Título: Crise diplomática
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 05/07/2012, Mundo, p. 22

Governo paraguaio decide retirar o seu embaixador de Caracas e declara "persona non grata" o representante venezuelano em Assunção RODRIGO CRAVEIRO

O Paraguai abriu ontem uma nova frente de tensão que ameaça as já frágeis relações dentro do Mercosul. O governo de Federico Franco anunciou a retirada de seu embaixador, Augusto Ocampos Caballero, de Caracas e declarou "persona non grata" o embaixador venezuelano em Assunção, José F. Javier Arrúe De Pablo. As autoridades paraguaias acusam a Venezuela de ingerência.

"Diante das graves evidências de intervenção, por parte de funcionários da República Bolivariana da Venezuela, em assuntos internos da República do Paraguai, o Ministério das Relações Exteriores cumpre informar que procedeu à retirada de seu embaixador (de Caracas)", anunciou a chancelaria, por meio de um comunicado. A punição a Arrúe obedeceu à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de acordo com a mesma nota.

A crise diplomática foi provocada pela divulgação, na terça-feira, de um vídeo feito pela câmera de segurança do Palácio de Los López, em Assunção. As imagens — difundidas pela ministra da Defesa paraguaia, María Liz García — mostravam uma suposta tentativa do chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, de incitar uma sublevação por parte de oficiais de altas patentes das Forças Armadas paraguaias. Em reunião na sede do governo, em 22 de junho, Maduro teria sugerido aos militares que tomassem o Congresso e evitassem o impeachment do então presidente, Fernando Lugo.

O próprio líder destituído entrou na "briga". Lugo defendeu a Venezuela e qualificou a gravação de "montagem" caluniosa, além de um artifício para "desviar a atenção do golpe parlamentar" que lhe custou o cargo. Por sua vez, o movimento Paraguai Resiste, pró-Lugo, considerou que o vídeo "burla a inteligência e o senso comum". María Liz García reiterou ontem, ante a Promotoria da República, as acusações contra Maduro.

"A decisão do Paraguai é um alerta aos países da Aliança Bolivariana (Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, República Dominicana, São Vicente e Granadinas e Antígua e Barbuda) de que estamos na presença de uma juridização dos golpes de Estado", afirmou ao Correio, pela internet, o venezuelano Juan Romero, historiador e cientista político da Universidad del Zulia. Ele acredita que as reuniões de Maduro devem ser vistas "dentro do contexto de ações executadas no marco da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e de uma política não alinhada com os tradicionais interesses da direita". "Em nenhum momento, ficou comprovado que nosso chanceler impulsionou um golpe de Estado. Pelo contrário, o encontro no palácio buscava conter, por meio das forças armadas, o golpe jurídico que efetivamente ocorreu", acrescentou.

Consequências

Perguntado sobre a suposta ingerência venezuelana, José Muguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), qualificou de "rara" uma reunião entre um diplomata estrangeiro e comandantes militares de outro país. "Não é algo habitual", comentou. Para Romero, o governo de Federico Franco busca mostrar a Venezuela como um instrumento de ação dominante na América do Sul. "Eu espero a redução, ao mínimo, das relações entre Caracas e Assunção. Isso se traduz em um bloqueio econômico, ante a interrupção do fornecimento de petróleo. Também haverá uma elevação da guerra de informação e contra-informação entre ambas as chancelarias", prevê o analista.

O deputado paraguaio José López, porta-voz da Comissão da Câmara dos Deputados que ouviu o testemunho de um dos comandantes paraguaios, admitiu à agência France-Presse: "Está confirmado plenamente que o chanceler venezuelano e o embaixador equatoriano (Julio Prado) foram ao Gabinete Militar da Presidência da República no dia do impeachment". Em 28 de junho, a Embaixada do Equador no Paraguai havia desmentido a suposta participação de Prado no caso. "O embaixador só visitou a Casa de Governo acompanhado do chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, integrante da Comissão de Ministros de Relações Exteriores enviada pela Unasul para inteirar-se da situação existente no país", afirmou um comunicado.

Mujica defende chanceler e admite responsabilidade

José "Pepe" Mujica abandonou a postura passiva ante o mal-estar instalado no Mercosul com o ingresso da Venezuela. O presidente uruguaio chamou para si a responsabilidade por ter apoiado a entrada do país de Hugo Chávez e defendeu seu ministro das Relações Exteriores, Luis Almagro. "Eu sou o responsável, não o chanceler. Estou de acordo com seu desempenho. Ele atuou muito bem e, quanto mais batem nele, mais o prendem à cadeira do ministério, porque irei defendê-lo", avisou o mandatário.

Na última segunda-feira, Almagro assegurou que seu país se opunha à entrada dos venezuelanos no bloco. De acordo com ele, a adesão só foi possível após um "pedido da presidente Dilma Rousseff". Cerca de 24 horas depois, o vice-presidente Danilo Astori endureceu o tom. "Não concordo com a decisão porque se trata de uma agressão institucional muito importante", comentou. "É certo que quem pediu a reunião reservada foi Dilma (Rousseff), estivemos de acordo os três, e fui eu quem estabeleceu a data da próxima reunião no Rio de Janeiro, na primeira semana de agosto, mas finalmente pediram que ela ocorresse em 31 de julho, e eu aceitei", afirmou Mujica ao jornal La República, de Montevidéu. O chefe de Estado explicou que, durante a reunião na sexta-feira passada, em Mendoza (Argentina), surgiram "novos elementos políticos". "O político superava amplamente o jurídico", admitiu.

Professor do Instituto de Ciência Política da Universidad de la República (em Montevidéu), Daniel Chasquetti admitiu ao Correio que os membros plenos do Mercosul violaram o procedimento jurídico para o ingresso de sócios. "As avaliações políticas pesaram mais. É óbvio que a Argentina e o Brasil serão os ganhadores, com a entrada da Venezuela. O acordo político dos presidentes pesou mais que o apego aos procedimentos formais", comentou. Segundo Chasquetti, o novo membro do Mercosul não deveria ser motivo de temor econômico. "A princípio, a economia uruguaia é complementar à da venezuelana. Nós temos alimentos; eles, petróleo", concluiu o analista. (RC)

Herança revelada

Por ordem da Justiça chilena, o testamento do ex-ditador Augusto Pinochet foi aberto ontem, passados cinco anos da morte, para confirmar que apenas a família do general foi favorecida — ao contrário do que se especulou. Os bens de Pinochet foram distribuídos de maneira que metade coube à viúva, Lucía, e metade foi dividida igualmente entre os cinco filhos. O texto, liberado durante breve cerimônia em um tribunal de Santiago, sem a presença dos familiares, não detalha o patrimônio deixado por Pinochet, que comandou o regime militar entre 1973 e 1990 e morreu em dezembro de 2006.

De acordo com Carlos Mackenney, advogado do Conselho de Defesa do Estado (CDE), o testamento de Pinochet menciona "os bens que existirem no momento do falecimento", sem enumerá-los. O notário Humberto Quezada, que mantinha o documento sob custódia, informou que nas duas páginas o texto define que "50% são deixados para sua cônjuge e os outros 50% são deixados para seus filhos".

A abertura do texto foi realizada a pedido do CDE, no âmbito de uma investigação judicial que tenta esclarecer a origem da fortuna que Pinochet mantinha oculta no Roggs Bank, de Washington, e em outros bancos estrangeiros. O montante é calculado em US$ 26 milhões. "A diligência foi bem-sucedida. Foi possível conhecer a vontade do falecido e quem são os herdeiros", disse à imprensa Mackenney, após o trâmite realizado no Terceiro Tribunal Civil da capital chilena.

O testamento de Pinochet é datado de 3 de setembro de 2000, pouco depois de o ex-ditador ter retornado de Londres, onde passara 503 dias sob prisão domiciliar. Nesse período, a Justiça britânica estudou (e negou) um pedido de extradição feito pela Espanha, onde o juiz Baltasar Garzón pretendia julgar o general chileno por crimes contra a humanidade. A Suprema Corte londrina decidiu liberar Pinochet por "razões humanitárias", considerando a idade avançada e a saúde precária. Em 17 anos, a ditadura comandada por ele deixou cerca de 3 mil mortos.

Diante das graves evidências de intervenção, por parte de funcionários da República Bolivariana da Venezuela, em assuntos internos da República do Paraguai, o Ministério das Relações Exteriores cumpre informar que procedeu à retirada de seu embaixador"

Comunicado do Ministério das Relações Exteriores do Paraguai