O globo, n. 31146, 15/11/2018. Colunas, p. 16

 

Ideologia volta ao Itamaraty

Míriam Leitão

15/11/2018

 

 

O presidente Jair Bolsonaro pode fazer uma política externa ideológica de direita. Foi eleito para governar e escolher os caminhos do país. Só não pode acusar os governos petistas de terem partidarizado a política externa, porque é exatamente isso que ele está fazendo em grau muito mais elevado. O embaixador Ernesto Araújo como ministro das Relações Exteriores, por tudo o que disse até agora em seu blog de ativista, indica que o governo escolheu um alinhamento entusiástico a Donald Trump e isso tem um custo econômico.

Os artigos que postou no blog dele têm ideias definidas pelos seus colegas como “exóticas” e “constrangedoras”. Como a de que o “globalismo” seria uma conspiração cultural marxista contra o cristianismo, e que apenas Donald Trump poderia salvar o Ocidente.

Na vida real, os Estados Unidos estão num dos piores momentos de sua política externa, com conflitos com vários aliados e em muitas frentes, uma diplomacia de ofensas e brigas. Os EUA com o tamanho que têm podem errar. Um país como o Brasil não poderia. O risco é o de comprar as brigas americanas, sem o poder de barganha que eles têm, perder mercados e se isolar. Como o presidente eleito Jair Bolsonaro disse que agora será uma “política externa sem viés ideológico”, só se pode concluir que ou ele concorda com o que o novo chanceler diz em seus textos de ativista da extrema-direita ou ele não os leu.

Não é natural também que, num local tão disciplinado como o Itamaraty, um diplomata tenha um blog de militância política partidária. Nele, escreveu que o PT é o Partido Terrorista. Escreveu em defesa do “nacionalismo”, que ele define como “um anseio por Deus, o Deus que age na história”. Nessa mistura de ideias é que ele acaba concluindo que o Trump é o condutor dessa ordem ocidental cristã. Em um dos trechos de um dos artigos ele propõe: “A luta pela soberania econômica e política dos países, contra o domínio das cadeias produtivas de bens e contra o monopólio da circulação de informações por uma elite transnacional niilista, contra uma economia globalizada maoísta-capitalista centrada na China.”

O caminho que ele tentará influenciar o governo, se presume dos textos, é o de ser caudatário dos Estados Unidos. Isso aconteceu algumas vezes no Brasil, como no período de Eurico Gaspar Dutra. A última vez que houve uma diplomacia seguidora dos EUA foi no governo Castelo Branco, que chegou a enviar tropas brasileiras para República Dominicana. Mas até ele tinha reservas a seguir tudo o que os Estados Unidos mandavam. Ele votou contra, na reunião do Conselho de Segurança Nacional, o rompimento das relações com Cuba. Nos governos militares seguintes, o Brasil se distanciou desse alinhamento e depois teve uma política externa independente, seguida em governos civis. Imagina se que por esse pensamento contra o domínio “maoísta-capitalista chinês” as relações com a China, nosso maior parceiro comercial, possam ter problemas.

O ministro Aloysio Nunes Ferreira soltou um anota entusiasma dacoma escolha e alinhando os cargos que ele exerce uno Itamaraty. Mas não é essa a opinião que se ouve com frequência na Casa. O diplomata Ernesto Araújo foi promovido a embaixador recentemente, nunca chefiou uma missão no exterior. O Itamaraty já teve inúmeras vezes ministros não diplomatas, mas, quando é da carreira, o que se espera é que não se quebre tão fortemente a hierarquia. Mesmo assim, a decisão dos diplomatas é não reagir e esperara“força e a durabilidade” dessa escolha, como definiu um experiente diplomata.

Nesta nomeação, houve também outro fato inusitado. Parte do processo de triagem de ministros foi feita pelos filhos do presidente eleito. Não é normal do ponto de vista institucional que isso seja delegado apessoas por seus laços familiares com o presidente. Os dois filhos que sabatinaram o candidato a ministro das Relações Exteriores foram Flávio, senador eleito, e Carlos, vereador. O que os qualifica como sabatinadores é serem filhos. O presidente Bolsonaro informalmente sempre ouvirá os filhos, mas quando isso ganha status de equipe de triagem para o Ministério é uma confusão entre família e governo que não deveria existir.

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Temer deixará dívidas de R$ 3,1 bilhões com órgãos internacionais

Gabriela Valente

15/11/2018

 

 

Conta a ser herdada pela nova gestão pode chegar a R$ 6,2 bi no fim de 2019. Se não pagar, país pode sofrer sanções

O governo Michel Temer deve deixar um problema para a equipe de Jair Bolsonaro resolver logo nos primeiros dias de mandato: a dívida com organismos internacionais. A previsão da equipe econômica atual é virar o ano com uma conta em aberto de R$ 3,1 bilhões. Essa dívida pode alcançar R$ 6,2 bilhões no fim do ano que vem, mas há a previsão de apenas R$ 532,9 milhões no Orçamento de 2019 com este fim.

Somente para as missões de paz das Organizações das Nações Unidas (ONU), o Brasil deve R$ 813 milhões. Coma própria ONU, a dívida édeR $479 milhões. Jácoma Organização Internacional do Trabalho (OIT), a dívida do país chegará aR $114 milhões até o fim do ano.

O novo governo terá o desafio de honrar os compromissos com o remanejamento de recursos, para não furar o teto de gastos. Como a probabilidade de isso acontece ré baixa, aumenta o risco de o Brasil sofrer sanções de instituições com as quais está inadimplente. Essa situação pode aumentar a classificação de risco do país e restringir o acesso de estados e prefeituras a empréstimos internacionais.

Revisão de participações

A administração atual sugere repensar a participação do Brasil nessas entidades diante da atual situação das contas públicas. É o que consta de um documento enviado pelo Ministério do Planejamento ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, na terça-feira.

“Aumenta a probabilidade de não se cumpriremos prazos (...). O atraso pode ensejara imposição de sanções, gerando constrangimentos políticos e dano à imagem do Brasil no exterior. Em alguns casos, o inadimplemento também pode trazer impactos econômicos ao país”, diz parte do texto enviado pela pasta a Guedes.

Essa inadimplência pode impedir, por exemplo, a participação do Brasil em reuniões comerciais internacionais. No caso da participação em capital em bancos e fundos internacionais, além de constrangimentos e sanções administrativas, o país pode ter a classificação de risco rebaixada. Isso faria os custos de linhas de financiamento subirem. De acordo com o Planejamento, em última instância, entes governamentais brasileiros poderão sofrer restrições no acesso a operações de crédito.

Entre as sugestões entregues pelo ministro do Planejamento, Esteves Colnago, a Guedes está a “racionalização” da participação brasileira em organismos internacionais. Ele sugere uma avaliação criteriosa da relevância da manutenção dos vínculos com essas entidades. E recomenda, ainda, que as mudanças devem ser feitas logo no início do ano.

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STF limita indenização de poupadores a acordo

Bruno Dutra

15/11/2018

 

 

Decisão de Gilmar Mendes suspende o pagamento de compensações por perdas com planos econômicos em ações já julgadas

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de suspender a execução de pagamentos de poupadores que já haviam obtido na Justiça o direito a indenização por perdas relativas aos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990 (Bresser, Verão e Collor 2) prejudica quem esperava receber fora do acordo homologado em março. Apedido do Banco do Brasil e da Advocacia-Geral da União (AGU), o ministro limitou as compensações à adesão ao acordo que encerrou todas as ações ainda em tramitação, como antecipou a Folha de S. Paulo. Poupadores devem se cadastrar numa plataforma na internet para receberas compensações.

Em nota, o Banco do Brasil argumentou que a suspensão dos processos está prevista na oitava cláusula do acordo. Segundo fontes ligadas ao processo, a instituição financeira entende que os pagamentos a quem obteve vitória na Justiça desestimula a adesão ao acordo, já que as sentenças podem indicar indenizações maiores. Até agora, pouco mais de 100 mil pessoas aderiram ao acordo. A expectativa inicial era de 1 milhão.

Agora, as ações individuais que estavam em andamento ficam suspensas até que termine o prazo de dois anos estabelecido pelo ministro. Assim, ficarão paradas paradas até fevereiro de 2020.

Adesão desde Maio

Procuradas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Frente Brasileira pelos Poupadores (Febrapo) não se manifestaram.

O acordo de março foi alinhado entre os bancos, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Febrapo, com mediação da AGU, acompanhamento do Banco Central e homologação pelo STF. A previsão, dizem os bancos, é que 2,5 milhões de pessoas recebam os valores devidos corrigidos. A plataforma eletrônica para adesão ao acordo começou a funcionar em maio deste ano.

Para ter direito à indenização, o poupador deverá ter reivindicado o ressarcimento judicialmente dentro dos prazos de prescrição. No caso das ações individuais, o prazo é de até 20 anos após a edição de cada plano.

De acordo com as regras, as execuções de ações coletivas devem ter sido ajuizadas até 31 de dezembro de 2016 ou em até cinco anos após a decisão definitiva da ação. Vale lembrar que quem não recorreu à Justiça antes do acordo não terá direito à indenização.

Não é permitido ao poupador indicar uma conta de terceiro para recebimento dos valores do acordo, exceto no caso de advogado com procuração que o autorize a receber em nome do beneficiário da ação. Os valores dos honorários serão de 10% sobre o valor do acordo.