O globo, n. 31132, 01/11/2018. Economia, p. 19

 

Entrevista - Delfim Netto: ‘Não há razão para não dar certo’

Delfim Netto

João Sorima Neto

01/11/2018

 

 

Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento dos governos militares, Delfim Netto acredita que o superministério da Economia pode dar certo. Para isso, será necessária habilidade de Paulo Guedes para coordenar políticas. Guedes, inclusive, terá mais poder que o próprio Delfim, já que a nova pasta agrupará três ministérios.

Que avaliação o senhor faz do superministério da Economia do governo Bolsonaro?

Não há razão para supor que não possa dar certo. Trata-se de um experimento que envolve risco por reunir três ministérios importantes, o que exigirá do titular da pasta habilidade para que haja políticas coordenadas entre quem prepara o Orçamento e quem o executa. Isso será saudável. É prematuro fazer qualquer tipo de crítica.

Como deve ser a estrutura desse superministério?

Imagino que Paulo Guedes será o grande coordenador desse modelo escolhido para tocar a política econômica. Mas acredito que ele terá secretários executivos para cada uma das áreas, uma espécie de vice-ministro. Trata-se de uma experiência possível, mas será preciso uma cooperação muito maior entre as três pastas. Será impossível que o Ministério da Indústria, por exemplo, faça uma política sem estar em coordenação com as demais pastas.

A Casa Civil pode se fortalecer nesse modelo?

Não acredito. Acho que a Casa Civil vai continuar funcionando como uma espécie de filtro da política econômica a ser executada.

E o que ocorrerá com órgãos como o Conselho Monetário Nacional, cujas decisões têm um voto da Fazenda, um do Planejamento e outro do BC?

Nesse modelo, o CMN não faz mais sentido nas decisões de política monetária. Acho que esses instrumentos como o CMN tinham pouca eficácia. É saudável que se busquem instrumentos novos.

O senhor acredita que, nesse cenário, Paulo Guedes torna-se o grande fiador do governo?

Paulo Guedes será o comandante desse ministério, mas quem vai decidir a política econômica é o presidente. Se as coisas estiverem funcionando entre os secretários executivos, ótimo. Não vejo uma possível saída de Paulo Guedes do governo, no futuro, como algo desastroso.

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O tamanho do desafio do superministério

Martha Beck

Geralda Doca

João Sorima Neto

01/11/2018

 

 

 Recorte capturado

 

 

Pasta facilitará gestão de despesas, mas concentrará decisões que vão da casa própria ao cartão de crédito

A criação do superministério da Economia — que reunirá Fazenda, Planejamento e Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) — deve permitir uma gestão mais eficiente das despesas públicas, mas vai concentrar um grande volume de decisões numa única pasta. Essa éa avaliação de especialistas, integrantes do governo Temere até economistas que participaram da campanha do presidente eleito, Jair ouvidos pelo GLOBO.

De acordo com técnicos da área econômica, em alguns aspectos, faz sentido unificar áreas da Fazenda e do Planejamento. Por exemplo, ao ter em suas mãos o Tesouro Nacional (hoje na Fazenda) e a Secretaria de Orçamento Federal (SOF, hoje no Planejamento), o superministro escolhido por Bolsonaro, Paulo Guedes, poderá, por exemplo, tornar mais fácil a execução do ajuste fiscal.

Hoje as despesas federais são liberadas pelo Planejamento, mas pagas pela Fazenda, via Tesouro Nacional. Com isso, a Fazenda faz uma espécie de controle de boca do caixa para gastos que muitas vezes não estão afinados com seu objetivo fiscal, mas que já receberam sinal verde de outra pasta. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles chegou a propor a transferência da SOF para o Tesouro, mas a ideia não avançou.

O peso do voto de Guedes

Por outro lado, no modelo atual, apressão pela liberação de gastos também recai sobre os outros ministros. Com tudo centralizado, o foco será todo no comandante da economia. Ele também será quem vai receberas pressões do setor produtivo, que hoje são direcionadas ao Ministério da Indústria. Anova pasta vai ficar exposta a lobbies por concessão de incentivos e benefícios fiscais.

Também será preciso discutir o papel de órgãos colegiados que hoje têm a participação dos ministros da Fazenda, Planejamento e Indústria. Umexemploéo Conselho Monetário Nacional (CMN). É nele que são tomadas decisões que afetam o dia a dia do brasileiro: das regras do cartão de crédito ao limite de uso do FGTS para a compra da casa própria. O conselho é formado por Fazenda, Planejamento e Banco Central. Guedes passaria a ter dois votos nas decisões.

A Camex, por sua vez, tem a participação de Fazenda, Planejamento e Indústria. Ou seja, a palavra de Guedes valeria por três. A Camex define políticas de ajustes em impostos de importação para estimular produtos necessários no mercado brasileiro ou proteger o mercado nacional de itens estrangeiros.

Até economistas da equipe de Guedes defendiam que o Planejamento continuasse à parte, porque a nova estrutura ficará “muito pesada”. Terá que passar a cuidar, por exemplo, de patrimônio público e de pessoal.

Combate ao 'lobby'

Para o economista José Márcio Camargo, extinguir o Ministério da Indústria é positivo porque a pasta é “protecionista” e responde aos pedidos da indústria:

—Ninguém consegue abrir a economia brasileira devido a esse lobby. Com a junção com a Fazenda, esse lobby pode ser combatido e diluído.

Para o pesquisador do Ibre/ FGV José Roberto Afonso, a imagem de um superministro pode funcionar durante a campanha, mas, na prática, a situação é outra:

—Chamar o posto Ipiranga funciona na propaganda e no debate eleitoral, mas não funciona na hora de se governar a economia, ainda mais quando ela está em profunda crise. Num país da dimensão do Brasil, não existe um só posto, nem uma só rede. O desafio é colocar para funcionar todos os postos, de todas as redes.

Guedes terá sob sua batuta a secretaria de gestão das empresas estatais, além de ter vinculados a sua pasta os principais bancos públicos —Caixa, Banco do Brasil e BNDES. Segundo os integrantes do governo, será preciso ver como esse poder todo vai se refletir no restante do governo, especialmente na relação com as Forças Armadas.

Os militares, que serão fortes no governo Bolsonaro, devem comandar as pastas de infraestrutura, como Minas e Energia e Transportes. Assim, as maiores estatais do país — Petrobras eEletrobr as—poderiam ficara cargo de militares. Segundo um técnico, será preciso acompanhar para ver se não haverá queda de braço.

Para o ex-presidente do BC e sócio da Consultoria Tendências, Gustavo Loyola, o superministério pode funcionar bem se houver coordenação entre as três pastas que passarão a integrá-lo, especialmente ada Indústria:

—Tudo vai depender da gestão de Paulo Guedes.

Para Loyola, a Casa Civil poderia ganhar mais peso e até mesmo ser um contraponto ao superministério:

—Pelo que entendi, a Casa Civil não terá uma função meramente administrativa, mas também ade fazer a coordenação política do governo. Também será um super ministério. Nesse sentido, a Casa Civil terá a função de viabilizara agenda do governo no Congresso. Isso vai gerar um contraponto e discussão e, certamente, o presidente terá que arbitrar.

Perguntada sobre a criação do superministério, a diretora de Ratings Soberanos da S&P, Lisa Schineller, disse que a agência não tem visão específica sobre o formato, mas acompanhará as políticas adotadas:

—Vamos observar os resultados das iniciativas que foram tomadas. Vamos olhar o cenário completo, o que é importante para o rating — disse, em referência à nota de crédito do país.