Título: Depois da prova
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2012, Política, p. 4

Em se tratando de Demóstenes, o rei da ética, é natural que os cidadãos indignados agora façam uma pergunta: "Se ele, que nos parecia o melhor de todos, não passava de um farsante, o que devemos pensar dos outros?"

Depois da prova Escolha, o Senado não tinha: cassou Demóstenes Torres pelo expressiva margem de 56 votos a favor, 19 contra e cinco abstenções. Redimiu a instituição de um perigoso descrédito, evitou seu aviltamento nefasto à democracia. A Casa não saiu maior, mas se saiu honrada. Já para o conjunto dos senadores, a cassação não chega a trazer alívio e conforto. Fosse Demóstenes um senador medíocre, daqueles que chegam ao Senado apenas para despachar assuntos paroquiais e até negociais, flagrado em tenebrosas transações, cassá-lo seria um ato cirúrgico desagradável, mas necessário, e de efeitos com certeza positivos. Mas Demóstenes era um senador da elite da Casa e o nome mais reluzente da oposição. Um dos senadores mais preparados e atuantes, e também o mais enfático defensor da ética e da moralidade, o mais duro acusador, o mais impiedoso com seus adversários, o mais indiferente à devastação das reputações de seus colegas, provadas ou não as acusações. Em seu discurso de defesa ele listou, e não mentia, inúmeros projetos e questões jurídicas ou legislativas que contaram com sua atuação ou colaboração. Ele era tudo isso mas, em algum momento, descobriu-se que tinha uma espécie de segunda vida, na qual colaborava como Cachoeira em sua condição de senador. A descoberta produziu espanto e indignação que certamente seriam menores se ele tivesse um outro perfil.

Por isso, para o conjunto de senadores, a cassação ainda não é a redenção nem os faz maiores. Em se tratando de Demóstenes, o rei da ética, é natural que os cidadãos indignados agora façam uma pergunta: "Se ele, que nos parecia o melhor de todos, não passava de um farsante, o que devemos pensar dos outros?"

Assim, para o Senado, hoje é um dia melhor do que ontem. Já os senadores, além da ressaca pelo ato praticado com desconforto, conforme confissões da maioria, enfrentarão continuadas desconfianças e exigências da sociedade, às quais terão de responder com uma atuação individual e coletiva de maior qualidade, embora tenham passado pela dura prova de, pela segunda vez na história da Casa, cassar um colega. Há que se louvar, neste episódio, primeiramente, a elegância litúrgica adotada em todo o processo pelo presidente do Senado, José Sarney, contra quem Demóstenes já levantou o dedo com voz ríspida em uma hora crítica. O mesmo vale para o senador Renan Calheiros. Quatro senadores atuaram exemplarmente, observando a técnica e os ritos processuais para além das equações políticas: no Conselho de Ética, Antonio Carlos Valadares e Humberto Costa, presidente e relator, respectivamente. Na Comissão de Constituição e Justiça, Eunício Oliveira e Pedro Taques, presidente e relator, respectivamente. No plenário, uma civilizado comedimento verbal, e o voto secreto que deve ter sido usado ali pela última vez nestes casos. Agora, tratem senadores e deputados de dar rumo ou final honroso à CPI do Cachoeira.

As greves e a crise A queda continuada na produção industrial é o elemento mais preocupante da economia neste momento. Ela pode resfriar outros setores e afetar o nível de emprego. Por isso, vem mantendo as desonerações tributárias para o setor. Mas o que o governo faz com uma mão, os funcionários públicos federais desfazem, com a greve em alguns setores. Os auditores da Receita Federal não têm liberado cargas portuáriás que incluem grossos volumes de insumos que já estão faltando nas índústrias. Segundo o jornal A Crítica, as fábricas do polo industrial de Manaus já deram férias coletivas a mais de oito mil empregados, por falta de matéria prima presa no porto há mais de 15 dias. Empresas que têm mercadoria no Porto de Paranaguá estão buscando liminares na Justiça para evitar multas altíssimas pelo atraso na liberação dos navios.

O governo federal poderia fazer algo mais do que mandar cortar o ponto de grevistas, neste caso, mas ainda não fez: delegar às secretarias estaduais de Fazenda a fiscalização e liberação de cargas, o que tem previsão legal. Mas isso depende de um ato do ministro Mantega. Os governadores pediram ajuda do líder do governo no Senado, Eduardo Braga, para conseguir falar com ele.

Dilma no retrato Depois de jantar com Eduardo Campos e Cid Gomes, do PSB, de uma boa conversa com o PMDB, na pessoa do vice Michel Temer, Dilma afagou seu próprio partido no jantar de anteontem oferecido pelo presidente da Câmara, Marco Maia. Já estava agendado, mas ajudou a dissipar incômodos com o cafuné nos socialistas. Quando Dilma começou a distribuir beijos e abraços, foi literalmente sequestrada para a área da piscina pelos que são candidatos. A ministra Ideli Salvatti já havia explicado à tarde, em reunião com a bancada petista, que Dilma não faria campanha presencial no primeiro turno para evitar conflitos na coalizão. Nisso, não insistiram, mas tiraram tantas fotografias com Dilma que, se funcionasse a lenda indígena de que a foto rouba a alma, ela teria virado zumbi. Sim, a este jantar o presidente do PT, Rui Falcão, compareceu. Ele mesmo achou que sua presença no jantar com os governadores do PSB não ajudava.

Sinal vermelho A queda na arrecadação federal no acumulado do ano até junho é de aproximadamente R$ 20 bilhões (7%) em relação ao mesmo período do ano passado. "A prosseguir assim, não haverá espaço para as desonerações tributárias, especialmente pela ansiada redução dos custos trabalhistas", diz o senador e líder de classe Armando Monteiro. O empresariado anda nervoso, mas gostou da entrevista do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em tom bem mais realista do que o do ministro Mantega, com seu otimismo imposto pelo cargo.