Título: De volta ao papel de algoz
Autor: Valadares, João; Macarenhas, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2012, Política, p. 2

Demóstenes Torres, ex-senador da República, cassado ontem em sessão histórica por 56 votos a 19 por quebra de decoro parlamentar após denúncias de envolvimento com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, voltará em breve ao Ministério Público de Goiás (MPGO) para atuar como procurador de Justiça. Acusado de ser o braço político de uma organização criminosa, Demóstenes, segundo da história a perder o mandato em plenário, terá agora novamente uma caneta na mão para denunciar quadrilhas, como a do amigo Cachoeira.

Não existe nenhum tipo de impedimento legal. No novo trabalho, o ex-senador será chefiado pelo irmão, o procurador-geral de Justiça do MPGO, Benedito Torres. Detalhe: interceptações telefônicas da Polícia Federal, obtidas pelo Correio, apontaram que o ex-senador goiano garantiu a Cachoeira interferir diretamente em procedimentos internos do MPGO. Ontem, nos seus últimos 35 minutos de pronunciamento como senador, Demóstenes chegou a dizer que era "o pai do Ministério Público" por tudo que já tinha feito pela instituição em seu estado de origem.

A informação de que Demóstenes retornará foi confirmada, na tarde de ontem, pela defesa do ex-parlamentar. Os advogados alegaram como motivação a necessidade de "se sustentar". Ainda não há uma data fechada, mas a expectativa é de que o regresso ocorra já na próxima semana. Procurado pelo Correio, Benedito Torres não quis falar sobre o assunto.

O nome Demóstenes significa um profundo desconforto. Em um dos diálogos, em 16 de maio de 2011, Cachoeira pede ao senador que converse com seu irmão para que interceda contra a transportadora Garbano, que estaria em área incômoda para o bicheiro. Em outra ligação, Demóstenes retorna a Cachoeira, alegando ter acertado com o irmão (Benedito Torres) o cumprimento da ordem do bicheiro: "Tratei com ele aquelas duas questões, diz que vai resolver, falou?".

Ontem, Demóstenes foi o primeiro a entrar no plenário. Ficou sozinho por alguns minutos. Observou atentamente um a um dos senadores que se acomodavam em suas cadeiras. Poucos o cumprimentaram. O comparecimento quase total dos senadores era o prenúncio de que não havia como escapar. Ao fim, Sarney pronunciou o resultado. Imediatamente, Demóstenes se levantou da cadeira e saiu com o seu advogado pelo acesso restrito a parlamentares. Em três minutos, já estava fora do Congresso.

Discurso ofensivo Ao lado de Demóstenes, apenas o advogado. O ex-senador permaneceu inerte durante todos os pronunciamentos. O primeiro a falar foi o senador Humberto Costa, relator do pedido de cassação no Conselho de Ética. Fez um resumo do seu relatório e reforçou que Demóstenes colocou o mandato a serviço do crime organizado. Após pronunciamentos de outros seis senadores, chegou o momento das alegações finais.

Demóstenes aproveitou seu último ato para voltar a exercer as características pelas quais ficou conhecido. Com eloquência e frases incisivas, caiu atirando. Nem de longe lembrava o senador quase fantasma que perambulava pelo plenário nos últimos dias. Estava de volta aquele parlamentar que apontava o dedo para os colegas envolvidos em escândalos. Atacou o senador Humberto Costa. "Não se julga a adjetivação, julgam-se os fatos. Chamar uma mulher de vagabunda é algo que a crucifica para o resto da vida. Como é que ela vai se defender? Como é que ela vai provar a sua honestidade? Como é que ela vai provar a sua honradez, se, desde o início, ela foi jogada no chão."

Ao se dizer vítima do massacre da imprensa, o senador declarou que estava arrependido pela postura que adotava no passado contra os colegas. Mais tarde, pelo Twitter, prometeu tentar reverter a decisão no Supremo Tribunal Federal (STF). "Vou recuperar no STF o mandato que o povo de Goiás me concedeu", escreveu o senador, que ainda acusou a esquerda pela cassação.

Para Randolfe Rodrigues (PSol-AP), Demóstenes foi cassado não apenas por suas mentiras. "Não se trata só de ter mentido e sim de ter atuado, ao lado, na defesa dos interesses de uma organização criminosa." Humberto Costa ressaltou a contundência das provas. "Não me sinto satisfeito e nem feliz. Vejo que o trabalho foi reconhecido e que se fundamentou em provas contundentes. É uma página difícil para o Senado, mas é um momento de afirmação da democracia."

Por que Demóstenes perdeu o mandato? Foram cinco os motivos principais que levaram o senador à cassação pelos pares:

Admitiu ter recebido o rádio Nextel para se comunicar com Cachoeira. O senador também confirmou que a conta era paga pelo bicheiro. Segundo a PF, todos os integrantes da quadrilha se comunicavam com o bicheiro por meio do equipamento.

Em março, Demóstenes subiu à tribuna e disse que havia recebido apenas um presente de casamento de Cachoeira. Na ocasião, afirmou que poderiam grampeá-lo à vontade que não iriam encontrar mais nada. Não foi o que aconteceu. Novas gravações complicaram sua situação.

Demóstenes admitiu, no Conselho de Ética, ter dialogado com Cachoeira sobre operações que iriam ser deflagradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Afirmou que estava apenas jogando verde para saber se ele era contraventor. A versão não convenceu os parlamentares.

Demóstenes declarou que não tinha conhecimento de que Carlos Cachoeira, seu amigo íntimo por mais de 10 anos, praticava ações ilegais. No entanto, fez parte da CPI dos Bingos, iniciada em 2005, que indiciou Carlos Cachoeira por várias práticas ilegais.

Não conseguiu convencer os senadores sobre o diálogo travado com Cachoeira acerca da aprovação de um projeto que passava a classificar o jogo do bicho como crime e não mais como contravenção. Na conversa ele alerta: "Isso, inclusive, te pega". O entendimento é de que, se ele alertou que legislação pegava Cachoeira porque transformaria o jogo do bicho em crime, o senador sabia das atividades ilegais.