Título: Advogado da fraude das adoções é detido
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 10/07/2012, Brasil, p. 8

Após reportagem do Correio denunciar esquema de brasileiros comprando pais adotivos na Europa para obter cidadania, Justiça manda prender envolvidos. Intermediário se entregou após ter a prisão preventiva decretada. Assistente da comarca de Itapaci (GO) está foragidoNotíciaGráfico

A Justiça determinou a prisão de dois acusados de envolvimento no esquema das adoções irregulares de adultos na Europa. Ontem, o advogado Paulo Alves Ferreira da Silva, que teria participado da fraude em comarcas do interior de Goiás, foi preso pela Polícia Civil. Os investigadores também tentam cumprir o mandado de prisão contra Felipe de Freitas Monteiro, ex-servidor da comarca de Itapaci (GO), mas ele está foragido. O assistente administrativo do Judiciário goiano, que pediu afastamento assim que as denúncias surgiram, é apontado pela Polícia Civil como o responsável pelas farsas.

O esquema de adoções fraudulentas, denunciado pelo Correio desde o último dia 2 em uma série de reportagens, é usado por cidadãos brasileiros interessados na cidadania europeia. A fraude também envolve estrangeiros, especialmente portugueses e italianos, que recebem dinheiro para virarem falsos pais adotivos de cidadãos brasileiros. Com a nova Certidão de Nascimento em mãos, os supostos filhos adotivos podem ter livre acesso à União Europeia e ainda têm direito de solicitar a cidadania estrangeira.

Depois das denúncias, pelo menos 75 sentenças aprovadas na comarca de Itapaci, a 200km de Brasília, foram revogadas. O juiz Rinaldo Barros alegou que houve uma falsificação de sua assinatura e garantiu que esses casos de adoção de adultos tramitaram sem o seu conhecimento. O magistrado foi o primeiro a apontar o envolvimento do ex-servidor Felipe de Freitas Monteiro. Na decisão em que cancelou as ações já concedidas, o juiz Rinaldo afirmou que "os ofícios foram assinados por meio digital, sem o seu conhecimento, ao que parece pelo assistente administrativo Felipe de Freitas Monteiro".

O magistrado explicou ainda que o servidor assumiu o cargo em 8 de fevereiro de 2012, "mês a partir do qual começaram a aparecer os casos de adoção de adultos nesta comarca". Felipe pediu seu afastamento do Judiciário de Itapaci em 2 de julho, exatamente no mesmo dia em que foram publicadas as denúncias. O servidor acusado de envolvimento no esquema argumentou que estava deixando o cargo para se dedicar à elaboração de sua monografia do curso de direito. Disse ainda que morava em Ceres e, por isso, seu deslocamento diário até Itapaci era muito difícil.

Já o advogado Paulo Alves Ferreira da Silva seria, segundo as apurações, um intermediador entre os brasileiros e os europeus que atuavam como pais adotivos. Em conversa gravada, ele contou que cuidava de 58 processos desse tipo. "Tem em Londres uma pessoa que sempre está encaminhando serviços para a gente. Tinha uma firma, chamada Fênix, mas parece que fechou as portas, teve uns problemas", disse Paulo ao Correio. "A gente faz a adoção e só recebe (o pagamento) quando está pronto. Mandamos a cópia dos documentos e a pessoa faz o pagamento, não recebemos nada adiantado", revelou.

Ele se ofereceu para ajudar os brasileiros em busca de falsos pais adotivos e contou que essa negociação custa entre 5 mil e 15 mil euros. Quando a reportagem do Correio se identificou, o advogado negou a existência do esquema e garantiu que só assina petições com pedidos de adoção de adultos quando existe um efetivo vínculo afetivo entre as partes, como a legislação exige.

Interrogatórios

Logo depois da revelação do esquema de adoções fraudulentas, a Polícia Civil abriu inquérito para apurar os envolvidos no crime. As investigações estão concentradas na Delegacia de Ceres e ficaram sob a responsabilidade do delegado Alexandre Alvim Lima. Segundo ele, já foram ouvidos servidores das comarcas. "Interrogamos pessoas do fórum e, pelas informações que obtivemos, o autor das fraudes seria o assistente administrativo Felipe de Freitas", assegura o delegado.

Para ele, também há indícios do envolvimento do advogado Paulo Alves Ferreira da Silva e, por isso, a polícia pediu à Justiça a prisão preventiva dos dois. "Inicialmente, o Paulo disse que só recebia as ações prontas de advogados de Goiânia e apresentava os pedidos à Justiça. Depois, decidiu ficar calado e só falar em juízo", contou o delegado Alexandre Alvim. O Correio tentou contato com o escritório de Paulo Alves em Goiás, mas, até o fechamento desta edição, não conseguiu localizar o responsável pela defesa de Paulo Alves nesse processo.

O advogado se apresentou de forma espontânea à Delegacia de Ceres, depois que teve a prisão preventiva decretada. Como o advogado é registrado na Ordem dos Advogados do Brasil, ele tem direito a uma cela especial. "Não há oferta desse tipo de cela aqui no interior e, por conta disso, vamos pedir à Justiça que autorize a transferência para Goiânia ou libere o cumprimento de prisão domiciliar", comentou o delegado de Ceres.

Busca

Os investigadores da unidade policial procuraram Felipe de Freitas Monteiro em vários pontos da região depois da decretação da prisão, mas o ex-servidor está foragido. A Polícia Civil de Goiás emitiu alertas até mesmo para a Interpol, para impedir que o acusado deixe o país. A Delegacia de Ceres também quer apurar as conexões do esquema fora do país.

O advogado Paulo Alves tem escritório em Ceres e, depois das denúncias, a OAB em Goiás abriu um processo ético disciplinar para apurar a sua conduta. Se ficar comprovado o seu envolvimento com a fraude das adoções, ele poderá perder o direito de exercer a advocacia. O presidente da OAB, secção Goiás, Henrique Tiburcio, afirmou ontem que as denúncias são preocupantes, mas assegurou que Paulo Alves terá direito à ampla defesa. "Não recebemos nenhum documento até agora, só a decisão que cancelou sentenças de adoções de adultos. Mas diante das acusações, determinei que fosse instaurado processo ético e que fossem requisitadas as cópias da documentação relativa a esses casos."

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