoral têm expresso mandato para oporse. A voz da oposição não pode jamais ser silenciada —disse Celso de Mello.

Gilmar Mendes sugeriu que fosse incluída na decisão a proibição de manifestações como a da deputada estadual eleita Ana Carolina Campagnolo (PSL), de Santa Catarina, que conclamou estudantes a fazerem vídeos de professores que estariam “doutrinando” alunos. Para ele, essa atitude cria nas universidades “patrulhas com ameaças à liberdade de cátedra”. A proposta não recebeu o aval do plenário, porque não estava no processo em julgamento.

Responsabilidade

Ele também lembrou que, em 1977, durante a ditadura militar, a polícia invadiu a Universidade de Brasília (UnB) e prendeu alunos e professores com base na Lei de Segurança Nacional. O ministro ressaltou que, na época atual, a magistratura tem grande responsabilidade.

— É inadmissível que justamente num ambiente em que deveria imperar o livre debate de ideias se proponha um policiamento político ideológico da rotina acadêmica —disse Gilmar.

Barroso disse que as decisões dos juízes eleitorais confundiram liberdade de expressão com propaganda eleitora leque“pensamento únicoéparadit adores ”. Ele também lembrou a ditadura militar, quando houve censura.

— Nós não consideramos razoável ou legítimo cenas de policiais irrompendo em salas de aula para impedira realização de palestras ou retirada de faixas que remetem a manifestação de alunos, cenas como a apreensão de computadores. São atos autoritários e incompatíveis com o país que conseguimos criar felizmente e remetem a um passado que não queremos que volte —disse Barroso.

— Em nome da religião, da segurança pública, do anticomunismo, da moral, da família, dos bons costumes ou outros pretextos, a história brasileira na matéria tem sido assinalada pela intolerância, pela perseguição e pelo cerceamento da liberdade — completou o ministro.

“A única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana”

Cármen Lúcia, relatora

“As decisões exorbitaram a constitucionalidade, feriram a liberdade de expressão que garante o pluralismo político, a troca de ideias, o exercício dos direitos políticos”

Alexandre de Moraes, ministro do STF

“Grupos minoritários têm direito de oposição, uma vez que os grupos vencidos no processo eleitoral têm expresso mandato para opor-se. A voz da oposição não pode jamais ser silenciada”

Celso de Mello, ministro do STF

“É inadmissível que num ambiente em que deveria imperar o livre debate se proponha um policiamento político ideológico da rotina acadêmica”

Gilmar Mendes, ministro do STF