O globo, n. 31138, 07/11/2018. Economia, p. 21

 

'Prensa neles'

Manoel Ventura

Amanda Almeid

Mateus Coutinho

Eduardo Bresciani

Geralda Doca

07/11/2018

 

 

Guedes pressiona, mas Congresso ainda mostra resistência

Na primeira viagem a Brasília após as eleições e a confirmação de que será ministro da Economia de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes defendeu ontem uma “prensa” no Congresso Nacional para aprovar o atual texto da reforma da Previdência até o fim deste ano. A fala gerou reação do presidente do Senado e do Congresso, Eunício Oliveira (MDB-CE), que gargalhou ao tomar conhecimento das declarações do economista.

— O presidente tem os votos populares, e o Congresso, a capacidade de aprovar ou não. A bola está com eles. Prensa neles. Se você perguntar para o futuro ministro, ele está dizendo o seguinte: “prensa neles”. Pede a reforma, pede a reforma. É bom para todo mundo — disse Guedes, antes de se reunir com o atual ministro da Fazenda, Eduardo Guardia.

Eunício considerou a frase do futuro ministro uma demonstração de falta de experiência em relação ao convívio entre os poderes em Brasília.

— Paulo Guedes se expressou mal ou não sabe como funciona o Congresso — disse Eunício.

Idade mínima de 62 anos

O deputado Beto Mansur (MDB-SP), que fez parte da tropa de choque do atual governo na tentativa de aprovar a reforma, disse que a equipe do presidente eleito tem “muitos economistas e poucos políticos”. Segundo ele, Guedes tem de pressionar o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que resiste em pautar a matéria. Ele é candidato à reeleição no cargo e tem evitado tocar no assunto para não se indispor com os partidos da oposição e perder votos.

— Se Rodrigo Maia pautar, a gente vai em busca de votos. Eu defendo a aprovação da reforma da Previdência ainda este ano. Mas acho que Bolsonaro precisa negociar. Se ele pedir, muita gente terá boa vontade em votar —destacou Mansur.

No entanto, ainda há sinais de resistência no Legislativo. Outros parlamentares não mostraram tanto compromisso com a votação da proposta ainda este ano. Rodrigo Maia, por exemplo, não respondeu se estaria disposto a pautar a matéria em 2018. Disse apenas que a chance de briga entre ele e Guedes é zero. Para o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), Guedes se expressou mal:

— Acho que o que ele quis dizer foi que o Congresso tem compromisso com o país. Espírito público é o que se espera dos congressistas.

O superministro da área econômica de Bolsonaro diz que será feita uma “sondagem” entre os parlamentares para verificar se há apoio político para votar a medida, e ressaltou que o presidente eleito não pode ser derrotado no Congresso antes mesmo do início do governo.

— Na minha cabeça hoje tem Previdência, Previdência, Previdência. Por favor, classe política, nos ajude a aprovar a Previdência, nos ajude a fazer isso rápido —pediu Guedes.

Mais cedo, o próprio Bolsonaro defendeu que a reforma da Previdência seja votada ainda este ano, com aprovação de uma idade mínima para aposentadoria. Se não os 65 anos propostos pelo governo Temer, pelo menos 62, que, para o presidente eleito, é um número que passa no Congresso. Para alguns parlamentares, essa ideia pode facilitar a aprovação da proposta.

— Conversei rapidamente com o presidente Temer hoje (ontem) na mesa, amanhã (hoje) vou conversar com ele. O que a gente puder salvar dessa reforma a gente salva. Agora, a reforma não é a que eu quero ou a que a minha equipe econômica quer, é aquela que passa na Câmara e no Senado. A conclusão de todos é que não podemos terminar esse ano sem votarmos — disse Bolsonaro, que se reúne hoje no Palácio do Planalto, e a reforma da Previdência deve ser um dos principais temas.

A proposta enviada pelo governo Temer prevê idade mínima de aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 para homens (para trabalhadores dos setores público e privado), com regra de transição até 2042. O texto foi aprovado em comissão especial na Câmara, mas não chegou a ser analisado no plenário. Se Bolsonaro quiser ir adiante com essa proposta, ele pode negociar a redução da idade mínima por meio de emenda, que seria apresentada durante a votação em plenário e, depois, seguiria para o Senado.

Apesar de defender a votação da proposta de Temer, Guedes afirmou que caberá ao presidente eleito trabalhar com uma “reforma diferente” no ano que vem. Guedes e equipe pretendem apresentar uma proposta que implantaria o regime de capitalização (na qual cada trabalhador faz uma poupança individual que no futuro vai financiar sua aposentadoria) para quem entrar no mercado de trabalho, além de separar as aposentadorias da assistência social.

O economista minimizou a dúvida de Bolsonaro em apoiar a mudança de regimes. Em entrevista na segunda-feira, o presidente eleito disse que tinha desconfiança do novo modelo de capitalização.

— É natural, e a desconfiança não é só dele, é geral da classe política, é muito natural que falem “vamos fazer essa transição com calma”.

“O que a gente puder salvar dessa reforma a gente salva. Agora, a reforma não é a que eu quero ou a que a minha equipe econômica quer, é aquela que passa na Câmara e no Senado. A conclusão de todos é que não podemos terminar esse ano sem votarmos”

Jair Bolsonaro, presidente eleito

“O presidente tem os votos populares, e o Congresso, a capacidade de aprovar ou não. A bola está com eles. Prensa neles. Se você perguntar para o futuro ministro, ele está dizendo o seguinte: ‘prensa neles’. Pede a reforma, pede a reforma. É bom para todo mundo”

Paulo Guedes, futuro ministro da Economia

“Paulo Guedes se expressou mal ou não sabe como funciona o Congresso”

Eunício Oliveira (MDB-CE), presidente do Senado e do Congresso

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IBGE diz que pesquisa segue padrões internacionais

07/11/2018

 

 

Após críticas de Bolsonaro à taxa de desemprego, instituto afirma que levantamento é um dos mais avançados do mundo

Após o presidente eleito, Jair Bolsonaro, classificar a metodologia de cálculo do desemprego como “farsa”, o IBGE divulgou nota destacando que o levantamento segue padrões internacionais. O instituto também esclareceu informações a respeito da pesquisa.

Na entrevista concedida à Band, na segunda-feira, Bolsonaro criticou a forma como é feito o cálculo da taxa de desemprego e acrescentou que é preciso mudar a metodologia da pesquisa para formular uma “taxa de empregados”, e não de desempregados. O presidente eleito também disse que as pessoas que recebem Bolsa Família e seguro-desemprego seriam consideradas empregadas pelo IBGE.

No comunicado, o instituto explicou que receber Bolsa-Família não é critério para ser considerado empregado ou desempregado. “Os beneficiários podem se encontrar em diferentes condições: alguns deles podem estar desempregados, outros trabalhando apenas para consumo próprio, outros fora da força de trabalho e outros, ainda, desalentados”, afirmou a nota.

No texto, o IBGE destacou que o levantamento “é uma das pesquisas mais avançadas do mundo, que segue as recomendações dos organismos de cooperação internacional, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT)”. E ressaltou que o instituto “sempre esteve aberto a sugestões e à disposição do governo e dos cidadãos para esclarecimentos a respeito do seu trabalho”.

O sindicato nacional dos funcionários do instituto, o Assibge, também se posicionou. Em nota, informou que o IBGE “é reconhecido nacional e internacionalmente pela qualidade do seu quadro técnico e pela credibilidade das suas informações. Dentre os princípios que regem seu funcionamento estão a independência política e a autonomia técnica na definição de suas metodologias. A intervenção política em órgãos oficiais de estatísticas já se mostrou desastrosa para a credibilidade de instituições, como ocorreu recentemente na Argentina”.

Não é a primeira vez que a credibilidade de pesquisas do IBGE é atacada por políticos. Em 2014, os senadores Gleisi Hoffman (PT-PR) e Arthur Monteiro (PTB-PE) questionaram o cálculo da renda domiciliar percapita. Em resposta, o instituto suspendeu temporariamente a divulgação da taxa de desemprego, o que levou ao pedido de exoneração de duas diretoras e provocou greve dos servidores. Em 2016, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) também levantou suspeitas sobre a taxa de desemprego.