O Estado de São Paulo, n. 45705, 06/12/2018. Política, p. A10

 

Lava jato apura se 1° delator omitiu dados

Julia Affonso, Ricardo Brandt e Fausto Macedo

06/12/2018

 

 

Para investigadores, Paulo Roberto Costa não citou esquema de pagamento de propinas investigado na 57ª fase da operação; defesa nega

Ex-diretor. Desde outubro do ano passado, Costa passou a cumprir pena em regime aberto

A força-tarefa da Lava Jato apura se o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, o primeiro delator da investigação, omitiu fatos relativos ao esquema de corrupção e cartel na estatal. Na 57.ª fase, deflagrada ontem e batizada de Sem Limites, a operação investiga gigantes do mercado internacional de petróleo por suspeita de pagamento de propinas milionárias a executivos da Petrobrás em troca de vantagens na aquisição de derivados. “O curioso é que o Paulo Roberto Costa não narrou esse esquema no momento da sua colaboração”, disse o delegado da Polícia Federal Filipe Hille Pacce.

Segundo o delegado, se houver indícios de que Paulo Roberto Costa fez “omissões dolosas” em sua colaboração, ele poderá ser ouvido novamente e, se confirmados, o ex-diretor pode ser alvo de novas sanções. “É uma questão que vai ser objeto de diligência aqui nesta investigação”, completou o delegado.

“Eventualmente, se caracterizada a omissão dolosa em relação a esse ponto, ele perde os benefícios do acordo”, afirmou o procurador da República Athayde Ribeiro Costa. “Isso será apurado, aprofundado nas investigações e as medidas, se necessárias, serão adotadas.”

Em nota, o advogado João Mestieri, que defende o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, afirmou que “o sr. Paulo Roberto Costa narrou de forma ampla e irrestrita todos os fatos dos quais teve conhecimento, sendo inquestionável a total eficácia da sua colaboração”.

Paulo Roberto Costa chefiou a diretoria de Abastecimento entre 2004 e 2012. Em março de 2014, quando a Lava Jato saiu às ruas pela primeira vez, ele foi preso por ordem do então juiz federal Sérgio Moro. Os investigadores descobriram US$ 23 milhões de Costa em contas na Suíça. Em agosto de 2014, ele firmou acordo de colaboração e revelou informações que ajudaram a desbaratar o esquema de lavagem de dinheiro e corrupção na Petrobrás, além de apontar nomes de deputados e senadores que teriam recebido propina.

O ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás ficou preso em Curitiba até outubro de 2015, quando passou para regime semiaberto, com uso obrigatório de tornozeleira eletrônica. Desde outubro do ano passado, ele passou a cumprir o restante dos seus 17 anos de pena em regime aberto e, em novembro, tirou a tornozeleira.

‘Sem Limites’. A 57.ª fase da Lava jato identificou um esquema “estruturado e atuante” na área de trading da Petrobrás, setor onde são realizados os negócios de compra e venda de petróleo e derivados para ou da estatal por empresas estrangeiras. Os investigadores apontam indícios de irregularidades na realização de negócios de locação de tanques de armazenagem da ou para a Petrobrás pelas mesmas empresas investigadas.

A suspeita é de que, entre 2011 e 2014, as empresas Vitol, Trafigura e Glencore pagaram propinas para intermediários e funcionários da Petrobrás nos montantes, respectivamente, de US$ 5,1 milhões, US$ 6,1 milhões e US$ 4,1 milhões, relacionadas a mais de 160 operações de compra e venda de derivados de petróleo e aluguel de tanques para estocagem. A Sem Limites estima um montante total de US$ 31 milhões de pagamento de propinas para funcionários da Petrobrás, entre os anos de 2009 e 2014.

Os investigadores afirmam que os subornos beneficiavam funcionários da gerência executiva de Marketing e Comercialização, subordinada à diretoria de Abastecimento. Segundo o Ministério Público Federal, as operações de trading e de locação que subsidiaram os esquemas de corrupção foram conduzidas pelo escritório da Petrobrás em Houston, nos EUA, e pelo centro de operações no Rio de Janeiro. Ao todo foram cumpridos 26 mandados de busca e apreensão, 11 de prisão preventiva e seis intimações para tomada de depoimentos.

“Foi possível identificar a existência de criminoso esquema operante até meados de 2014, não sendo possível descartar a continuidade do esquema até os dias atuais”, informou a PF em nota.

 

Defesa. Procurada pelo Estado, a Trafigura indicou que “não comenta assuntos legais” e afirmou não ter nada a dizer ao ser questionada se foi alvo de buscas também na Suíça. A Glencore também afirmou que, por enquanto, não teria nada a dizer. Também em nota, a Petrobrás afirmou que “colabora com as autoridades que conduzem a Operação Lava Jato e é reconhecida pelo próprio Ministério Público Federal e pelo Supremo Tribunal como vítima dos crimes desvendados”.

A estatal afirmou ainda que é a maior interessada e, portanto, quer todos fatos esclarecidos. “A companhia seguirá adotando as medidas necessárias para obter a devida reparação dos danos que lhe foram causados.”/ COLABOROU JAMIL CHADE

 

“Se caracterizada a omissão dolosa, ele perde os benefícios do acordo.”

Athayde Ribeiro Costa, procurador da República