O globo, n. 31144, 13/11/2018. País, p. 8

 

Ministros do STJ manda soltar Joesley e três delatores

Aguirre Talento

13/11/2018

 

 

Relator no STJ diz que omissão sobre esquema na Agricultura em acordo de delação não é motivo para prisão

O ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou ontem a soltura do empresário Joesley Batista, do exministro da Agricultura Neri Geller e de outros três delatores do Grupo J&F. Eles estavam presos desde sextafeira e são investigados na Operação Capitu, desdobramento da Lava-Jato em Minas Gerais.

Joesley, que foi solto na noite de ontem, é suspeito de omitir informações em seu acordo de delação premiada. No entanto, segundo o magistrado que concedeu o habeas corpus, os fatos sob investigação são antigos, e a omissão não é motivo suficiente para a prisão, apesar de ser argumento para a suspensão da colaboração.

“Se tendo entendido na decisão paradigma que não seriam contemporâneos os riscos arguidos e não sendo admissível prender por falta de colaboração do acusado, também em face dos requerentes incide igual ilegalidade da prisão”, afirmou o ministro no despacho.

A decisão foi tomada após o pedido do advogado de Joesley, André Callegari, que defendeu a extensão do habeas corpus que fora concedido na sexta-feira ao ex-secretário de Defesa Agropecuária Rodrigo Figueiredo, que também havia sido preso na operação. O ministro do STJ entendeu que a situação era semelhante e aplicou a mesma decisão para o dono do Grupo J&F.

No pedido de liberdade, a defesa de Joesley argumentou que ele não oferece riscos à investigação porque está afastado das atividades do Grupo J&F e vem colaborando com a Polícia Federal. O advogado sustentou ainda que o acordo de delação continua em vigor, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não decidiu sobre o pedido de rescisão protocolado pela ProcuradoriaGeral da República (PGR).

Ministro vê excessos

“O requerente vem prestando todos os depoimentos para os quais tem sido chamado, entregou todos os documentos requeridos, sem contar que as empresas do Grupo J&F estão submetidas a uma rigorosa investigação interna no âmbito do acordo de leniência firmado e ora juntado aos autos, levada a cabo por auditores externos e sob supervisão do Ministério Público Federal (MPF)”, afirmou o advogado na petição.

Além de Joesley, também foram soltos por decisão de Nefi Cordeiro o ex-ministro da Agricultura Neri Geller, que se elegeu deputado federal pelo PP do Mato Grosso, e três delatores da J&F: Ricardo Saud, Demilton Antonio de Castro e Florisvaldo Caetano de Oliveira. Geller ocupou a pasta entre 2014 e 2015, durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.

Ao analisar os pedidos de liberdade apresentados pelas defesas dos colaboradores da J&F, o ministro do STJ afirmou que houve excesso nas ordens de prisão.

“A falta de completude na verdade pode ser causa de rescisão do acordo ou de proporcional redução dos favores negociados, mas jamais causa de risco ao processo ou à sociedade, a justificar a prisão provisória”, escreveu.

Nefi Cordeiro acrescentou que “esconder fatos hoje não significa que se prejudique a colheita de provas, mesmo investigatórias, do limite fático já revelado e criminalmente perseguido”.

Esquema em Ministério

A Operação Capitu é um desdobramento da Lava-Jato em Minas Gerais e teve origem na delação premiada do doleiro Lucio Funaro. Segundo os investigadores, a JBS pagou propina para deputados e dirigentes do Ministério da Agricultura com o objetivo de se beneficiar em três frentes: a federalização das inspeções de frigoríficos, a regulamentação de exportação de miúdos e a proibição de uso de um veneno.

Segundo a PF, as propinas eram negociadas pelo então deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que está preso em Curitiba, e entregues por Funaro. De acordo com os depoimentos do doleiro, o grupo empresarial teria pago R$ 30 milhões pelo pacote de medidas do governo que o beneficiaria.

Para o delegado da PF Mário Veloso, responsável pela investigação, a medida prejudicou pequenos produtores porque só a JBS era capaz de atender às recomendações do ministério.

Outros R$ 5 milhões foram gastos, segundo a investigação, para que a pasta proibisse o uso da ivermectina de longa duração, medicamento que é usado no tratamento de parasitas em bovinos e pode contaminar a carne. A contaminação teria gerado reclamação de compradores estrangeiros dos produtos da JBS, segundo o delegado.

Para promover a federalização das inspeções sanitárias, a JBS teria pago R$ 50 mil para um deputado federal da Paraíba, que tentou passar a emenda em uma medida provisória que tratava sobre o licenciamento de farmácias.

A operação também investiga o suposto financiamento ilegal de R$ 30 milhões da campanha para a presidência da Câmara dos Deputados, quando Cunha foi eleito, em troca de atendimento dos interesses corporativos do grupo no ministério.

O dinheiro teria sido depositado em contas bancárias de seis escritórios de advocacia, que teriam repassado os valores lavados aos beneficiários finais. Esses escritórios teriam, por sua vez, emitido notas fiscais frias, já que não foi identificada qualquer prestação de serviço ao Grupo J&F.

Entre os presos na operação, também estão o vice-governador de Minas Gerais, Antônio Andrade (MDB), que foi ministro da Agricultura; e o deputado estadual João Magalhães (MDB-MG) —nenhum deles foi beneficiado por habeas corpus. Ao todo, 15 pessoas foram presas na operação, e 63 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em cinco estados.

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Janot é dispensado de audiência e cita possível constrangimento

André de Souza

13/11/2018

 

 

Ex-procurador-geral seria ouvido em processo sobre revisão de colaboração

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot foi dispensado de prestar depoimento no processo de revisão do acordo de delação de executivos do Grupo J&F, controlador da JBS. Ele chegou ao Supremo Tribunal Federal ( STF ) no começo da tarde de ontem, mas a defesa da empresa desistiu de ouvi-lo, o que irritou Janot.

O ex-procurador reclamou de falta de cortesia de não ter sido avisado antes e disse que sua indicação como testemunha poderia ser uma tentativa de constrangimento. Os advogados rebateram, afirmando que não quiseram constrangê-lo e que a defesa pode arrolar e desistir de testemunhas.

Foi Janot quem firmou o acordo de delação com os irmãos Joesley e Wesley Batista, do Grupo J&F, e outras cincos pessoas ligadas à companhia. Foi ele também que pediu a revisão do acordo de quatro deles, por suspeita de terem omitido informações dos procuradores.

— Eu acredito que, por uma questão de cortesia, eu poderia ter sido comunicado antes. Eu concordei em estar aqui há muito tempo — queixou-se Janot, em entrevista após o fim da audiência.

Segundo o ex-procurador geral, não foi apresentada justificativa para dispensar seu depoimento. Ele disse também não fazer ligação entre as novas prisões de Joesley e de delatores da J&F, revogadas ontem, e a desistência da defesa em ouvi-lo. Mas citou a possibilidade de os advogados quererem constrangê-lo.

— Não faço qualquer ligação com a dispensa do meu depoimento com as prisões que aconteceram. Pode ser que, mas não afirmo também, que aconteceu um interesse de constranger o então procurador-geral da República que subscreveu a peça em que se postula a rescisão de acordo —disse Janot.

O advogado Técio Lins e Silva, que defende Joesley, rebateu:

— É prerrogativa da defesa desistir da testemunha a qualquer momento. Não existe essa questão de delicadeza. Não há necessidade. Há outras testemunhas. Ele já prestou vários depoimentos no inquérito, deu várias entrevistas, expôs sua opinião em diversos foros, em diversas mídias. Quem participou dos acordos não foi ele. Ele bateu o martelo porque era autoridade. Ele nunca ouviu os colaboradores, nunca esteve com os colaboradores — disse o advogado.

Advogado ironiza

Questionado sobre o motivo de não ter avisado Janot com antecedência, o defensor afirmou:

— A decisão foi tomada hoje (ontem). Isso é prerrogativa da defesa. Eu não tenho que dar satisfação.

O advogado Eugenio Pacelli, que defende Wesley Batista, ironizou o ex-procurador-geral:

— Ele (Janot) sugeriu que tinha sido arrolado para constrangê-lo, porque a imprensa estaria aqui. Quem chama a imprensa é o Ministério Público.

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Contas de campanha têm 25 mil indícios de desvios

13/11/2018

 

 

Núcleo da Justiça Eleitoral identifica R$ 53,7 milhões em doações e despesas sob suspeita

O Núcleo de Inteligência da Justiça Eleitoral identificou 25.064 indícios de irregularidades na prestação de contas de candidatos a deputado, senador, governador e presidente que participaram das eleições deste ano. Não houve divulgação de nomes ainda, mas o balanço, que vai até o fim de outubro, envolve um total de R$ 53,7 milhões que estão sob suspeita. Os dados foram revelados ontem pelo portal G1.

O grupo é formado por técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério Público Federal (MPF), do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Receita Federal e da Polícia Federal. Até agora, eles identificaram indícios e ainda vão analisar se houve mesmo fraude.

O principal tipo de irregularidade que pode ter ocorrido é a doação por empresas, o que está proibido desde 2015, quando houve uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Os eleitos que tenham de fato se beneficiado dessas doações podem ter até mesmo seus mandatos cassados.

Há indícios, por exemplos, de que as empresas tenham usado seus funcionários para fazer as doações. Pessoas físicas estão autorizadas a doar recursos para as campanhas, desde que respeitado um determinado limite. Os técnicos do Núcleo de Inteligência também identificaram doações de beneficiários do Bolsa Família em valor incompatível com sua renda, e doadores mortos.

Empresas de parentes

Além das doações, há indícios de irregularidades com gastos. Entre as suspeitas, estão despesas com empresas de parentes ou correligionários dos candidatos. O número de indícios, tanto na receita como nos gastos, pode aumentar, porque nem todas as prestações de contas tinham sido entregues ainda quando a análise foi concluída.