O globo, n. 31138, 07/11/2018. Sociedade, p. 28

 

Busco por recursos

Cesar Baima

Helena Borges

Jailton de Carvalho

07/11/2018

 

 

Futuro ministro da Ciência propõe mais investimento privado em universidades públicas

Futuro ministro de Ciência e Tecnologia, MarcosPontes disseque vai incentivar parcerias entre empresas e universidades públicas. Ofuturo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, afirmou ontem que uma de suas prioridades será incentivar parcerias entre empresas privadas e universidades públicas no país. De acordo com Pontes, é preciso revisar a legislação para que isso aconteça. Instituições como UFRJ e USP já têm projetos financiados por empresas privadas.

— Nossa legislação tem que ser revista para permitir que universidades recebam investimentos privados. Tem que ter doação também. Nos Estados Unidos, isso é muito comum —disse Pontes, durante o intervalo de uma reunião com a equipe de transição.

Jerson Lima Silva, professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Estrutural e Bioimagem, explica que não há impedimentos para investimento privado em universidades públicas.

— Na realidade, já temos investimentos privados na pesquisa e no desenvolvimento em universidades públicas, com parques tecnológicos que contam com a presença de várias empresas. Aqui na UFRJ, por exemplo, GE e L’Oréal estão entre os investidores mais recentes —afirma.

O professor argumenta que a entrada de investimentos privados não tira a importância dos recursos públicos para a ciência. E afirma ser pouco provável que empresas invistam em pesquisa básica, de onde surgem as invenções consideradas disruptivas, especialmente no campo da saúde, como fármacos e biotecnologia:

—Naturalmente, as empresas querem parcerias em áreas que são de seu interesse e nunca vão colocar dinheiro em pesquisa básica. Esta não é uma questão só brasileira. No mundo todo a pesquisa básica é financiada em grande parte pelo Estado.

Dados da Fundação Nacional da Ciência dos Estados Unidos mostram que o governo americano investiu US$ 37,84 bilhões apenas em pesquisa básica em 2015, ano mais recente da linha histórica. O índice é superior a todo o investimento feito em pesquisa e desenvolvimento no Brasil naquele mesmo ano.

A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) trabalha para unir as demandas das empresas privadas e as pesquisas nas universidades. Já a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), também tem como finalidade unir empresários e acadêmicos. Apenas na Coppe, Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da UFRJ, alianças com a Embrapii renderam 16 projetos, desde 2015, no valor de R$ 85 milhões. Eles são financiados por empresas como Shell, FMC, Petrogal e Petrobras. Para Edson Watanabe, diretor da Coppe, não há motivos para preocupação com possíveis interferências:

— Não acho que haja risco de o investimento privado direcionar ou pautar o uso de recursos públicos e somos um exemplo disso. Temos muitas pesquisas sendo feitas com investimentos de empresas e, em paralelo, várias outras que seguem com recursos públicos.

Já o pesquisador Paulo Amarante, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), está entre os que acreditam na possibilidade de influência. E propõe uma forma de driblar essa questão.

— O importante seria que o financiamento privado fosse para um fundo que abrisse editais públicos nos quais os princípios éticos e metodológicos, bem como os resultados, não estivessem atrelados à origem dos recursos. Caso contrário, seria o fim da autonomia da ciência, da pesquisa e da universidade.

O futuro ministro afirma que existe resistência de parte da comunidade científica à presença privada em universidades públicas, mas argumenta que isso é superável. O professor Lima Silva, por outro lado, argumenta que o grande desafio é, na verdade, quebrar a resistência dos investidores, interessados em alternativas que dão retorno mais seguro e a um prazo mais curto:

—Com os juros que praticamos aqui, eles preferem investir no mercado financeiro.

Hoje os investimentos em ciência e tecnologia no Brasil estão no patamar de 1% do PIB, grande parte em recursos públicos. Para alcançar os cerca de 3% prometidos pelo presidente eleito Jair Bolsonaro será necessário ampliar o leque de empresas para além das que tradicionalmente investem na ciência brasileira, como a Petrobras.

Ciência sem fronteiras

Marcos Pontes não quis se pronunciar sobre o Ciência Sem Fronteiras, programa que dá bolsas a estudantes brasileiros no exterior. Ele seguiu pelo mesmo caminho quando perguntado sobre o Pronatec, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego:

— Estamos fazendo um raio x que envolve o custobenefício desses programas. Vamos colocar na balança e ver o que será mantido, aperfeiçoado ou cancelado.

Pontes se reuniu ontem com o atual ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, e afirmou que outras reuniões desse tipo estão por vir.

“A legislação tem que ser revista para permitir que universidades recebam investimentos privados.”

Marcos Pontes, futuro ministro

“Já temos investimentos privados em universidades públicas”

Jerson Lima Silva, professor da UFRJ