Título: Nas entrelinhas
Autor: Silva Pinto, Paulo
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2012, Política, p. 6

O apelo para que os pares sentissem pena não salvou Demóstenes, nem poderia. Apenas revelou seu apego ao cargo, em grau nunca visto no Senado entre os que sofreram acusações

Parlamentar não pede compaixão Quem tinha dúvidas de que Demóstenes Torres seria cassado ontem deve ter mudado de ideia com o último discurso dele em plenário. Não será surpresa saber que algum senador tenha decidido finalmente pela perda de mandato depois de ouvi-lo.

Pedir compaixão é algo que revela falta de nobreza. Pode até ser um recurso eficiente para se livrar de punição, mas só funciona sob certas condições: diante de um superior, entre quatro paredes e depois de assumir a culpa e garantir que nunca mais vai repetir o erro. Ainda assim, não sai barato. A pessoa pode conseguir evitar algum prejuízo, mas sai com uma baita dívida moral.

Vá lá que Demóstentes tenha recorrido ao choro, metafórico ou mesmo literal, no gabinete de senadores de quem é próximo, com a porta fechada. Pode ter conseguido despertar a solidariedade. Muitos brasileiros que não conhecem Brasília imaginam que as discussões aqui são maquiavélicas e calculadas, envolvendo sempre interesses muito claros. Não é assim: há sempre uma dimensão pessoal nas decisões. E não só no Legislativo.

O problema foi Demóstenes ter levado esse tipo de apelação para o plenário. Fica mais difícil apoiar quem se mostra assim tão fraco — algo que culminou ontem, mas já era demonstrado há algum tempo. A tendência é o senador que o julga ficar com receio da pecha de leniência ética com um corrupto queixoso, ou, o que para alguns é até pior, com alguém que não é suficientemente varonil para estar entre seus pares. O voto ainda é secreto, claro, mas não é possível se livrar do prejuízo moral que afeta todos os detentores de mandato. A maior parte dos senadores votou ontem pensando na instituição. Demóstenes não pode sequer reclamar de falta de oportunidade de defesa. O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, decidiu pela prorrogação do prazo, e o Senado aceitou, sob o risco de a decisão ter de ser adiada para agosto.

Em uma década e meia, um senador foi cassado e outros quatro perderam os mandatos ao renunciar sob acusação de terem praticado ilicitudes. Nenhum deles demonstrou tanto apego ao cargo quanto Demóstenes. Em vários momentos do discurso de ontem, ele parecia um desesperado. Pediu para que se esperasse uma eventual condenação da Justiça. Se fosse assim, nenhum parlamentar poderia ser cassado, pois os processos judiciais vão muito além de um mandato.

Mais tarde, ateve-se a minúcias de reportagens, por exemplo sobre o tamanho de seu apartamento. Tentava mostrar que, no exagero, revelou-se uma campanha para sua detratação. E ainda citou um texto no qual se relatou que ele bebia uísque e fazia rachas de carro em 1988. Algo impossível, disse, porque naquele ano ele sofreu um acidente e quebrou a perna. As sequelas o obrigaram a passar recentemente por uma cirurgia e se locomover pelo Senado em cadeira de rodas. Parece que ele queria levar a plateia ao pranto.

Ora, os senadores não o cassaram por causa do tamanho de seu apartamento, ou porque acelerava o carro duas décadas atrás. Ele perdeu o mandato porque traiu a confiança da sociedade e de seus pares. Quando surgiram as informações da implicação dele com Cachoeira, em março, dizia que a amizade era entre a mulher do contraventor e a sua. Quando se soube dos presentes dados pelo bicheiro, disse que os recebera pelo seu casamento, e que não poderia recusá-los. Mas a coisa foi piorando e ficando cada vez mais difícil de explicar. Quando parecia não ter mais jeito, Demóstenes passou a pedir compaixão reiteradamente no plenário: "Sofri um massacre".

Parece que ele se esquecia de que já entrou no escândalo com uma dívida moral, desde a primeira suspeita. Como um arauto da ética poderia se envolver com Cachoeira, uma figura que o Brasil todo sabe há tantos anos ter moral questionável?

Mesmo assim, os senadores deram-lhe um crédito a mais. Depois do primeiro discurso de apoio, recebeu cumprimentos e palavras de confiança. Mas as acusações não pararam de despencar, exigindo novas versões. A dívida só aumentava. Como um inadimplente moral compulsivo, perdeu tudo.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 12/07/2012 04:41