Título: Fuja do mico
Autor: Dangelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 09/07/2012, Economia, p. 8

Fóruns de pequenos investidores insuflam a compra de ações de empresas quebradas que sobem muito e caem mais ainda, deixando rastro de prejuízos

Na última década, a Bolsa de Valores brasileira cultivou um grupo especial de pequenos investidores que aplicam muito dinheiro em papéis de alto risco em busca de ganhos elevados em pouco tempo. Já receberam até um apelido — "miqueiros"— e as ações em que botam as economias são conhecidas como "micos". Esses papéis chegam a valorizar 1.000% em dias ou semanas. Mas também despencam vertiginosamente mais rápido ainda, podendo perder até 80% e 90% do seu valor.

São ações de empresas em sérias dificuldades financeiras, em processo de falência ou em recuperação judicial, de baixa liquidez, ou seja, com poucos negócios realizados no pregão, e que valem, em geral, centavos. Mas elas exercem um atrativo quase que irresistível sobre milhares de investidores: têm altas fortíssimas em alguns dias, despertando a cobiça de quem pensa aproveitar a "onda" e encher o bolso da noite para o dia.

No mercado, ninguém sabe ao certo a razão do termo mico, mas o provável é que venha do jogo de baralho infantil, em que o jogador tem que juntar os pares de figuras iguais e não morrer com a do mico (que é uma só) na mão. Mas a certeza é de que esses papéis são de alto risco e, devido ao baixo volume de negócios e às fortes desvalorizações repentinas, o investidor pode ficar com o mico na mão por falta de comprador, com quase nenhuma chance de recuperar o dinheiro aplicado pelo resto da vida.

Mesmo sabendo isso, a possibilidade de ganhar 200%, 300% ou 1.000% num tempo curto faz com que muitos se aventurem nesses papéis. O resultado é que pequenos investidores têm amargado prejuízos que chegam a ultrapassar a casa dos R$ 100 mil. Os fóruns de investidores de todas as corretoras, uns mais, outro menos, estão abarrotados de casos de pessoas que colocaram todas as suas economias, e também de familiares, nesses papéis.

"Isso não é investimento. É uma aposta. É fazer da bolsa um cassino", afirma João Pessine Neto, consultor da Ativa Corretora em Brasília. Ele explica que esses micos são alvos frequentes de uma estratégia chamada, "pump and dump", que significa inflar e largar. A prática consiste na propagação de informações não oficiais por meio, principalmente, de fóruns de discussão de investidores e outras mídias eletrônicas, como e-mails, a fim de elevar a demanda por esses papéis, diz Pessine.

"Essa divulgação pode ser feita por um grupo organizado ou não", explica o consultor da Ativa. Após a subida forte, esses manipuladores desovam os papéis provocando a queda vertiginosa. Centenas de investidores ficam com o papel derretendo na mão.

"A verdade é que a maioria dos que operam com esses papéis é de garotos que pegam esses lixos e criam factoides em cima, do tipo a empresa vai ser vendida. Aí o papel sobe horrores. Como não foi nem será vendida, a ação despenca e eles devolvem o ganho todo. São sempre os mesmos papéis, com a tal da dica, do bizu. Ficam criando historinhas em cima dos miquinhos, a tal da informação privilegiada, que é furada", resume o diretor da XP Investimentos, Kleber Hollinger. Normalmente, essas pessoas perdem dinheiro. Toda vez é a mesma coisa. Estou muito velho para isso", comenta Hollinger.

Bola da vez De tempos em tempos, surge o papel da vez, mas alguns são recorrentes, como os da falida empresa familiar JB Duarte, que valem centavinhos há décadas na Bovespa, da fabricante de brinquedos Tec Toy, que existe desde 1944, e os casos mais recentes, como o da Agrenco, de agronegócios, e o da Mundial, que fabrica alicates de unha e talheres. As ações da Agrenco, que chegaram a R$ 10,4 em 2007, despencaram para R$ 0,11 em 2008. Retornaram a R$ 4 um ano e meio depois, em janeiro de 2010, e, agora, estão valendo R$ 0,25. Um de seus dirigentes é investigado pela Polícia Federal.

Por falta de fundamento consistente sobre a situação da empresa que justifique a disparada da cotação, o preço dessas ações nunca fica no pico atingido, mesmo com a bolsa em tendência de alta, observa o economista-chefe da Elite Corretora, Pedro Paulo Silveira. É quando ela desce a ladeira em ritmo acelerado. E quem comprou lá no alto fica com o mico na mão, amargando um prejuízo difícil de recuperar, ressalta ele. "Por isso, não são papéis recomendados", diz.

A CVM informou que os "investidores são livres para expressar suas opiniões, inclusive por meio de fóruns de discussão", e que "não inibe esses debates". Assegurou, no entanto, que, sempre que há indícios de ilícitos administrativos, inclusive de manipulação do mercado, a CVM adota todas as providências de apuração cabíveis. Mas não informou se já foi aplicada alguma punição.

Indiciamento Um dos casos mais escandalosos ocorridos recentemente de disparada e de queda decorrente de especulação foi com as ações da Mundial (MNDL4 e MNDL3). A Polícia Federal investigou a farra e indiciou quatro pessoas por fraude financeira, entre elas, o presidente do grupo. Dessa vez, não foram os usuários dos fóruns que iniciaram o oba-oba de que o papel "vai bombar". De acordo com o relatório da PF, foram dirigentes e profissionais contratados pela empresa os responsáveis por plantar informações no mercado sobre a possível reestruturação da companhia para inflar seus preços.

Depois de amargar anos valendo centavos, as ações subiram 2.950% entre fevereiro e julho de 2011, enquanto o Ibovespa estava no negativo. Hoje, o papel, que chegou a alcançar R$ 7,55 em julho de 2011, voltou aos R$ 0,18 em que estava antes do que a PF classifica de fraude.