Título: Um peso trabalhista de R$ 25 bi
Autor: Villas Bôas, Bruno
Fonte: Correio Braziliense, 09/07/2012, Economia, p. 17

Mais processos judiciais, valores crescentes de indenizações, pedidos de reconhecimento de novos direitos, mais fiscalização de órgãos públicos. Uma bola de neve de processos trabalhistas, que cresce em ritmo cada vez mais acelerado, tem forçado empresas brasileiras a separar mais dinheiro do caixa para pagar ações judiciais movidas por funcionários e ex-funcionários. Levantamento do GLOBO nos balanços financeiros das companhias mostra que 36 das maiores empresas de capital aberto do país têm reservados R$ 24,9 bilhões para processos trabalhistas ainda em curso ao fim de março deste ano, um crescimento de 23% em relação ao mesmo mês do ano passado. Os números, frutos de ações individuais e coletivas, revelam o que aguarda as empresas nos próximos anos nos tribunais do país.

Pelas estatísticas das empresas, são R$ 18,9 bilhões em provisões trabalhistas (recursos que ficam carimbados na empresa aguardando uma perda judicial considerada "provável") e mais R$ 6 bilhões em depósitos judiciais (valores geralmente depositados após perdas de disputas em primeira instância). São companhias de setores como varejo, telefonia, de energia elétrica, construção e materiais básicos (minério e petróleo).

Segundo especialistas, os números indicam que o ritmo de condenações das empresas seguirá acelerado no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Trabalhadores receberam no total R$ 14,75 bilhões por ações trabalhistas no ano passado, um incremento de 20% frente ao ano anterior.

O presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, diz que o crescimento das provisões resulta da combinação de decisões judiciais mais rápidas e um leque maior de pedidos de reconhecimento de direitos trabalhistas.

- Se examinarmos as petições das novas ações, de um tempo para cá, elas esgotam o abecedário. Vão de A a Z em termos de direitos pedidos. E quase sempre se tem formulado pedido de indenização por dano moral, decorrente de doença profissional - explica Dalazen. - Existem indenizações, sobretudo por dano moral, cujo valor da ação é uma incógnita e pode chegar a patamares estratosféricos. Isso explica a iniciativa das empresas de provisionarem mais no balanço.

Bancos lideram provisões

Um exemplo de novas demandas trabalhistas surgiu com a Lei de Trabalho à Distância, de dezembro de 2011. O texto permite que ordens enviadas por e-mail ou celular pelas empresas a funcionários de prestadoras de serviços sejam usados para caracterizar uma relação de subordinação, explica José Eduardo Pastore, da Pastore Advogados. Isso permite aos terceirizados mover ações pedindo vínculo trabalhista com a contratante do serviço, o que pode implicar reclamações por equiparação salarial.

- A Lei de Trabalho à Distância deixou a área de recursos humanos das empresas apavoradas. Os empresários estão avisados para se prepararem para novas contingências trabalhistas - diz o advogado José Eduardo Pastore. - Existem empresas que não cumprem a legislação trabalhista por má-fé. Mas há muitas empresas que querem cumpri-la e não conseguem por causa da complexidade da legislação.

Segundo os balanços das empresas, ex-funcionários reclamam principalmente na Justiça horas extras, equiparação salarial, aviso prévio, complemento de aposentadoria, verbas rescisórias, adicionais noturno e de transferência, insalubridade e periculosidade.

O setor bancário lidera os montantes reservados para pagar futuras perdas trabalhistas. Somente quatro bancos têm R$ 12,3 bilhões provisionados: Itaú Unibanco (R$ 4,1 bilhões), Santander Brasil (R$ 3,3 bilhões), Banco do Brasil (R$ 2,5 bilhões) e Bradesco (R$ 2,3 bilhões). Os processos são relacionados principalmente à equiparação salarial e terceirização da mão de obra.

Companhias tentam conter crescimento

Luiz Claudio Jader, de 55 anos, é um dos milhares de trabalhadores que recorreram à Justiça reclamando seus direitos. Ex-supervisor logístico de uma empresa de refrigerantes, contratado via uma terceirizada, Jader tinha a maior parte de seu salário pago mensalmente na forma de Participação nos Lucros (PLR). Para ele, o PLR era usado pela empresa para bular as legislações fiscal e trabalhista.

- O INSS e o Imposto de Renda era sobre o valor fixo. Quando fui demitido, a empresa só me pagou indenizações pela parte fixa do salário. Consegui vencer na primeira instância. Agora, aguardo novas decisões nos tribunais superiores - explica.

Se houver recursos até a última instância, o processo Jader pode durar cerca de sete anos até uma decisão final da Justiça. Especialistas dizem que os processos trabalhistas iniciados no Rio, por exemplo, levam em média dois anos para serem julgados em primeira e segunda instâncias. No TST, uma decisão levaria de três a cinco anos. No fim, o efetivo recebimento do dinheiro da causa é incerto.

- Muitos processos tem se resolvido na primeira instância com acordos, que podem ser feitos em seis meses. Outros se arrastam e as empresas não pagam o trabalhador - diz o advogado Paulo César Martins.

Segundo ele, a criação do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT) foi importante nesse sentido. Empresas que não pagarem os valores devidos são inscritas no banco e ficam de fora de licitações públicas. Cinquenta mil empresas que chegaram a entrar no banco e correram para pagar suas dívidas e sair dele.

Por outro lado, as empresas têm buscado se adaptar ao momento. Segundo a Ernst&Young, setores intensivos em mão de obra estão retendo pagamentos das prestadoras de serviços a fim de se proteger contra processos. Essa retenção seria de 5,9% no setor automotivo. Mesma prática seria feita nos setores de bens de consumo (5%), alimentício (6%) e petroquímico (4%).

- Elas são preocupam porque esses processos podem inibir negócios como fusões e aquisições. São valores muito altos em jogos para serem assumidos - diz Antonaglia.

Uma parte do crescimento das demandas trabalhistas pode ser atribuída à correção monetária das causas, ajustados pela Taxa Referencial (TR) mais 1% ao mês.

Segundo a Petrobras, o aumento de demandas trabalhistas tem origem na contratação de empresas para obras: "A Petrobras, como todos os tomadores de serviço, por força de um entendimento do TST, responde subsidiariamente". O Santander informa que "as provisões são uma iniciativa de acelerar acordos trabalhistas, visando a diminuir o volume de processos em aberto" e que "atua fortemente na prevenção de litígios trabalhistas, com melhorias em controles de jornada e governança na contratação de terceiros". Na Vale, a demanda trabalhista cresceu "proporcionalmente" ao ritmo de atividade da mineradora, segundo a empresa. E teria havido ainda uma reversão na tendência de crescimento dos processos.