O globo, n. 31147, 16/11/2018. País, p. 6

 

8 mil médicos cubanos vão deixar o Brasil até o Natal

Karla Gamba

Renata Mariz

16/11/2018

 

 

 Recorte capturado

 

 

Em dez dias, primeira leva começa a voltar para país de origem; em 1.575 cidades, todos os profissionais são da ilha

Um dia depois de anunciar o fim de sua participação no programa Mais Médicos, o governo de Cuba informou ao Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) que pretende retirar todos os 8,3 mil profissionais do Brasil em 40 dias —até o Natal. A saída dos médicos ocorrerá de forma gradual, e a primeira leva começará a voltar para o país de origem em dez dias.

As informações foram passadas ao presidente do Conasems, Mauro Junqueira, em reunião ontem na Embaixada de Cuba em Brasília. Segundo representantes do país caribenho, o caso está sendo conduzido diretamente pelo presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel.

Com a decisão, 1.575 municípios brasileiros participantes do programa que têm exclusivamente profissionais cubanos no serviço público podem ficar sem médicos.

Por todo o país, mais de 20 milhões de pessoas poderão ficar temporariamente sem assistência básica de saúde, segundo afirma a Confederação Nacional de Municípios (CNM). A entidade usa dados da Organização PanAmericana de Saúde (Opas) para estimar a cobertura médica nas cidades afetadas.

Segundo o presidente do Conasems, o representante do governo cubano afirmou que a decisão é “irrevogável”.

—A partir do dia 25 de novembro, segundo nos informaram, já haverá um voo diário, providenciado pelo governo cubano, para levar os médicos. Será uma situação muito difícil para as áreas que ficarão desassistidas — afirmou Junqueira.

Carta a Bolsonaro

Em nota divulgada ontem, a CNM diz que o anúncio do governo cubano de rescindir a parceria “aflige” prefeitos que fazem parte da confederação. Para a entidade, a situação é de extrema preocupação, podendo levar a “estado de calamidade pública, e exige superação em curto prazo”.

A CNM afirma que entrou em contato com o atual governo federal e com o governo de transição para buscar soluções alternativas, com objetivo de garantir a manutenção dos serviços de atenção básica de saúde.

O presidente da entidade, Glademir Aroldi, defendeu a manutenção do programa:

— Estamos preocupados porque o programa é importante, mas vamos tentar encontrar alternativas. Nós precisamos manter o programa —afirmou Aroldi, ao GLOBO.

Ainda segundo a Confederação, um estudo apontou que, na última década, o gasto público com o setor de Saúde sofreu uma defasagem de 42%, o que sobrecarregou os cofres municipais. “Os municípios, que deveriam investir 15% dos recursos no setor, já ultrapassam, em alguns casos, a marca de 32% do seu orçamento, não tendo condições de assumir novas despesas”.

A entidade diz que aposta no diálogo para que a situação seja resolvida. “Acreditamos que o governo federal e de transição encontrarão as condições adequadas para a manutenção do Programa”, diz a nota.

Em uma carta aberta ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, outra entidade, a Associação Brasileira dos Municípios (ABM) também pediu “ações imediatas" para reverter a decisão do governo cubano de retirar-se do programa Mais Médicos. O pedido, segundo o texto, foi feito em nome dos prefeitos do Brasil.

“Os cubanos têm atuado nas periferias das regiões metropolitanas, nos distritos indígenas, nas pequenas cidades e em regiões distantes dos grandes centros urbanos. São lugares, senhor presidente eleito, que viram, muitas vezes, pela primeira vez um médico. São municípios e regiões em que os médicos brasileiros dificilmente aceitavam ou aceitarão atender, mesmo a prefeitura pagando salários muito mais altos, com muitas dificuldades para fazêlo”, diz a nota da ABM.

Contratação

Após o anúncio da saída dos profissionais cubanos do programa Mais Médicos, o Ministério da Saúde informou que nos próximos dias lançará edital para contratação de novos profissionais. Os candidatos brasileiros terão prioridade na convocação, como já ocorria nos editais anteriores.

O ministério informou que já vinha estudando outras medidas para ampliar a participação de brasileiros, como a negociação com os formados por meio do Programa de Financiamento Estudantil (FIES). A pasta irá conversar com a equipe de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro sobre a necessidade de adotar essas ações.

A decisão de Cuba veio após o presidente eleito, Jair Bolsonaro, afirmar que pretende modificar os termos de colaboração com o país caribenho. Em vigor há cinco anos, o programa traz médicos de outros países para atuarem em regiões em que há déficit de profissionais de saúde. A maioria dos médicos do programa (51%) vem de Cuba.

Após o anúncio, Bolsonaro disse em seu Twitter que “infelizmente” o país não aceitou a continuidade do programa soba condição de se aplicar um teste para medira capacidade dos profissionais e destinar o salário integral aos médicos que estão no Brasil.

Ontem, o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente eleito, usou o Twitter para criticar o acordo com Cuba. Segundo ele, o programa foi usado “como pretexto para financiar fortemente e regularmente a ditadura, tudo na base da exploração desumana”. Para o vereador, o presidente eleito “só pediu liberdade aos cubanos e pagamento integral de seus salários”.