Título: Europa em alerta contra a fraude das adoções
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 05/07/2012, Brasil, p. 9

A fraude das adoções internacionais para regularizar a situação de brasileiros no exterior já chegou ao conhecimento dos governos de Portugal e do Reino Unido, que são os países mais afetados pelo esquema criminoso. A atuação de advogados, de cidadãos brasileiros e de estrangeiros nesse grupo será investigada pela Interpol, mas também virou motivo de preocupação das representações diplomáticas dessas nações. Depois das denúncias publicadas pelo Correio desde a última segunda-feira, as embaixadas de Portugal e do Reino Unido enviaram documentos à Europa para alertar sobre a fraude. As representações também já ofereceram apoio ao governo brasileiro para tentar desvendar detalhes sobre a prática, que pode ter levado centenas de brasileiros ilegalmente ao exterior.

A Embaixada de Portugal informou ontem que mandou ofício aos ministérios da Justiça, responsável pela concessão da nacionalidade a estrangeiros, e à Administração Interna, que cuida da fiscalização de estrangeiros e das fronteiras. A representação portuguesa no Brasil garantiu ainda que está acompanhando com atenção os desdobramentos do caso, em busca de detalhes acerca da investigação policial e dos processos em andamento na Justiça. Entre as ações com indícios de fraudes, a maioria dos falsos pais adotivos é formada por cidadãos portugueses ou italianos. Entre 75 casos analisados, 45 pedidos de adoção foram assinados pelas mesmas pessoas. Há situações em que apenas um europeu se responsabilizou por pelo menos seis brasileiros. A assessoria de imprensa da Embaixada Britânica disse ontem que repassou informações a respeito do caso ao governo inglês e também entrou em contato com autoridades policiais e judiciárias do Brasil para oferecer ajuda, caso necessário. Mas a representação do Reino Unido explicou que o país só vai abrir investigação se for preciso apurar informações a respeito de casos concretos que envolvam crimes cometidos por cidadãos britânicos ou brasileiros.

Crise

Apesar da fraude das adoções ilegais ter sido identificada em cidades goianas, a prática não acarreta prejuízos financeiros ao Estado brasileiro. Isso porque os cidadãos que forjam vínculos afetivos e pagam a estrangeiros para serem adotados estão em busca de obter outra nacionalidade. Com o passaporte português, italiano ou inglês em mãos, por exemplo, os brasileiros passarão a viver nesses países e a ter acesso ao serviço de saúde e benefícios como seguridade social e moradia. Também têm direito a livre trânsito pelos países da União Europeia. Uma das motivações para o surgimento da farsa é a crise econômica em alguns países da Europa, como Portugal. O Ministério Público de Goiás já identificou que a maioria dos falsos pais adotivos estrangeiros é de baixa renda, idosa e com pouca instrução. Como os brasileiros interessados na cidadania europeia pagam o equivalente a até R$ 25 mil, é fácil cooptar portugueses, italianos e até ingleses interessados em assinar a documentação e embolsar esses valores.

Na última terça-feira, o juiz Rinaldo Aparecido Barros, da comarca goiana de Itapaci, cancelou 74 sentenças que aprovavam pedidos de adoção. Segundo ele, alguém colocou sua assinatura eletrônica nesses documentos. O magistrado enviou a decisão que suspendeu os processos a vários órgãos, como os Ministérios das Relações Exteriores brasileiro e português. Ontem, o Itamaraty informou que, assim que receber o ofício do juiz, vai se comunicar com as autoridades dos países cujos cidadãos estão envolvidos com as fraudes.

Uma das possibilidades que está sendo levantada nas investigações é a de tráfico de pessoas. Segundo o delegado da Polícia Federal e chefe da Interpol no Brasil, Luiz Eduardo Navajas, ainda não há elementos para afirmar que a fraude das adoções faz parte da estratégia de quadrilhas envolvidas com essa prática, mas nenhuma linha de investigação foi descartada. "A Unidade de Repressão ao Tráfico de Pessoas da PF é que vai começar o trabalho de investigação. Ao final do processo, vou receber as informações e repassá-las às polícias de outros países", explicou Navajas.

Prática criminosa O tráfico internacional de pessoas é considerado uma das atividades criminosas mais lucrativas do mundo e movimenta anualmente US$ 32 bilhões, de acordo com dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Essa prática é relacionada ao uso de mão de obra escrava, à exploração sexual e também a outros crimes, como a venda de órgãos.

Farsa causa reavaliação de processos

Depois da descoberta de fraudes nos processos de adoção de adultos, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de Goiás determinou uma devassa nos 6 mil processos em tramitação na comarca de Itapaci. O objetivo é checar se também houve irregularidades em outros processos, como os de âmbito criminal. Há receio de que até mesmo condenados possam ter sido soltos ilegalmente, com base nas mesmas fraudes que liberaram a adoção de adultos por cidadãos europeus.

A corregedora-geral de Justiça de Goiás, desembargadora Beatriz Figueiredo Franco, abriu investigação sobre o assunto antes mesmo da determinação do Conselho Nacional de Justiça. Na última terça-feira, a corregedora Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, havia anunciado uma apuração do caso. E expressou estranhamento diante das informações de que processos de adoções internacionais foram concluídos por meio de procurações e sem a oitiva do MP. Os requerentes sequer precisavam ser ouvidos presencialmente. "O Ministério Público estadual já havia mandado documentos a esse respeito. Com base nisso, começamos a fazer o levantamento", explica Beatriz.

Alvarás de soltura

A desembargadora já conversou informalmente com o magistrado Rinaldo Barros, responsável pela comarca de Itapaci, que garantiu ter constatado a existência de uma fraude. "O juiz informou que possivelmente as irregularidades aconteceram quando os processos estavam com a equipe de apoio dele. Houve requerimentos de adoção analisados, sentenciados e arquivados no mesmo dia. Isso é um absurdo", afirma a desembargadora Beatriz Franco.

"Nosso desafio agora é checar se a fraude ocorreu apenas na área de adoção ou se foram expedidos alvarás de soltura irregulares, por exemplo. Os inspetores correicionais vão fazer uma análise de todos os processos e a corregedoria vai expedir ofício para os diretores de fóruns de todo o estado de Goiás, para que fiquem alertas a respeito dessa conduta."