O globo, n. 31147, 16/11/2018. País, p. 4

 

Demissão de servidores

Amanda Almeida

Renata Mariz

16/11/2018

 

 

Em carta a Bolsonaro, governadores sugerem flexibilizar estabilidade do funcionalismo

Em meio à crise financeira dos estados, que podem ficar sem verbas federais pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), governadores que tomarão posse em 2019 querem flexibilizara estabilidade de servidores públicos.

Em documento apresentado na reunião com o presidente eleito Jair Bolsonaro, na quarta-feira, em Brasília, eles defendem mudança na legislação para permitira demissão de servidores como forma de cumprir os limites estabelecidos pela LRF para despesa com pessoal ativo e inativo.

A “Carta dos Governadores” traz 13 pontos traçados como prioridades de suas gestões. Não há detalhamento das medidas. Segundo eles, outros encontros vão “aprimorar” as propostas. A “flexibilização da estab ilida de” éoquart oi tem da agenda apresentada a Bolsonaro.

Hoje, a Constituição garante estabilidade ao servidor público contratado por concurso e prevê demissão apenas em situações extremas, como decisão da Justiça. Em um último caso, para atender aos limites da LRF, também é possível a demissão de funcionários públicos se outras medidas adotadas para conter despesas, como a exoneração de comissionados, não surtirem efeitos.

Os governadores reclamam, porém, que, na prática, mesmo com essas previsões, a demissão de servidores é de difícil aplicação, sempre passível de contestação na Justiça. Relatório divulgado pelo Tesouro Nacional mostra que 14 estados apresentam comprometimento de suas receitas com despesas de pessoal acima de 60%, que é o limite previsto na LRF. Entre eles, estão Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

O fim da estabilidade no serviço público tem também a simpatia de conselheiros do presidente eleito. Pouco antes da eleição, o próprio general Hamilton Mourão, vice-presidente da República eleito, defendeu a ideia, dizendo que “tem que haver uma mudança e aproximar o serviço público da atividade privada”. No setor privado, não há estabilidade, mas os trabalhadores contam, por exemplo, com o pagamento do FGTS e acesso ao segurodesemprego.

A carta foi lida no fim do encontro, que teve a presença de representantes de 19 estados, por João Doria (SP), Wilson Witzel (RJ) e Ibaneis (DF). O texto defende outras medidas em socorro ao caixa dos estados. Em tramitação no Congresso, a aprovação da securitização das dívida sativa sé tratada como emergencial pelos governadores, que apelam pela votação antes de 2019. O projeto autoriza União, estados e municípios a vender ao mercado parte desses débitos, com algum deságio negociado entre as partes.

— O governo acenou muito, especialmente o futuro ministro Paulo Guedes, que vai socorrer os estados. A securitização da dívida é importante, porque traria recursos diretamente para os governos —disse Ibaneis, ao GLOBO.

Outro ponto defendido é uma alteração na Constituição que permita aos estados explorar os portos, a infraestrutura aeroportuária e as instalações de energia elétrica, hoje nas mãos da União.

Como parte de uma “reforma da segurança pública", os governadores defendem a adoção de PPPs nas prisões e mudanças legais, especialmente, sobre o funcionamento das audiências de custódia. O instrumento permite que um juiz avalie, em 24 horas, se uma prisão feita em flagrante deve ser mantida ou não.

Apesar de não conter detalhes, a agenda se alinha à de Bolsonaro, que já se manifestou favorável ao endurecimento da lei penal.

Na educação e saúde, governadores querem medidas que pressionam o caixa do governo federal. Eles solicitaram a “ampliação” do Fundeb, o fundo que ajuda a financiara Educação Básica, cuja vigência termina em 2020.

Já na saúde, os governadores pedem reajuste da tabela do SUS, com correção dos pagamentos a estados e municípios por procedimentos. A atualização dos valores é uma reivindicação anti gados gestores, que apontam defasagem.

O que pedem os estados

> Reforma da segurança pública, com mudanças no Código Penal e de Processo Penal, especialmente em relação às audiências de custódia, e adoção do modelo de PPPs nos presídios;

> Reforma da Previdência e tributária;

> Alteração da Constituição para que os estados possam explorar concessões dos portos, da infraestrutura aeroportuária e dos serviços de energia elétrica;

> Flexibilizar a estabilidade dos servidores públicos visando atendimento da Lei de Responsabilidade Fiscal;

> Desburocratização do estado brasileiro e reforma administrativa;

> Estimular prioritariamente a pauta de valorização e incentivo ao turismo;

> Reforço na fiscalização de fronteira;

> Incentivar as iniciativas e programas destinados à renovação tecnológica;

> Repasses da União para compensação dos estados à Lei Kandir;

> Securitização da dívida ativa como mecanismo de estímulo ao equilíbrio econômico e financeiro dos estados;

> Interceder em favor do reajuste da tabela SUS;

> Ampliar o Fundeb, reconhecendo a sua importância como instrumento de garantia de amplo acesso aos valores da educação;

> Recomendar a retomada dos trabalhos relativos às obras inacabadas no território nacional, como estímulo à retomada dos investimentos.

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Estados buscam fórmula para tomar empréstimos

Martha Beck

16/11/2018

 

 

Proposta ajusta contabilidade de gastos com pessoal em troca de mais tempo para enquadramento na Lei de Responsabilidade Fiscal

Em carta com 13 demandas apresentada ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, 18 governadores que assumem em 1º de janeiro defendem mudança na Constituição que flexibilize a estabilidade do funcionalismo público, o que significa possibilitar a demissão de servidores. Os gastos galopantes com pessoal são hoje o principal nó fiscal dos estados: em 14 deles, as despesas superam o teto de 60% das receitas estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Os governadores também articulam alteração na LRF que permita a retomada de empréstimos pelas unidades da federação. Os recém-eleitos pedem ainda a Bolsonaro uma política de parcerias públicoprivadas no sistema penitenciário. Em busca de receitas para colocar suas contas em dia, os governadores eleitos estão dispostos a ajustar a forma como contabilizam suas despesas de pessoal. A ideia é passar a incluir no cálculo uma série de gastos que hoje são omitidos para evitar o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Em troca dessa transparência, eles ganhariam mais tempo para se adequar aos parâmetros da LRF, com uma mudança na lei, e poderiam voltar a receber o aval do Tesouro para tomar empréstimos.

Dentro desse esforço para melhorar o quadro fiscal, os governadores também estão dispostos a fazer uma reestruturação no funcionalismo público, com regras mais rigorosas de avaliação de desempenho dos servidores.

A proposta está sendo articulada pelo governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), e foi apresentada ao presidente eleito Jair Bolsonaro e ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, na reunião com os novos governadores na quarta-feira.

— Os estados estão numa situação grave que tem que ser resolvida. Quase todo mundo está com a folha atrasada. Existe a vontade do presidente eleito de resolver isso. É nesse contexto que temos que superar barreiras que estão na Lei de Responsabilidade fiscal (LRF) —disse Caiado, acrescentando:

— Uma mudança é a forma de os estados conseguirem aval para tomar recursos. Precisamos de dinheiro novo.

Divergência no cálculo

A ex-secretária de Fazenda de Goiás Ana Carla Abrão, que está trabalhando na proposta encabeçada por Caiado, explica que há divergências entre a forma como os estados e o Tesouro contabilizam as despesas de pessoal. Vários entes retiram da conta desembolsos com obrigações patronais, aposentadorias e pensões especiais. Isso reduz o total da despesa e permite o enquadramento na LRF, pela qual os gastos com pessoal não podem ficar acima de 60% da receita corrente líquida.

Segundo o Ministério da Fazenda, cálculos feitos pelos próprios estados apontam que apenas seis deles estão acima do limite previsto na legislação. Mas quando se aplica a metodologia do Tesouro, o total sobe para 14 estados.

Ana Carla destaca que para uniformizarem a metodologia de cálculo de pessoal, os estados precisam de um tempo maior para se ajustar aos parâmetros da LRF. É nesse contexto que entra a mudança da lei. Ela prevê hoje que os estados têm dois quadrimestres para corrigirem um desenquadramento. Coma penúria fiscal, esse prazo, no entanto, deveria ser de 10 anos.

Segundo Ana Carla, já há projetos no Congresso que tratam do assunto. Com os ajustes, os estados assumiriam o tamanho do desequilíbrio das contas com o compromisso de colocá-las em dia, além de fazeruma reestruturação do serviço público. Comisso, o Tesouro poderia volt aradar aval para empréstimos.