Título: PT e PSDB costuram pacto para sepultar CPI
Autor: Mascarenhas, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 04/07/2012, Política, p. 2

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista do Cachoeira perdeu mais um dia de trabalho e ontem deu um passo definitivo para romper o recesso parlamentar, de 17 de julho a 1º de agosto, em estado agonizante. Por diferentes razões, os quatro convidados a prestar depoimento não foram ouvidos. A sessão aberta acabou sem resultados e deu lugar a uma reunião privada, em que PT e PSDB começaram a tentar acertar o passo rumo a um armistício para a investigação não chegar a lugar algum.

Parlamentares presentes ao encontro, no gabinete do presidente do colegiado, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), relataram momentos de defesa partidária explícita e trocas de afagos entre membros da oposição e da base aliada. Quando a conversa chegou à possibilidade de convocação do dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, e do ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) Luiz Antônio Pagot, o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), alertou os colegas sobre o risco que ambos representam. "Se eles vierem, esta CPI, em ano eleitoral, vai virar um tiroteio entre os partidos."

Segundo um senador, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) deixou a reunião para conversar reservadamente com o líder do PSDB na Câmara, deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), e deixou claro qual seu papel na comissão, com uma frase: "Sou um homem do partido, estou aqui para defender os interesses do meu partido". Vaccarezza também avisou aos tucanos que a atuação incisiva do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), principalmente quando há depoimentos de petistas na comissão, "poderia expor o próprio PSDB", em tom de ameaça.

A convergência de interesses se explica: enquanto os tucanos já contabilizam as perdas provocadas pelas denúncias contra o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a crise volta a bater a porta dos petistas nos últimos dias. O prefeito de Palmas, Raúl Filho (PT-TO), foi flagrado em um vídeo oferecendo facilidades à organização criminosa comandada pelo contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, em troca de financiamento de campanha.

Estratégia selada A estratégia petista havia sido acertada na noite anterior, na casa do líder da legenda na Câmara, Jilmar Tatto (PT-SP). Senadores e deputados da base aliada reafirmaram no encontro o compromisso de trabalhar arduamente para impedir a ida de Cavendish e Pagot à comissão. Os dois são ameaça concreta ao Palácio do Planalto. A construtora Delta, que teria Cachoeira como sócio oculto, mantém diversos contratos com o governo federal, enquanto Pagot afirma que a pressão exercida pela quadrilha comandada pelo bicheiro o forçou a deixar o cargo no Dnit.

A reunião no gabinete do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), inicialmente, tinha o objetivo de discutir alterações em alguns ritos adotados pela CPI até então. Entre eles, o de se liberar testemunhas que não forem prestar esclarecimentos quando convocadas, direito garantido na Constituição. Alguns integrantes da CPI defendem que ela permaneça na sala enquanto houver parlamentares dispostos a fazer perguntas, mesmo sabendo que, em casos como esse, o depoente costuma respondê-las da mesma forma: "Reservo-me o direito de ficar em silêncio". Nada ficou acertado. Todas as pendências, inclusive convocações, serão votadas na reunião administrativa, marcada para amanhã.

Ontem, estavam previstas as oitivas Joaquim Gomes Thomé Neto (policial federal aposentado suspeito de ligação com a quadrilha), Roseli Pantoja Silva (sócia da Alberto e Pantoja, segundo a Polícia Federal, empresa de fachada que servia à organização criminosa), Edivaldo Cardoso de Paula (filiado ao PTdoB e ex-presidente do Detran de Goiás, onde cachoeira teria forte influência) e Ana Cardozo de Lourenço, que, de acordo com o relator da CPI, recebeu R$ 28 mil da Alberto e Pantoja para realizar uma pesquisa eleitoral a pedido de Edivaldo.

Colaborou Larissa Leite

"Se eles (Fernando Cavendish e Luiz Antônio Pagot) vierem, esta CPI, em ano eleitoral, vai virar um tiroteio entre os partidos" Odair Cunha (PT-MG), relator da CPI do Cachoeira

Demóstenes isolado No segundo discurso de uma série que pretende fazer até 11 de julho, data da votação do pedido de cassação do seu mandato, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) voltou a fazer, na tarde de ontem, na tribuna do Senado, ataques à imprensa e à Polícia Federal. Afirmou que é vítima de "uma máquina de moer reputação" e repetiu que as interceptações telefônicas em que aparece dialogando com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, obtidas pelas operações Vegas e Monte Carlo, são ilegais.

"Todo mundo sabe que um parlamentar federal só pode ser grampeado com autorização do Supremo Tribunal Federal. Não é detalhe técnico comum, é um absurdo político e jurídico", salientou. O parlamentar goiano disse que foram utilizadas as ferramentas mais modernas para demolirem sua honra. "Para me investigar ilegalmente, se utilizou tecnologia de ponta. Para me punir, estão sendo utilizados métodos medievais. Existir bode expiatório é indigno do Senado da República."

Demóstenes ainda afirmou que muitas gravações telefônicas foram editadas. "Para me ouvir o dia inteiro, a noite inteira, acompanhando as minhas conversas, a Polícia Federal destinou quatro delegados e 10 agentes de cada vez. Para fazer a degravação completa e a perícia do inteiro teor, alega-se não existir pessoal." (João Valadares)