Título: União Europeia cobra ação do Irã
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Fonte: Correio Braziliense, 30/06/2012, Mundo, p. 25

Subsecretária-geral para Assuntos Políticos do Serviço Exterior do bloco alerta para o risco de corrida armamentista, admite falta de progresso no diálogo com Teerã e elogia o Brasil Renata Tranches

Uma das principais envolvidas nas negociações entre Irã e potências mundiais sobre o programa nuclear persa, a subsecretária-geral para Assuntos Políticos do Serviço Exterior da União Europeia (UE), Helga Schmid, esteve ontem em Brasília e admitiu preocupação com o comprometimento de Teerã. Em entrevista exclusiva ao Correio, Schmid afirmou que, caso o regime islâmico não esclareça as dúvidas sobre a natureza de seu programa, há o "risco real de uma corrida armamentista" na região. A diplomata alemã considerou importante o papel do Brasil nesse contexto, mas não apontou para uma participação direta nas negociações — como ocorreu em 2009. Ao destacar a parceria estratégica entre UE e Brasil, Schmid disse que o país e o bloco poderão trabalhar juntos para promover os direitos das mulheres nos países da Primavera Árabe.

Como foi o encontro com as autoridades brasileiras? Tive uma longa e boa conversa com o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, o principal objetivo da minha visita. O Brasil é um parceiro estratégico da União Europeia. Temos diálogos em diversos níveis e setores. A visita dá sequência às conversações mantidas pela Alta Representante para Relações Exteriores e Política de Segurança da UE, Catherine Ashton, que esteve aqui em fevereiro. O diálogo estratégico é mantido, pelo lado brasileiro, pela subsecretária de Assuntos Políticos do Itamaraty, Vera Machado.

Quais os principais temas da agenda com o Brasil?

Abordamos os principais temas internacionais, como o Irã, entre outros. A UE lidera as negociações entre o Irã e o grupo formado por China, EUA, Rússia, França, Reino Unido (membros permanentes do Conselho de Segurança) e Alemanha. Trocamos análises sobre a Síria; a Primavera Árabe, em geral; o Oriente Médio; além de temas econômicos.

Uma reunião técnica sobre o Irã será realizada em Istambul (Turquia), em 4 de julho. Brasil e Turquia trabalharam, em 2009, por um acordo sobre o enriquecimento de urânio. O Brasil pode vir a participar novamente nas conversações com o Irã?

A UE está liderando essas novas conversações, mas o grupo consiste nesses países que mencionei, que seguem um mandado do Conselho de Segurança da ONU. Esse mandado tem a missão de encontrar uma solução negociada diplomaticamente, a longo prazo, sobre o programa nuclear iraniano. Nossa ambição é encontrar uma saída que ajude a esclarecer as preocupações da comunidade internacional sobre a natureza pacífica do programa iraniano. Houve várias rodadas de conversações, eu tenho estado em contato direto com meu colega brasileiro, o embaixador em Bruxelas, tenho liderado as delegações desses três países europeus e atualizado os parceiros a cada rodada de negociação. É muito importante que a comunidade internacional permaneça unida e transmita a mensagem correta ao Irã. E o Brasil, nessa perspectiva, é muito importante.

Há chance de o Brasil participar mais ativamente como em 2009?

A questão proposta daquela vez cobria apenas um aspecto. O problema é que, agora, o programa iraniano avançou substancialmente, e a questão não está centrada só no enriquecimento de urânio a 20%. A preocupação com relação ao país e à região é sobre o risco real de uma corrida armamentista nuclear no Golfo Pérsico, o que aumentaria as já elevadas tensões nessa área.

E quais são as expectativas para o encontro em Istambul?

Estamos preocupados com a falta de progresso observada nos últimos encontros. Mas, como boa notícia, temos visto o engajamento do Irã. A lacuna, porém, é considerável. Esperamos que o próximo encontro, entre especialistas, ajude a esclarecer aspectos mais técnicos. Mas o que realmente precisamos é de um engajamento mais sério do lado do Irã. Essa foi a mensagem que expressei ao meu colega brasileiro.

Com relação à Síria, como a UE tem lidado com a crise?

Estamos realmente muito preocupados com o banho de sangue. O Conselho Europeu, reunido em Bruxelas, normalmente focado nas questões econômicas, também adotou uma conclusão sobre a Síria, o que mostra o tamanho da preocupação do bloco em relação à crise. Temos emitido apelos urgentes ao governo sírio para que pare com os ataques contra a população civil, mas também para que cesse a violência dos dois lados. Temos apoiado ativamente a missão de observadores da ONU, e somos agradecidos pela presença de brasileiros nela. Infelizmente, a missão teve de ser suspensa por conta da falta de segurança. Apoiamos o plano de seis pontos de Kofi Annan (enviado da ONU) e estamos preparando uma reunião muito importante em Genebra, no sábado (hoje). O encontro tentará implementar o plano de Annan e achar um meio de avançar a transição política na Síria.

A UE teme que o impasse político no Egito e a demora das eleições na Líbia possam afetar de a estabilidade na região?

As situações nos países dentro da Primavera Árabe, claro, são bem diferentes, mas há um futuro comum. Isso leva tempo e um longo caminho. Não estou falando de meses, mas de anos. O mais importante é que houve eleições democráticas e governos legítimos assumindo o poder. Aprendemos nesses últimos eventos que devemos focar e apoiar a sociedade civil, especialmente as mulheres. Ontem, em minhas consultas com os parceiros brasileiros, sugeri que o Brasil e a UE promovam os direitos das mulheres nesses países, tentando ajudá-las a terem acesso ao mercado de trabalho e eliminando impedimentos ilegais para elas. Acredito que seremos capazes de trabalhar juntos.

Como a UE avalia a situação no Paraguai?

Eu vim também para ouvir dos colegas brasileiros sobre isso. Acreditamos na integração regional e vemos o Brasil assumindo a liderança nesse processo. Claro que esperamos que o que for negociado no Mercosul, na visão da UE, não afete as negociações para o acordo de livre comércio.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 30/06/20