Título: Hoje, podemos tocar nossos projetos
Autor: Abreu, Marcelo
Fonte: Correio Braziliense, 08/07/2012, Economia, p. 14/15

Estabilidade da economia permite que as famílias vençam as dificuldades, tenham mais conforto e invistam no futuro dos filhos

Os filhos gêmeos do marceneiro e da camareira de hotel querem muito mais do que os pais um dia sonharam. E conquistaram. Mayara e Mauro dos Santos Saraiva nasceram no Hospital Regional da Asa Sul (HRAS), na sexta-feira, 1º de julho de 1994. Tempos depois, os pais se separaram. Ela cresceu em Samambaia, com o pai. Ele, em Planaltina de Goiás, com a mãe. A menina quer ser juíza. O menino, disc jockey (DJ).

Mais recentemente, Mauro veio morar em Samambaia, com um irmão mais velho. Está mais perto do pai. Enquanto trabalha como ajudante de marcenaria (o irmão com quem divide a casa seguiu a profissão do pai), pensa nas festas que pode animar com a parafernália eletrônica que deseja comprar um dia. "Não quero ser marceneiro. Já disse para o meu pai que penso numa vida diferente", conta. O pai parece entender. Só faz questão que ele não abandone os estudos, o que lhe foi impossível fazer. Mauro e Mayara cursam o 1º ano do ensino médio, à noite, na Escola Classe 414 de Samambaia.

Raimundo, o pai, paraense de 55 anos, e Terezinha, a mãe, maranhense de 48, levaram uma vida diferente dos filhos. Ela mal terminou a 5ª série. Ele conseguiu ir mais longe. Tem o ensino médio incompleto. O trabalho os pegou desde muito cedo. E a vida, cheia de obstáculos, alterou sonhos e rotas. "Hoje, eles têm uma vida mais confortável do que eu na idade deles", compara o marceneiro.

Trabalhando na marcenaria, Mauro projeta sua vida como lapida os móveis que ajuda o irmão a fabricar. "Com o salário que ganho, posso pagar o curso de DJ", ele diz. Pelo menos R$ 200, dos R$ 700 que recebe, já estão comprometidos. O restante ele usa para comprar roupas e os tênis de que precisa. E para ir, nos fins de semana, às festas de música eletrônica na redondeza, sua grande paixão. "É o que quero para minha vida." Mayara não trabalha. Na casa modesta em que mora com o pai, na QR 604 de Samambaia, sonha com a faculdade de direito. "A luta vai ser grande, mas sou determinada", garante.

Nova vida Mauro mora em Samambaia desde o início do ano. O rapaz ainda se acostuma com a cidade, diferente do lugar onde cresceu, a distante Planaltina de Goiás, no entorno do DF. "Estou aprendendo a andar aqui. É muito grande", assusta-se. O Plano Piloto ainda é estranho para ele. "Lá eu me perco." Mayara, mais descolada, diz conhecer "quase tudo". "É, mas tem lugar lá que ainda faço confusão", diz a moça de Samambaia, que se diverte nos bares de Taguatinga e vai de metrô ao ParkShopping.

Mayara manda currículos pela internet, à procura de emprego. "Preciso me preparar, fazer cursos", afirma. Enquanto isso, terminou de ler A menina que roubava livros, publicado em 2005, pelo escritor australiano Markus Zusak, que conta a saga de Liesel Meminger, uma garota que encontra a morte três vezes. "A história é muito diferente de tudo o que tinha lido antes. Gostei muito", ela diz. Mauro assume que não gosta de ler. "Gosto de tocar música eletrônica", explica.

Sem internet em casa, os dois usam, diariamente, lan houses. E têm acesso a todas as redes sociais disponíveis. "Uso Twitter, Facebook e Messenger. Tenho uma galera na minha página", ela diz, escancarando um sorriso. Mauro prefere o Facebook. Ambos têm celulares e acompanham as novidades da tecnologia. "Sem internet, eu não consigo mais viver", ela entrega, trocando mensagem com uma amiga a cada cinco minutos, durante a entrevista.

Em 2007, Mayara viajou pela primeira vez de avião. Foi a Belém, terra natal do pai. Passearam durante 40 dias. "Fui com meu pai e minha irmã", conta. Lá, conheceu o restante da família paterna: avós, tios e primos. E viu o mar de água doce de Mosqueiros. "Meu pai ficou muito feliz. Disse que estava realizando um sonho", conta. "Foi o lugar mais lindo que já vi na minha vida", diz, emocionada.

E os planos continuam. No Natal, Raimundo quer voltar ao Pará. Pretende ficar um mês visitando os parentes. "Nós vamos de avião novamente", antecipa-se a espevitada Mayara, de piercing no nariz, aparelho ortodôntico e tatuagem de coelhinha na barriga. O marceneiro também faz planos. Economizou o que pôde para realizar mais um sonho. "Ele vai tirar a carteira de motorista", conta a filha.

Vendo as discretas, mas importantes melhorias conquistadas pela família, Mayara não tem dúvida: "Hoje, vivendo num país mais seguro, a gente pode guardar dinheiro para tocar os nossos projetos". E reafirma: "Eu quero realizar todos os meus sonhos".

Mauro, mais retraído que a irmã, sente as mudanças da família na capacidade que tem de transformar o próprio destino. "Meu pai conseguiu tudo isso com o trabalho de marceneiro. Eu vou conseguir com outra profissão. Só preciso trabalhar bastante para conquistar tudo que quero." Por enquanto, o desejo mais imediato é fazer uma viagem ao Maranhão. "Quero conhecer minha avó materna", revela. "Vou levar minha mãe, que faz tempos que não viaja."

Espanto Os gêmeos de Samambaia não sabiam que o Plano Real havia sido lançado no mesmo dia em que nasceram. "Véi, ninguém nunca me contou isso", ela diz. Mauro indaga: "A nova moeda tem a nossa idade?". Depois, numa rápida análise do mundo e da vida que os cercam, Mayara compara: "O país hoje está bem melhor. A possibilidade de ter as coisas é mais fácil".

E reforça o que diz observando a cidade onde sempre viveu. "Antes, Samambaia era bem diferente. Mais violenta. Hoje, cresceu, ficou independente e tem tudo." Mauro, que ainda se acostuma com os arranha-céus que crescem da noite para o dia no lugar em que vive há seis meses, constata: "Quando eu era menor e vinha passear aqui na casa do meu pai, Samamabia não era assim. Está cada dia maior".

Com o desenvolvimento da cidade, os sonhos de Mayara e Mauro se multiplicam. "Vou seguir a profissão de DJ, ter uma casa boa e realizar as coisas em que penso hoje." Mayara, decidida, adia os planos de filhos e casamento. "Primeiro, vou estudar, me formar, arrumar um bom emprego e depois penso nisso. É legal poder sonhar com as coisas boas e poder fazer. Acho que agora a gente pode." Na Samambaia que se agiganta a cada dia e espalha otimismo e esperança a quem lá vive, Mayara e Mauro seguem suas vidas de gente que quer crescer.

Polo de crescimento O que nos anos 1980 era um assentamento amontoado de barracos e violência generalizada hoje é uma cidade que não para de crescer. Ganhou status de Região Administrativa do Distrito Federal (a 12ª RA) por meio do Decreto nº 12.540, de 30 de julho de 1990. Samambaia — que recebeu esse nome em razão do córrego que corta a região — fica a 25km do Plano Piloto e tem 193 mil habitantes. A renda média da população está em torno de quatro salários mínimos por família (R$ 2.488).