Título: Cresce lista de acusados na fraude das adoções
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 11/07/2012, Brasil, p. 9

Apurações indicam que o advogado Igor Santos Ferreira da Silva, filho de Paulo Alves Ferreira da Silva, já preso, também fazia parte do esquema em que brasileiros compravam pais adotivos na Europa para garantir a cidadania. Um dos suspeitos segue foragido HELENA MADER

A lista de envolvidos no esquema das adoções fraudulentas não para de crescer. Os investigadores agora apuram a suposta participação do advogado Igor Santos Ferreira da Silva no grupo que simulava adoções de adultos brasileiros por europeus, para regularizar a situação dessas pessoas no exterior. Igor é filho do também advogado Paulo Alves Ferreira da Silva, preso na última segunda-feira pela Polícia Civil de Goiás. Segundo as apurações, eles atuariam juntos nas negociações entre brasileiros e estrangeiros. O ex-servidor do Tribunal de Justiça de Goiás acusado de participar das fraudes continua foragido. Felipe de Freitas Monteiro seria o responsável pela liberação de sentenças no fórum de Itapaci (GO).

Ontem, o advogado Paulo Alves passou mal na cela em que estava, na Delegacia de Ceres, e foi levado a um hospital particular da cidade. Os médicos o diagnosticaram com uma crise hipertensiva e ele ficou internado, sob vigilância. Como Paulo é integrante da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás, ele tem direito a uma cela especial. Não existe esse tipo de estrutura no interior do estado e, por causa disso, a Justiça autorizou que o preso fosse transferido para Goiânia. Ele será levado para a capital assim que tiver alta médica do hospital. Segundo a polícia, os defensores de Paulo Alves já entraram com pedido de habeas corpus. A prisão preventiva do advogado tem prazo de 10 dias. A reportagem tentou ligar para o escritório de Paulo ontem, mas ninguém atendeu as ligações. O caso também já motivou a abertura de processo ético disciplinar pela Ordem dos Advogados do Brasil contra Paulo. Ele deve ser ouvido antes da conclusão do procedimento.

O delegado de Ceres Alexandre Alvim, responsável pela investigação, conta que já ouviu pelo menos três brasileiros que vivem em Londres e teriam buscado os serviços oferecidos pela quadrilha. Esses cidadãos no exterior revelaram que Igor seria um dos envolvidos. "Pela nossa apuração, o Igor atuaria como intermediário com contatos em Londres", revela. Ele não descarta também pedir a prisão preventiva do advogado. "As investigações estão avançando bem e é só uma questão de tempo."

Vínculo

A fraude das adoções, denunciada pelo Correio desde 2 de julho em uma série de reportagens, envolve cidadãos brasileiros interessados na cidadania europeia e estrangeiros, especialmente portugueses e italianos, que recebem dinheiro para virarem falsos pais adotivos. O esquema começa com uma procuração assinada pelo cidadão de outro país, declarando o desejo de ter o brasileiro como filho. Os integrantes da farsa declaram ter um vínculo afetivo. A fraude é concretizada em comarcas do interior de Goiás.

A reportagem identificou pelo menos 75 ações dessa natureza em nove cidades goianas, principalmente nos municípios de Itapaci, Carmo do Rio Verde, Ceres e Rialma. Na comarca de Itapaci, a maioria dos pedidos foi liberada, sem consulta prévia ao Ministério Público. Isso chamou a atenção do Ministério Público de Goiás, que abriu investigação. Dos processos identificados, 45 trazem os mesmos pais adotivos. Outra peculiaridade ajudou a fraude a ser revelada: as comarcas aceitavam o trâmite dos processos sem ouvir as partes pessoalmente. Até agora, a polícia acredita que o ex-servidor da comarca de Itapaci Felipe de Freitas Monteiro seja o principal responsável. Segundo depoimentos, ele teria falsificado a assinatura do juiz do fórum, Rinaldo Barros, liberando os processos de adoção. Houve ações apresentadas, julgadas e arquivadas em apenas um dia. O próprio magistrado indicou suspeitar do antigo servidor. Felipe pediu afastamento do cargo em 2 de julho, mesmo dia em que foram publicadas as primeiras denúncias. Aos colegas, ele contou que precisava de tempo para concluir a monografia do curso de direito.

De acordo com as investigações, Felipe teria passado por Pernambuco, depois de pedir demissão do Tribunal de Justiça. "Ele (o ex-servidor Felipe de Freitas) passou por Porto de Galinhas depois de sair da comarca de Itapaci. O acusado continua foragido, mas esperamos prendê-lo nos próximos dias", afirmou o delegado.

Conexão em Londres

Além dos suspeitos já identificados, a polícia quer saber qual é o envolvimento do cidadão brasileiro Mateus Cocco no caso. O Correio conversou com ele por e-mail no fim de junho e, à época, ele confirmou que atuava no esquema de adoção de adultos. Em menos de 72 horas, Mateus sugeriu um susposto pai e afirmou que seria necessário pagar 5 mil libras ao estrangeiro. Além disso, ele também cobrava caro pelo serviço. "O valor do processo fica em 2,9 mil libras. Você paga a metade na entrada e metade quando sair a sentença", disse Mateus por e-mail, sem saber que falava com a reportagem. A Polícia Civil de Goiás apurou que ele não estaria mais em Londres e, diante das denúncias, teria fugido para a Itália.

Mateus era funcionário da empresa Fênix Corporation, que comandava os processos de adoção fraudulenta. Os donos do negócio, que a polícia identificou como Cláudio e Káthia, podem ser os mentores. Segundo as investigações, eles viviam em Londres e cooptavam estrangeiros interessados em participar das negociações. Os três brasileiros ouvidos até agora afirmaram à polícia que não pagaram para serem adotados, apenas fizeram pesquisas acerca dos serviços. Se eles tiverem repassado dinheiro a estrangeiros para ganharem falsos pais, também podem ser indiciados.

Por causa das denúncias do Correio, a Interpol abriu investigação. Na semana passada, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, também determinou abertura de procedimento para verificar o envolvimento de servidores do Judiciário. O esquema chamou a atenção até mesmo do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes, que decidiu verificar se a fraude pode ser uma nova forma de tráfico internacional de pessoas.

Investigados Quem são os acusados pela polícia de participação no esquema até agora: » Paulo Alves Ferreira da Silva: advogado com atuação em Ceres. Foi preso na última segunda-feira sob a acusação de intermediar os contatos entre os estrangeiros e os brasileiros interessados em participar da fraude

» Igor Santos Ferreira da Silva: segundo a polícia, há indícios de sua participação. Ele é filho de Paulo Alves e, de acordo com brasileiros que vivem em Londres, atuava nos casos de adoções entre adultos

» Felipe de Freitas Monteiro: ex-servidor da comarca de Itapaci, ele teve a prisão preventiva decretada, mas está foragido. Segundo as investigações, ele teria falsificado a assinatura de um juiz para conseguir a liberação judicial das adoções

» Cláudio e Káthia: a polícia não divulgou os sobrenomes da dupla. Mas eles seriam os donos da empresa Fênix Corporation, com sede em Londres, que fazia serviços para brasileiros interessados em regularizar a situação no Reino Unido, entre eles o esquema das adoções

» Mateus Cocco: antigo funcionário da Fênix Corporation, ele intermediava o contato entre brasileiros e estrangeiros interessados em viver na Europa. Cobrava 2,9 mil euros pelos serviços de elaboração dos processos de adoção