O globo, n. 31144, 13/11/2018. Economia, p. 17

 

Um novo perfil para o BNDES

Martha Beck

Manoel Ventura

Rennan Setti

Ana Paula Ribeiro

Luciano Ferreira

13/11/2018

 

 

Com Levy, banco deve priorizar privatizações e infraestrutura

Primeiro nome confirmado da equipe econômica de Paulo Guedes, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy aceitou o convite e assumirá o comando do BNDES. Com ampla experiência em gestão pública, PhD em Economia pela Universidade de Chicago, Levy deixará a diretoria financeira no Banco Mundial para ocupar a presidência do banco de fomento. Segundo integrantes da equipe, sob o comando de Levy, o BNDES terá como prioridade o financiamento para logística e infraestrutura, por meio de apoio ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), privatizações, inovação e novas tecnologias, além da reestruturação das finanças de estados e municípios.

Próximo ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, o nome de Levy sofria resistência entre alguns integrantes da equipe de Bolsonaro por ele ter atuado como ministro da Fazenda da ex-presidente Dilma Rousseff. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse ontem que ainda não conversou com Levy e que o contato foi feito por Guedes:

— Guedes é que está bancando o nome Joaquim Levy. Teve reação por ter servido a Dilma (Rousseff) e (Sergio) Cabral. Mas nenhum processo, não tem nada contra ele, e esse é o argumento do Paulo Guedes. Tenho que acreditar no Paulo Guedes.

O presidente eleito reiterou a promessa de que pretende “abrir a caixa-preta” do banco:

—Vai ser aberta. Na primeira semana, não haverá mais nenhum sigilo no BNDES. São números que nós temos que tornar públicos: empréstimos a outros países, qual é a garantia, se não foi o Tesouro, a quantidade... Nós queremos botar na mesa para todos vocês da imprensa tomarem conhecimento de todas as transações feitas pelo BNDES.

Levy terá papel estratégico no BNDES, de acordo com interlocutores do presidente eleito. A transferência de estatais (especialmente aquelas que dependem de subvenções do Tesouro) das mãos do governo para a iniciativa privada foi uma das promessas de campanha de Bolsonaro. Para isso, Guedes prepara um amplo programa de privatização. A ideia é que Levy trabalhe na modelagem dessas operações.

Finanças dos Estados

Outro papel importante será na reestruturação das finanças de estados e municípios. Com a maioria parte dos entes regionais em crise, governadores eleitos já sinalizaram que precisam de ajuda para colocar as contas em ordem. O governo federal não tem espaço fiscal para ajudar diretamente os estados, mas o BNDES poderia ajudar na captação de recursos por estados que se disponham, por exemplo, a também vender ativos.

Como o BNDES mudou de linha de atuação ao longo do governo de Michel Temer, reduzindo seu orçamento e passando a dar mais peso à devolução de recursos ao Tesouro, o novo presidente também terá de priorizar setores. Neste caso, o foco será logística e infraestrutura e também inovação e novas tecnologias. O banco de desenvolvimento deve atuar com foco em áreas estratégicas, mas para as quais não há grande demanda no mercado de capitais, seja pelo prazo ou pelas características.

Segundo especialistas, a gestão de Levy deve reduzir o tamanho do banco, deixando mais espaço para o mercado de capitais atuar, aliviando o peso sobre o Tesouro, com foco em infraestrutura e privatização. Para a economista Elena Landau, ex-diretora de privatizações do BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso, Levy deve acelerar a venda da carteira de investimentos do banco.

—O BNDES é um banco do Estado que tem que fazer aquilo que o setor privado não vai fazer e que tem retorno social. O Levy tem a sensibilidade sobre quais são as funções do BNDES e deve ajudar na privatização, já que o banco perdeu a “embocadura” nesta área, na venda de carteira de ativos — disse Elena, acrescentando que o saneamento básico é área prioritária.

A meta do banco é encerrar o ano com R$ 70 bilhões em desembolsos. Até setembro, já foram emprestados R$ 43,6 bilhões, queda de 13% em relação ao mesmo período de 2017. Neste ano, o BNDES já devolveu R$ 130 bilhões ao Tesouro.

— Pode ser que ele seja até um pouco mais agressivo (na redução do tamanho do BNDES). Caso o mercado de debêntures (títulos de dívida) de infraestrutura se desenvolva, diminuiria a necessidade de o BNDES atuar como hoje nesse setor — disse o professor do Insper Sergio Lazzarini, autor do livro “Capitalismo de laços”.

Um ex-diretor do BNDES, que pediu para não ser identificado, porém, avalia que a redução do tamanho do banco manterá travado o crédito ao capital produtivo no país:

— Levy está sendo nomeado porque tem experiência em banco e chancela junto a agentes do mercado. Mas, na Fazenda, sempre foi um opositor do papel do BNDES.

Política industrial

Entidades industriais elogiaram a escolha de Levy, considerado um bom negociador. Mesmo assim, manifestaram preocupação com a postura que o BNDES terá no novo governo, uma vez que ainda não se sabe exatamente qual será o seu tamanho e se vai encolher mais para dar espaço ao financiamento privado.

— Não dá para acabar com as linhas de crédito de juro baixo e de longo prazo, essenciais num país com histórico de pouco crédito, especialmente às empresas de pequeno e médio porte — disse Milton Rego, presidente executivo da Associação Brasileira do Alumínio (Abal).

Na avaliação de José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Levy sempre esteve aberto ao diálogo nos diferentes cargos que ocupou e seu bom senso poderá ser útil para ajudar o BNDES nessa fase de retomada da economia. Entre as demandas, ressalta que as construtoras de menor porte precisam ter acesso ao financiamento do banco, o que, segundo ele, aumentaria a concorrência do setor.

Na visão do presidente da Associação Brasileira de Concessionária de Rodovias, César Borges, a confirmação de Levy é positiva porque ele tem conhecimento das carências da infraestrutura no Brasil:

—Esperamos que ele tenha outro papel agora no BNDES e pense na função do banco, que é fomentar o desenvolvimento econômico e social.

* Estagiário, sob supervisão de Carolina Morand

“Guedes é que está bancando o nome Joaquim Levy. Teve reação por ter servido a Dilma (Rousseff) e (Sergio) Cabral. Mas nenhum processo, não tem nada contra ele”

Jair Bolsonaro, presidente eleito

“O BNDES é um banco do Estado que tem que fazer aquilo que o setor privado não vai fazer e que tem retorno _ social”

Elena Landau, economista

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Liberal e doutor pela Universidade de Chicago

Martha Beck

13/11/2018

 

 

Embora o economista Joaquim Levy tenha sido ministro da Fazenda da ex-presidente Dilma Rousseff, não é surpresa que ele tenha sido convidado para comandar o BNDES no governo Jair Bolsonaro. De perfil liberal e doutor pela Universidade de Chicago, Levy tem muito mais em comum com o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, saído da mesma escola dos EUA, do que jamais teve com a administração petista da qual fez parte de janeiro até o fim de 2015.

Em sua última experiência no governo, Levy foi convidado por Dilma Rousseff para assumir o Ministério da Fazenda logo após a reeleição. A ideia era que ele realizasse um duro programa de ajuste das contas públicas, baqueadas pelas pedaladas fiscais da gestão de Guido Mantega. A relação com Dilma, no entanto, nunca foi boa, especialmente porque a ortodoxia do ministro batia de frente com a visão da chefe. Levy também protagonizou embates com o colega do Ministério do Planejamento, Nelson Barbosa, que defendia uma política econômica desenvolvimentista.

Aos poucos, Levy se isolou na Fazenda e começou a dar sinais de que deixaria o governo. Disse isso inúmeras vezes a interlocutores até que, durante uma reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) no fim de 2015, surpreendeu a todos. O ministro se despediu dos integrantes do colegiado e disse que provavelmente não participaria da reunião seguinte.

No balanço de sua gestão, Levy afirmou que a necessidade do ajuste fiscal demorou a ser compreendida pela sociedade, mas “a ficha acabou caindo”. Em carta, ressaltou que “a falta de maior sinalização de disposição mais imediata de esforço fiscal por parte do Estado brasileiro também piorou as expectativas dos agentes econômicos”, o que poderia se alastrar para 2016. Em seguida, foi para o cargo de diretor financeiro do Banco Mundial (Bird).

Levy também foi secretário do Tesouro durante o governo Lula, quando Antônio Palocci comandava o Ministério da Fazenda. Após deixar a chefia do Tesouro Nacional, em 2006, Levy foi vice-presidente de Finanças e Administração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), posição que ocupou por oito meses. Ele se desligou do BID no fim do mesmo ano e, em janeiro de 2007, foi convidado pelo então governador do Rio, Sergio Cabral, a assumir a Secretaria de Fazenda do estado, onde ficou até 2010.

De junho deste mesmo ano a 2014 trabalhou no Banco Bradesco.