O Estado de São Paulo, n. 45670, 01/11/2018. Internacional, p. A14

 

Trump usa máquina do governo para ajudar aliados republicanos na eleição

01/11/2018

 

 

Influência. Sinal mais claro da ação do presidente americano é o envio de tropas para a fronteira dos EUA com o México para impedir a entrada da caravana de imigrantes; tema está sendo usado para motivar eleitores de sua base a irem às urnas na terça-feira

 

O presidente dos EUA, Donald Trump, tem usado a máquina do governo para ajudar a impulsionar candidatos republicanos nas eleições de terça-feira. Em jogo nas urnas está o controle da Câmara dos Deputados e do Senado. Caso perca a maioria, Trump teria dificuldades para aprovar projetos e nomes para cargos importantes. Um Congresso hostil também aumentaria o poder de investigação sobre ações da Casa Branca.

O sinal mais claro do uso da máquina federal é o envio de tropas para a fronteira dos EUA com o México. Na semana passada, ele anunciou o envio de 800 soldados para conter a caravana de imigrantes que avança pelo território mexicano em direção ao país. No fim de semana, ele prometeu enviar mais 5,2 mil soldados para a região. Ontem, ele afirmou que o número de militares pode chegar a 15 mil.

O objetivo de Trump é motivar os republicanos a comparecerem às urnas na semana que vem. Como o voto não é obrigatório nos EUA, ambos os partidos costumam usar temas controvertidos para tirar seus eleitores de casa no dia da eleição. A legalização da maconha, por exemplo, é uma proposta bastante usada para aumentar o comparecimento.

Nestas eleições, Trump escolheu a imigração para inflamar sua base. Na terça-feira, ele prometeu emitir um decreto acabando com a cidadania por nascimento nos EUA, o que só poderia ser feito com uma emenda constitucional, que exige maioria qualificada de dois terços nas duas Casas do Congresso.

Recentemente, o presidente experimentou – sem sucesso – outras propostas. Prometeu baratear os remédios do Medicare, sistema público de saúde para pessoas com mais de 65 anos. Trump também sugeriu um corte de 10% de imposto para a classe média. No entanto, nada obteve tanto sucesso quanto a imigração.

“Este é o maior uso da máquina pública para influenciar uma eleição que eu já vi”, disse William Galston, do Brookings Institution. “Trump está apertando todos os botões do console e mobilizando todo o poder do governo federal em nome da campanha de seu partido.”

Nos últimos dias, Trump tem dito que as caravanas de imigrantes que avançam em direção aos EUA representam uma “invasão” do país por refugiados da América Central, que se misturam a gangues e até “pessoas do Oriente Médio” – embora ninguém tenha encontrado evidências que comprovem a alegação do presidente.

Dentro da Casa Branca, assessores próximos negam o uso da máquina do governo. Eles argumentam que as medidas anti-imigração e a ajuda aos candidatos republicanos é apenas uma coincidência. Na terça-feira, o vice-presidente Mike Pence disse que o envio de tropas não é uma manobra política, mas uma resposta à “crise na fronteira”. “O presidente quer apenas garantir a segurança dos EUA”, disse Pence.

Para Sam Nunberg, ex-assessor de Trump, as medidas do presidente são um movimento político inteligente. “A imagem de tropas na fronteira e a promessa de que nenhum imigrante entrará ilegalmente no país colocou o tema no topo da agenda política e aumentará a participação de republicanos na eleição”, disse Nunberg.

Trump tem seguido à risca seu roteiro anti-imigração. “Não podemos deixar as pessoas invadirem nosso país”, disse o presidente no sábado, em comício em Illinois. “Vocês viram a caravana? Como podemos receber todo mundo? E algumas dessas pessoas não são o tipo de gente que queremos.”

“A imigração é uma questão importante”, disse David Winston, consultor republicano. “Trump acredita que este tema foi fundamental para ele vencer as prévias do partido e ele se sente à vontade falando sobre isso.”

Jennifer Duffy, editora do site Cook Political Report, também se diz impressionada com a retórica agressiva do presidente. “O medo é uma emoção muito poderosa”, disse. “Existe desvantagem? Em termos de política, sim. Mas, politicamente, não.”

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Na caravana de imigrantes, crianças são mais vulneráveis

01/11/2018

 

 

Muitas são bebês de apenas alguns meses, outras estão viajando sozinhas em meio à multidão ou com irmãos

Os meninos deixaram Honduras e partiram atrás da caravana de imigrantes que tinham visto na TV. Um deles disse à mãe que iria ao treino de futebol. O outro escapou no meio da noite. Disseram que se encontraram no meio da multidão com a qual seguiram para uma pequena cidade no sul do México. Apesar de uma infecção na garganta e da febre, Isaac Reyes Enamorado estava determinado. “Nunca pensei em voltar”, disse o garoto de 12 anos, na praça central de Tapanatepec.

Duas quadras adiante, Javier Flores Maldonado estava deitado em um tapete de ioga. Poucos dias antes, o menino de 16 anos soube que sua mãe ficou doente ao saber que ele não tinha ido ao treino, mas estava na caravana seguindo para os EUA. Agora sua família quer que ele volte.

Havia cerca de 2,3 mil crianças entre os 9,3 mil membros da caravana quando ela entrou no México, no dia 19, de acordo com o Unicef. Essas crianças são os imigrantes mais vulneráveis entre os que buscam asilo: alguns têm somente alguns meses e dormem em carrinhos, cujas rodas já estão se desmanchando após semanas na estrada. Outras viajam sozinhas ou com irmãos.

O maior perigo é para as que estão desacompanhadas. Se conseguirem chegar à fronteira entre o México e os EUA serão parte dos mais 250 mil menores que cruzaram sozinhos nos últimos cinco anos, a maioria fugindo da violência de gangues e da pobreza na América Central.

Javier agora enfrenta uma escolha: abandonar seu sonho de uma vida melhor nos EUA ou machucar o coração de sua mãe. No fim, acabou pegando um ônibus com outros 80 imigrantes para voltar para casa, mas já tinha tomado uma decisão: assim que economizasse dinheiro suficiente tentaria ir de novo para os EUA, desta vez com um “coiote”. “Assim, minha mãe saberá que estou seguro”, disse.