O globo, n. 31137, 06/11/2018. País, p. 6

 

Presidente eleito admite possíveis divergências com Moro

Rayanderson Guerra

06/11/2018

 

 

Bolsonaro citou a flexibilização do Estatuto do Desarmamento como exemplo e afirmou que vai buscar um ‘meio-termo’

Naquilo que nós somos antagônicos, vamos buscar o meio-termo. Sou favorável à posse de arma; se a ideia dele for o contrário, tem que chegar a um meio-termo _ Jair Bolsonaro, presidente eleito

Bolsonaro disse que deu carta branca ao futuro ministro Sergio Moro para tratar de corrupção e crime organizado, mas eles terão que se acertar naquilo em que são “antagônicos”. “Sou favorável à posse de arma; se a ideia dele for o contrário, tem que chegar a um meio-termo”, afirmou. O presidente eleito Jair Bolsonaro disse na tarde de ontem que o juiz Sergio Moro, indicado para o Ministério da Justiça, terá carta brancapara combater a corrupção e o crime organizado. Porém, admitiu discordâncias em temas que foram bandeiras de sua campanha, como a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, o fim das demarcações de terras indígenas e a redução da maioridade penal. Bolsonaro afirmou que eles terão de chegar a um “meio-termo”.

Bolsonaro afirmou que, se Moro não for favorável à flexibilização da posse de arma de fogo, terá que conversar com ele para estabelecerem um consenso.

—Na conversa que tive rapidamente com Sergio Moro, de 40 minutos, dei carta branca para ele tratar de assuntos de corrupção e crime organizado, 100%. Não vai ter indicação na Polícia Federal. É carta branca, 100%. Naquilo que nós somos antagônicos, vamos buscar o meio-termo. Sou favorável à posse de arma; se a ideia dele for o contrário, tem que chegar a um meio-termo — afirmou o presidente eleito, em entrevista à TV Band.

Segundo o colunista do GLOBO Lauro Jardim, Moro está decidido a contestar duas das propostas mais caras a Jair Bolsonaro: o excludente de ilicitude — aplicação de forma automática do princípio da legítima defesa a policiais que matem em serviço, sem que haja investigação da ocorrência —e a criminalização de movimentos sociais, como os sem-terra e os sem-teto. Ainda de acordo com a coluna de Lauro Jardim, o juiz é terminantemente contra as duas ideias.

A oposição conseguiu adiar, na semana passada, a votação do projeto de lei que abre a possibilidade de criminalizar atos de movimentos sociais como terrorismo, na Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ ) do Senado. O relator da proposta é o senador Magno Malta (PRES), cotado para assumir um ministério no governo Bolsonaro. Na pré-campanha, ele chegou a ser convidado para ser vice na chapa do capitão da reserva, mas preferiu tentar a reeleição para o Senado, sem sucesso.

A proposta altera a Lei Antiterrorismo, sancionada em 2016, e inclui na definição desse crime atos para “coagir governo” a “fazer ou deixar de fazer alguma coisa, por motivação política, ideológica ou social”. Parte dos trechos adicionados no projeto haviam sido vetados pela ex-presidente Dilma Rousseff, justamente com o argumento de afastar a hipótese de incriminar manifestantes como terroristas.

Inspiração

Uma das bases do pacote legislativo em preparação por Moro, o documento “Novas Medidas Contra a Corrupção”, elaborado pela Transparência Internacional e pela Fundação Getulio Vargas, sugere mudanças na indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de dar maior transparência ao processo de escolha. Um dos pontos da proposta veda a indicação de quem tenha, nos quatro anos anteriores, ocupado cargo de ministro de Estado.

Na última quinta-feira, Bolsonaro disse que pode indicar Moro para o STF daqui a dois anos, quando o ministro Celso de Mello completa 75 anos e terá que deixar a Corte.

Moro prepara um pacote de medidas legislativas anticorrupção e contra o crime organizado. A ideia é apresentar propostas ao Congresso em fevereiro, tão logo sejam empossados os deputados federais eleitos.

Durante sua atuação na Lava-Jato, ele defendeu várias vezes a necessidade de uma emenda à Constituição para garantir que um condenado cumpra a pena após ter a sentença confirmada pela segunda instância. Segundo Moro, isso evitaria que uma nova composição do STF possa mudar o entendimento sobre o tema. 

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Para juiz, Ministério da Justiça é técnico, não político

Cleide Carvalho

06/11/2018

 

 

Em palestra, Moro volta a prometer que jamais disputará cargo eletivo; a colegas, ele se comparou a Falcone, da Mãos Limpas

O juiz federal Sergio Moro comentou ontem, durante palestra em Curitiba, a decisão de deixar a Lava-Jato para assumir o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro. De acordo com o magistrado, aceitar o convite não significa que ele tenha entrada para a política:

— Eu, aqui, faço uma respeitosa divergência, não me vejo ingressando na política, ainda como um político verdadeiro. Para mim, é um ingresso num cargo que é predominantemente técnico.

Moro disse ainda que, como ministro, vai trabalhar com aquilo que conhece, que é a Justiça. Na palestra, que durou cerca de uma hora, ele ressaltou que mantém válida a promessa que fez, no passado, de que jamais entraria na política:

— Não pretendo jamais disputar qualquer espécie de cargo eletivo. Mas Ministério da Justiça e de Segurança Pública, para mim, eu estou em uma posição técnica, para fazer o meu trabalho.

Numa mensagem por escrito aos seus colegas da Justiça Federal, Moro sustentou que, “se tiver sorte”, poderá fazer no governo Bolsonaro algo importante, assim como fez, segundo ele, o juiz italiano Giovanni Falcone, um dos responsáveis por deflagrar a Operação Mãos Limpas na Itália.

Reconhecido internacionalmente, o juiz foi responsável pela condenação de mais de 300 mafiosos nas décadas de 1980 e 1990, alguns à prisão perpétua. Ele assumiu o cargo de diretor de Assuntos Penais do Ministério da Justiça da Itália depois da operação de combate à máfia siciliana Cosa Nostra. Em 1992, Falcone foi morto após o carro onde estava com a mulher explodir.

Desde que assumiu a Lava-Jato, Moro tem feito uma série de menções à operação italiana. Chegou a dizer que, no caso do Brasil, oportunidades não deveriam ser perdidas.

Aos demais juízes, Moro afirmou que trabalhará em Brasília para aprimorar o enfrentamento à corrupção e ao crime organizado “com respeito à Constituição, às leis e aos direitos fundamentais”.

Ele afirmou também ter orgulho de ter participado da Justiça Federal e disse aos juízes que sigam atuando com independência, mesmo eventualmente contra o Ministério da Justiça. "Continuem dignificando a Justiça com atuação independente (mesmo contra, se for o caso, o Ministério da Justiça”, disse Moro, que agradeceu as congratulações e reafirmou que a decisão de deixar a magistratura foi “muito difícil, mas ponderada”.

Com férias acumuladas devido ao trabalho dos últimos quatro anos à frente da Lava-Jato , Moro vai sair de férias esta semana. Ele deixará para pedir exoneração da Justiça Federal quando estiver mais perto de sua posse no Ministério da Justiça e da Segurança Pública , prevista para janeiro, após Jair Bolsonaro (PSL) assumir a Presidência. O juiz deve aproveitar esse tempo para montar sua equipe na nova pasta.

Férias

Em ofício à Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Moro solicitou 17 dias de férias que estavam em aberto desde 2013 (5 a 21 de novembro) e informou que pedirá novas férias entre 21 de novembro e 19 de dezembro. A exoneração, informou, só pedirá em janeiro, “logo antes da posse no novo cargo”.

Moro passou o fim de semana estudando as medidas que pretende incluir no pacote de mudanças na legislação que pretende enviar ao Congresso.

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Substituta na Lava-Jato nega pedido de Marcelo Odebrecht

06/11/2018

 

 

Gabriela Hardt fez seu primeiro interrogatório à frente das ações em Curitiba

Em sua primeira audiência à frente das ações da Operação Lava-Jato, a juíza Gabriela Hardt, que substitui o juiz Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, negou pedido do empresário Marcelo Odebrecht, que queria antecipar para ontem o interrogatório marcado para amanhã. O empresário estava em Curitiba para fazer reparos em sua tornozeleira eletrônica. A juíza indeferiu o pedido, alegando que assumiu ontem e que não haveria tempo hábil de comunicar a mudança aos demais envolvidos no processo, relacionado ao sítio de Atibaia. Os depoimentos de Marcelo Odebrecht e do pai dele, Emílio Odebrecht, estão confirmados para amanhã.

O engenheiro Emyr Diniz Costa Junior, funcionário da Odebrecht que ficou responsável pela reforma no sítio de Atibaia, foi interrogado por Gabriela e confirmou que a obra seria em benefício do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele afirmou que sua maior preocupação durante os serviços era com a possibilidade de ocorrer algum acidente de trabalho, já que não havia contrato da obra e que os trabalhadores recebiam “por fora”, em dinheiro e sem recibo.

— Eu sabia que a gente estava fazendo alguma coisa que já não era certa, se tivesse um acidente de trabalho lá, a coisa complicava muito —afirmou Costa Junior.

O engenheiro contou que, quando terminou a obra, foi ao escritório do advogado Roberto Teixeira, amigo de Lula, a pedido de Alexandrino Alencar, braço-direito do empresário Emílio Odebrecht, para fazer a documentação que regularizaria a obra. Contou que recebeu R$ 700 mil da empreiteira, em dinheiro. Para guardar, teve de comprar um cofre.

Gabriela ficará à frente da Lava-Jato até que seja escolhido um substituto para Moro. Será aberto um concurso de remoção pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e o critério definido é a antiguidade no posto: ficará com a vaga o juiz titular que ocupa o cargo há mais tempo.