Título: Consumo vai além de frango e iogurte
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Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2012, Economia, p. 10

Iogurte no café da manhã, frango no almoço e sorriso bonito no rosto. Símbolos do Plano Real, os dois alimentos mais a dentadura entraram para a história brasileira como representantes de uma nova era do país: a da estabilidade econômica, que permitiria o acesso dos mais pobres a bens antes impensáveis. Produtos de elite por causa dos preços altos e aspiração de consumo dos trabalhadores de renda mais baixa em 1994, o frango e o iogurte chegaram fartamente à mesa da classe C e D nesses 18 anos do Real.

No embalo da preservação do poder aquisitivo dos salários, as famílias brasileiras agregaram outros produtos então considerados de luxo à mesa, como os queijos. De 1994 para cá, a cesta de mercadorias foi ficando cada vez mais diversificada. Entraram materiais de construção e TV LCD. %u201CHoje, o sonho de consumo é o carro 1.0%u201D, diz o economista Simão Silber, professor da Universidade São Paulo (USP).

O frango estreou na nova moeda, em julho de 1994, custando menos de R$1 o quilo. Desde então, ficou 385% mais caro e vale R$ 4,85. A bandeja de seis unidades de iogurte saía por um R$ 1 e pouco. Hoje, graças à concorrência, é possível encontrar em promoção a R$ 2. Fora das ofertas, chega a R$ 3,50. Ainda assim, são 140% de alta, abaixo da inflação geral dos 18 anos do Plano Real, de 305,9%. No caso da dentadura, o salto foi bem maior: de R$ 456, em média, para R$ 1,4 mil %u2014 aumento de 398%.

Dados da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) mostram que o crescimento da demanda por frango e iogurte nos 18 anos do Real foi bem parecido, de 188% e 198%, respectivamente, muito acima do avanço do Produto Interno Bruto (PIB), de 68,4%. Por ser mais caro, o queijo teve uma procura menor, mas ainda assim expressiva: 94,5%. %u201CGraças a estabilidade, que permitiu a elevação da renda, o salto no consumo foi substancial%u201D, constata o diretor do Departamento de Economia e Estatística da Abia, Dênis Ribeiro. E isso, no seu entender, pode ser medido pela alta PIB per capita, de 35,4%, ante o crescimento populacional, de 25%.

Loucura total

Manter a geladeira cheia e a mesa farta não foram tarefas fáceis para os brasileiros que sentiam no bolso o peso da hiperinflação, domada depois de várias tentativas frustradas. Que o diga a aposentada Rita de Cássia Barbosa, 54 anos. Para garantir a alimentação da família, tinha de pegar o salário e ir imediatamente ao supermercado para encher a despensa. Deixar as compras mensais para o outro dia significaria ter de cortar uma série de itens básicos, porque o dinheiro disponível já não seria mais suficiente para comprar tudo o que precisava. %u201CEra uma loucura. Felizmente, a hiperinflação ficou no passado. Hoje, a situação está bem melhor%u201D, diz. Rita teve a exata dimensão do descontrole no qual a economia estava mergulhada quando recebeu o seu primeiro contracheque na nova moeda, em julho de 1994. Os CR$ 3 milhões viraram R$ 1,2 mil. %u201CFiquei estarrecida%u201D, conta.

A mudança na vida da família da aposentada nesses 18 anos do Real é visível. Com seis celulares, um telefone fixo e internet em casa, seu cunhado, Geraci Batista de Araújo, 60 anos, com quem ela divide uma casa, tem arrepios ao se lembrar do dia em que passou seis horas em uma fila para conseguir uma linha telefônica na Telebrás. %u201CHoje, só não tem telefone quem não quer. E isso é muito bom. Com a melhora econômica desse país, passamos a ter acesso a tudo. Em 1994, já com Plano Real, pude assistir a Copa do Mundo em uma TV de 29 polegadas nova. Para mim, ela foi o grande símbolo da estabilidade do Brasil%u201D, conta Geraci, que trabalha como tabelião.

Desde então, a vida de Geraci foi de conquistas. Ele trocou de carro ao menos cinco vezes. A garagem, que, no início dos anos 1990, abrigava um Fusca, hoje guarda três carros, um deles usado pelas filhas e sobrinhos. Na cozinha dele, há duas geladeiras e, espalhados pelos cômodos de casa, quatro computadores de última geração. %u201CIsso é o que se pode chamar de evolução social. O país mudou, a nossa vida melhorou. É verdade que ainda há muito por fazer, sobretudo para que a inflação nunca mais volte a nos atormentar%u201D, assinala.

Corrida contra o tempo

O executivo de vendas Luiz Antônio Nobre Cardoso, 54 anos, é da mesma opinião. E não tem a menor saudade do tempo em que ir ao supermercado era sinônimo de uma corrida contra o tempo. %u201CAntes do Real, enfrentávamos desabastecimento. Para que não fôssemos surpreendidos, tínhamos que estocar tudo, de alimentos a produtos de limpeza%u201D, relata sua mulher, Heloísa Helena, 42. %u201CNo mínimo, saíamos do supermercados com três carrinhos lotados de compras. Não dava para escolher produtos. Pegávamos o que tinha nas gôndolas com medo de os produtos acabarem e os preços subirem no dia seguinte%u201D, relembra Cardoso.

Hoje, em vez dos três carrinhos mensais de compras, o casal carrega uma cesta com poucas mercadorias na idas semanais ao supermercados, consumindo de acordo com a necessidade. A casa onde moram, antes decorada de forma espartana, abriga itens considerados luxo. %u201CTemos tudo o que precisamos para uma vida digna. Antes, as compras se limitavam ao básico. Agora, não dispensamos nem os supérfluos, doces, biscoitos, iogurtes, bacalhau, refrigerante e produtos importados, antes impensáveis, como vinho. Os churrascos também se tornaram habituais%u201D, enumera Cardoso.

O resultado do consumo maior demanda também é visto na mesa das classes de renda mais baixas. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada de outubro de 1995 a setembro de 1996, constatou que o frango estava presente na alimentação de 32% da classe C e de 28% das famílias das faixas D e E. Entre maio de 2008 e maio de 2009, quando foi feita a última POF, 48% da classe C estavam consumindo o alimento. Na D e E, a participação no cardápio aumentou para 34%.

O iogurte também passou a ser consumido com ímpeto pelos pobres. No início do Real, basicamente era produto da classe A e B, menos numerosa, que ficava com 66% da demanda. Apenas 22% da classe C e 13% da D e E compravam o alimento. Isso inverteu-se em 2008 e em 2009. Os mais de dois terços do consumo do iogurte passaram a ser das famílias de renda mais baixas, mais numerosas, com a classe C mais que dobrando a demanda, 48%. Na D e E, o índice foi para 20%.

Impressionante também foi a mudança no perfil do consumo de queijos. Entre 1995 e 1996, 72% das vendas eram para as classes mais altas. O produto estava presente na mesa de apenas 28% das pessoas das faixas de renda mais baixas, das quais 16% eram da C e 12% da D e E. Em 2008, 46% do consumo passou a ser da classe C e 15% da D e E. %u201CEram produtos caros que as classes de menor renda não tinham acesso. Quando a moeda foi estabilizada e houve o aumento do poder de compra dessa parcela da sociedade, a procura aumentou%u201D, observa Dênis Ribeiro, da Abia.

Antes do Real, enfrentávamos desabastecimento. Para que não fôssemos surpreendidos, tínhamos que estocar tudo, de alimentos a produtos de limpeza Heloísa Helena, ao lado do marido Luiz Antônio

Emprego resiste » PEDRO ROCHA FRANCO » MARINELLA CASTRO

No ano da maioridade do Plano Real, o mercado de trabalho dá mostras de maturidade e, a despeito da crise internacional, o país continua criando vagas com carteira assinada. Bom para o estudante Jafet Henrique Guerra Fagundes, 18 anos, que sequer imagina o estrago provocado na economia por anos de desemprego elevado. Mas, apesar de tantas oportunidades, o jovem não é menos exigido. Pelo contrário. Em busca do sucesso profissional, ele se vê obrigado a preparar-se com afinco antes de procurar o primeiro emprego.

Jafet estuda quase 10 horas por dia %u2014 incluindo as aulas particulares quase obrigatórias de inglês e espanhol %u2014 e pensa primeiro em cursar engenharia civil para depois tentar uma oportunidade numa grande empresa. %u201CHoje é certo que, se você for bom no que faz, uma empresa vai te reconhecer%u201D, afirma. Ele sabe do que fala. %u201CA exigência aumentou. A educação se disseminou muito. Anos atrás, o Brasil tinha uma população universitária bem reduzida%u201D, diz Alexandre Queiroz Guimarães, doutor em economia política e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC- Minas) e da Fundação João Pinheiro.

As taxas de desemprego hoje no Brasil giram em torno de 6%. Para a maior parte dos analistas, o país está próximo do pleno emprego. É justamente aí que reside um do maiores desafios da economia brasileira: aumentar a oferta de profissionais qualificados. A produtividade das empresas é baixa. Corresponde à verificada nos anos de 1960 nos Estados Unidos. Sem melhorar a formação da mão de obra, mesmo tendo uma economia estável, o Brasil dificilmente conseguirá expandir a sua inserção no mercado internacional.