Título: Sem espaço para o perdão
Autor: Valadares, João; Macarenhas, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2012, Política, p. 2

O plenário lotado e uns poucos momentos de silêncio eram os únicos sinais de que a sessão de ontem era histórica. O comportamento dos presentes, de parlamentares a funcionários e imprensa, mostrava que todos aguardavam um mero rito protocolar. Até o personagem principal da manhã de ontem, o até então senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), seguiu à risca a inércia vista nos últimos dias, à exceção dos 35 minutos em que ocupou a tribuna para se defender.

Acompanhado do seu advogado e de um copo, ora com refrigerante, ora com água, o ex-parlamentar evitou manter o olhar na direção dos então colegas que o atacavam. Durante os discursos dos senadores que pediram a palavra, Demóstenes passou a maior parte do tempo remexendo no telefone celular. Raras vezes mirava o orador. Nunca por mais de alguns segundos. Parte das mensagens de texto, depois de ler, mostrava ao advogado. Em uma delas, a sobrinha Larissa pediu: "Força na peruca".

Demóstenes passou suas últimas horas no plenário da Casa onde teve cadeira por quase 10 anos da mesma forma que esteve nos últimos três meses: completamente isolado. Chegou cedo. Foi o primeiro a entrar no plenário. Sentou no local de costume. A imagem traduzia a situação. Ficou sozinho por alguns minutos. A maioria dos pares evitaram o aperto de mão. O senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que já passou pela mesma situação e conseguiu escapar, fez questão de ir cumprimentá-lo.

Último apelo Os outros parlamentares voltaram a atenção para ele somente quando proferiu seu último discurso, pedindo que não acabassem com a sua vida. Neste momento, quase todos permaneceram em silêncio e praticamente imóveis. Alguns, porém, consultavam o Twitter ou trocavam e-mails. O senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) nem sequer deixou o celular no silencioso: "Oi, amor. Já viajou? (...) Também te amo, beijo", declarou, antes de desligá-lo para acompanhar o discurso.

O ex-senador levantou apenas duas vezes da cadeira: uma para ir ao banheiro, acompanhado até a porta pelo usual batalhão de repórteres e fotógrafos, e a outra para deixar o plenário como ex-parlamentar, pelo menos até 2031, quando poderá retornar na mesma condição, passado o período de inelegibilidade e, obviamente, se receber os milhares de votos de confiança do eleitorado goiano.

Encerrada a sessão, assim como Demóstenes, todos se retiraram rapidamente do plenário, sem alterações. Estava concluído o protocolo. "Esse episódio é página virada. Vamos seguir nossos trabalhos normalmente", resumiu o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). (JV e GM)

"Esse episódio (Demóstenes) é página virada. Vamos seguir nossos trabalhos normalmente" José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado