O globo, n. 31137, 06/11/2018. Mundo, p. 21

 

É o Trump, estúpido!

Henrique Gomes Batista

06/11/2018

 

 

Campanha ‘esquece’ sucesso na economia

As eleições legislativas de hoje nos EUA se transformaram em plebiscito sobre o presidente Trump, gerando grande mobilização. Ocomerciante Justen Mulhall, de 47 anos, vê as eleições americanas de hoje com ceticismo. Morador de Carnegie, nos subúrbios de Pittsburgh (Pensilvânia), ele diz que nunca em nenhuma outra midterm (eleições que ocorrem no meio do mandato presidencial) viu tantas placas com nomes de concorrentes a deputado e senador nos gramados dos vizinhos. Para ele, a vontade de exibir apoios a candidatos republicanos ou democratas nada tem a ver com uma maior politização das pessoas ou envolvimento em problemas de sua região:

— Isso é tudo por causa do Trump. — afirma ele. — As pessoas veem as placas com nomes de candidatos republicanos e leem “Trump” e leem “anti-Trump” no lugar dos nomes dos democratas.

Esse envolvimento já é claro: até a manhã de ontem, 31 milhões de americanos já haviam votado antecipadamente por correio. Na véspera das eleições legislativas de 2014 apenas 19 milhões haviam optado pelo voto pelo correio. O próprio Trump admite que, comele,aseleiçõeslegislativas “ganharam uma nova cor”:

— Vocês sabem que as eleições do meio de mandato costumavam ser chatas, não é? — disse o presidente ontem em Cleveland (Ohio), num dos vários comícios que fez. — Agora está tudo mais quente.

EomoradordaCasaBranca, mais que mobilizar o eleitorado, conseguiu impor até os temasdaeleição:emvezdobom momento econômico, imigra-

ção e ameaças terroristas.

— Trump não apenas está protagonizando uma disputa, mas ditando os temas do debate político. Claramente, está se posicionando para a disputa da reeleição em 2020 — diz Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue.

Ter a menor taxa de desemprego desde 1969, corte de impostos, vitórias em guerras comerciais, crescimento econômico forte e bom momento nas bolsas de valores tem sido menos explorado pelo presidente que a questão dos imigrantes,acríticaàimprensa,e um novo flerte com o discurso do medo contra terroristas e forças estrangeiras.

Fórmula funcionou em 2016

Em parte pode ser porque, no fundo, os números positivos mascaram situações nem tão belas: especialistas afirmam que o desemprego é pequeno porque muitos americanos mantêm “subempregos” como motoristas de Uber, e que há cerca de dois milhões de pessoas a menos no mercado de trabalho por causa da crise de opioides. E, mesmo com mais empregos, a desigualdade segue alta, em patamares superiores aos registrados antes da crise de 2008.

— A economia não ser um tema central da eleição é a maior surpresa. Trump deveria concorrer com a economia e talvez o ajudasse com os eleitores indecisos nos subúrbios críticos. No entanto, ele optou por não fazer isso. Por quê? Ele ganhou em 2016 falando sobre a imigração e ele quer seguir com uma questão que funcionou para ele antes — afirmou David Schultz, professordaHamlineUniversity,

em Minnesota.

Na opinião do professor, Trump fez uma escolha:

—Simplificando com o medo, a raiva e o preconceito, Trump apela à sua base. Tal estratégia sugere que ele e os republicanos admitiram perder a Câmara dos Deputados, pois a questão da imigração não devefuncionarbemnossubúrbios críticos, mas tem impacto nas eleições para senador e governador,emespecialemestados conservadores.

Vitórias para todos

Nesta eleição, mais de 30 deputados e senadores republicanos anunciaram aposentadoria—quasetodoscríticosao presidente—eforamsubstituídos por candidatos alinhados à Casa Branca. Se, em 2016, ele era um forasteiro na legenda, agora parece ter o controle do Partido Republicano.

— Independentemente do resultado, já pode ser considerado um dos vencedores. Mesmo que o Partido Republicano perca espaço, como deverá ocorrer, ele conseguiu dominar a legenda, ter praticamente todos candidatos alinhados ao seu discurso e impor sua agenda —disse Shifter.

O fato é que quando ficar conhecido quem serão os novos 435 deputados, 35 dos cem senadores e 36 governadores, ambos os lados, provavelmente terão o que comemorar. Os democratas por, possivelmente, terem retomado o controle da Câmara dos Representantes. Os republicanos, por terem segurado —ou até ampliado —a maioria no Senado. E Trump por se tornar o grande ator político do país, com um caminho claro para a sua campanha de reeleição.